Um decreto-lei publicado em Diário da República vai colocar em maiores apertos algumas das autarquias algarvias, uma vez que obriga a que – a partir de Março do próximo ano – as Câmaras de todo o país passem a transferir para a Águas do Algarve (AdA) e para a Algar metade do valor que gastem com serviços de água e saneamento e resíduos sólidos urbanos em cada mês.
Acaba-se assim com uma das receitas camarárias que maior liquidez gera nos cofres autárquicos mensalmente, os valores e taxas cobrados pela disponibilização de água, saneamento e tratamento de resíduos sólidos.
Até agora muitas autarquias optavam por atrasar os pagamentos aos fornecedores AdA e Algar e com os atrasos criavam fluxo de caixa que permitia fazer face a despesas correntes. Entretanto os fornecedores agonizavam com as dívidas em crescendo que, em muitos casos, apenas os Programas de apoio à Economia Local (PAELs) permitiram reduzir.
O Governo acaba assim com a capacidade das autarquias de gerirem estes fluxos financeiros, impondo que as que não liquidem parcial ou totalmente a facturação de água, saneamento e tratamento de resíduos sólidos urbanos, sejam obrigadas a transferir – até ao 15º dia do mês seguinte – para os fornecedores, metade das receitas que tenham cobrado com a disponibilização destes serviços aos consumidores no mês imediatamente anterior.
Para tanto as autarquias passam a estar obrigadas a registar a totalidade das receitas obtidas todos os meses com os serviços em causa.
Governo quer sanear as contas da Águas de Portugal e da subsidiária Empresa de Gestão e Fomento
O diploma refere que o objectivo é resolver o “problema das dívidas aos sistemas multimunicipais de águas e resíduos”, que é especialmente crítico para a Águas de Portugal.
O presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Manuel Machado, classificou ontem como “repugnante” o decreto-lei.
“Essa metodologia repugna-nos. É uma violação clara do código comercial. Para quem defende tanto o funcionamento dos mercados isto é uma subversão das regras”, criticou o presidente da ANMP.
Manuel Machado, que falava esta tarde à agência Lusa no final de uma reunião da ANMP em Lisboa, afirmou que esta medida pode “pôr em causa” a relação entre os municípios e os órgãos da administração pública.
“Não há necessidade de inventar complicações porque elas são perversas sobre aquilo que é a essência da relação saudável entre os vários órgãos da administração pública. Se em alguns municípios há demandas elas devem ser esgrimidas em sede dos tribunais”, apontou.
Certo é que o presidente da ANMP não pode, ou pelo menos não deve, ignorar as dívidas de milhões criadas pelas autarquias a empresas do Grupo Águas de Portugal à conta de reterem valores dos consumidores que deveriam ter como destino o pagamento dos serviços correspondentes e que são empregues noutros gastos das autarquias.
Muito embora a recita seja das autarquias e por elas devesse ser administrada, não menos certo é que a criação de dívida junto dos fornecedores pondo em causa a sanidade financeira das autarquias era e é um expediente a que importa pôr cobro.
Além deste diploma, a ANMP discutiu questões ligadas ao quadro comunitário Portugal 2020 e à Reforma da Fiscalidade Verde.
A dívida dos municípios à `holding` estatal Águas de Portugal (AdP) totalizava no final de 2013 mais de 559 milhões de euros, cerca de cinco milhões de euros acima do valor registado em 2012.
O grupo AdP integra um conjunto de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento e tratamento de lixo e encontra-se em fase de reestruturação, devendo as 19 concessionárias de água dar lugar a apenas quatro, enquanto a `sub-holding` EGF, que integra 11 empresas de valorização de resíduos, está em fase de privatização.
(com Agência Lusa)