Tinha a audácia rara dos tímidos que não escondem emoções. Com os olhos (por vezes) marejados de lágrimas, o jovem Jorge Sampaio enfrentou a ditadura e conquistou a confiança da sua geração. As lágrimas ajudaram muitos a acreditar “na sua generosidade”, conta Maria Emília Brederode dos Santos que respirou intensamente o ambiente de “subterrâneos da liberdade” que se vivia na Associação Académica de Direito. A autenticidade e o talento para construir pontes marcariam a vida e os ‘voos’ que guiaram Sampaio do Tribunal Plenário às Eleições de 1969, do MES ao PS, da Câmara de Lisboa à Presidência da República, e do trabalho nas Nações Unidas como enviado do secretário-geral para a Luta contra a Tuberculose à presidência da Aliança das Civilizações.
Sara Bensliman Bensaúde teve um papel importante na vida dos netos que passaram grandes temporadas em casa da avó materna. Jorge, ainda não tinha completado 15 meses quando o marido de Sara (seu avô materno) faleceu, oito anos depois de ser ministro dos Negócios Estrangeiros da Ditadura Nacional entre 1930 e 1932. Nesse período, foram várias as vezes em que Fernando Branco representou Portugal nas assembleias da Sociedade das Nações (espécie de ‘mãe’ das Nações Unidas) que se realizavam em Genebra.
O pequeno Jorge não deve ter conservado memórias de andar ao colo do avô, mas nunca esqueceu a incrível viagem que fez quando tinha oito anos, e a carreira clínica do pai o fez subir com ar seguro e confiante as escadas de um avião da Pan Am que o haveriam de fazer voar até aos Estados Unidos. Em 1947, as viagens de avião eram raras, e os portugueses que voavam ainda menos.
A pose afável mas determinada com que a criança acena para quem em terra a vê partir – como mostra a imagem publicada na capa da Revista do Expresso de 20 de janeiro de 1996 – é uma alegoria do que viria a ser vida deste homem que desde cedo se bateu por ideais e pela construção de um mundo mais fraterno e menos desigual.
Jorge Sampaio atravessou o Atlântico com 8 anos. Revista do Expresso, 20 de janeiro de 1996. Arquivo Expresso
Os gelados e os ‘hot-dogs’ de Baltimore, verdadeiras novidades alimentares “maravilharam” o pequeno Jorge, que arranjou “tempo e incentivo materno para se dedicar ao canto, à percussão e ao piano no Convervatório Peabody“, lê-se no perfil “Retrato de um Resistente Metódico”, publicado na Revista do Expresso (capa na imagem acima).
Esta estada nos Estados Unidos e o facto de Fernanda Branco Sampaio ter o hábito de falar com os filhos em inglês – Jorge e Daniel – foram determinantes para a fluência com que o ex-Presidente se exprimia na língua inglesa, chegando a traduzir textos literários. As ‘récitas’ musicais acabariam por (também) ser um treino para vencer a timidez, e o primeiro passo para o ajudar a confrontar-se com o público que tantas vezes assistiu às suas intervenções e discursos a partir do movimento estudantil que conduziu à Crise Académica de 1962.
SUBTERRÂNEOS DA LIBERDADE
“Entrei para a Faculdade de Direito de Lisboa no ano letivo de 1961/62. Não gostei do ambiente cá em cima [zonas de circulação e anfiteatros]. Era muito hierarquizado, [muitos] os professores ou eram ex-ministros ou futuros de ministros de Salazar, um ambiente desagradável que mesmo entre estudantes era um bocado primitivo”, conta Maria Emília Brederode dos Santos que conheceu Jorge Sampaio nesse ano: “O Jorge já estava no 5º ano, tinha uma cabeça livre, muito aberta (…)”.
A Associação Académica da Faculdade de Direito da Lisboa (AAFDL) funcionava na cave do edifício “e o ambiente era outro. Chamávamos-lhe ‘subterrâneos da liberdade’, havia grandes debates, conversava-se. Nessa altura havia uma lista de esquerda liderada pelo Jorge [e uma outra de direita]. A lista de esquerda tinha católicos progressistas, gente ligada ao PCP, andava por lá o Pedro Ramos de Almeida que já tinha cabelos brancos, achávamos que era uma certa aura dos tempos de prisão mas afinal era traço de família (…). O Jorge era ótimo a fazer pontes, conseguindo fazer a ponte entre aquelas fações“, que tinham uma matriz ideológica diferente lembra Maria Emília.
Recorde-se que o então dirigente académico Pedro Ramos de Almeida [pai dos jornalistas João e Nuno Ramos de Almeida] era militante do PCP, tinha entrado para a FDL em 1950, foi preso pela PIDE, e regressou entretanto à Faculdade onde se cruzou com a geração de Sampaio.
Na Crise Académica de 1962 ‘nasce’ o líder de uma geração. Sampaio, de camisa branca e gravata escura é o segundo a contar da esquerda no grupo de 4 estudantes sentados no murete. Arquivo Expresso
O ambiente vivido nos ‘subterrâneos da liberdade’ [nome inspirado num romance de Jorge Amado publicado em 1954] era tão estimulante que “também apareciam por lá estudantes de direita, como o Pedro Barbosa e o Pedro Cabrita”, recorda Maria Emília que rapidamente percebe que não quer seguir Direito, mudando, no ano seguinte, para a Faculdade de Letras [do outro lado da Alameda da Cidade Universitária] onde conheceu José Medeiros Ferreira, o grande amor da sua vida com quem casou em 1973 depois de viverem juntos no exílio alguns anos, o que era um arrojo para a moral vigente naquela época.
POUCA PAIXÃO PELO DIREITO
O café Ertilas – anagrama de Salitre, que fechou recentemente – foi palco de muitos encontros de parte do grupo de juventude do ex-Presidente. A avó Sara – com quem JS viveu quando frequentou o Liceu Pedro Nunes (não havia liceu em Sintra onde moravam os pais) e, posteriormente, a FDL – morava na Rua Almeida e Sousa, junto à esquina com a Francisco Metrass “onde ficava o [desaparecido] Cinema Europa, a casa da minha mãe era na mesma rua mais perto do Jardim da Parada, e o Vítor Wengorovius tinha um quarto alugado no topo da rua”, recorda Maria Emília.
Para além do núcleo residente em Campo de Ourique, a tertúlia no café Ertilas e os almoços no restaurante Velhas [junto à rua do Salitre] eram frequentados por outros companheiros. “Lembro-me do Pedro Ramos de Almeida e do Jorge Santos [grande amigo de Sampaio que é tio materno de António Costa] que tinha um grande entusiasmo pelo Direito e citava juristas alemães [e outros] nesses almoços. Nunca vi o Jorge [Sampaio] citar juristas como fazia o Jorge Santos”, diz Maria Emília.
Jorge Sampaio na juventude. Foto D.R.
“Na altura, já sabíamos que o Jorge teria um peso e um papel político importantes”, diz Maria Emília. Perguntamos se imaginavam que chegaria a Presidente da República e a resposta é esta: “Na altura não pensávamos nisso … com um Presidente como o Américo Tomás isso não fazia parte das nossas referências”.
UMA FORÇA QUE NÃO SE VÊ
“A força dele era difícil de ver. Era uma força interior, moral. Tinha uma enorme intuição para captar ambientes e para os exprimir. Quando o Zé morreu houve uma homenagem na Gulbenkian uns tempos depois. Foi tocante, estávamos satisfeitos mas não percebíamos bem o que estávamos a sentir. O Jorge fez uma intervenção e disse: ‘ele morreu mas nós estamos alegres’… e era isso”, lembra Maria Emília, viúva de José Medeiros Ferreira.
A época em que foi estudante universitário como que enforma e molda o seu pensamento político. É nestes tempos que se reforça o núcleo duro de amigos que acompanham as suas decisões vida fora (alguns vinham de Sintra onde moravam os pais, e do Liceu Pedro Nunes e depois do Passos Manuel). Em 1996, o amigo Jorge Santos contou ao Expresso: “Durante a maior parte do ano não estudávamos nada porque a Associação de Estudantes nos tirava o tempo todo”. Sampaio confirmou então as memórias do amigo e lembra que “em março, tocava a rebate”. Era chegado o momento de estudar para os exames, durante as férias da Páscoa em Sintra em casa do casal Fernanda Branco e Arnaldo Sampaio e, nos meses seguintes, em Lisboa em casa de Jorge Santos ou de José Arnaut.
MELHOR LÍDER E ORADOR DO QUE ALUNO
Na altura em que o ex-Presidente ingressou na Faculdade de Direito existia um exame de aptidão ao ensino superior de que só estavam dispensados os alunos que terminavam o ensino secundário com altas classificações. Jorge entrou em Direito depois de ter tido 11 valores nesta prova. Chumbou a duas cadeiras no primeiro ano e concluiu a licenciatura com 12 valores, o que comprova que nem sempre os melhores alunos são os líderes mais bem preparados para o futuro ou os melhores profissionais. No caso de JS, a luta académica e o que ela representava em termos de abertura e batalha por uma sociedade mais democrática sobrepuseram-se aos códigos e às sebentas de Direito.
Em 1961, ano em que começa a Guerra Colonial, foi eleito para a presidência da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa. A margem da vitória foi curta, um voto. Por um voto se ganha por um voto se perde, o combate e a luta fazem parte do caminho. No ano letivo seguinte, quando já estava a estagiar no escritório de um advogado amigo da (sua) família [José Olímpio] nova eleição para a liderança da RIA (Reunião Inter-Associações).
Em 1962, as autoridades do Estado Novo proíbem a comemoração do Dia do Estudante que se deveria celebrar a 24 de março. A enorme capacidade de mobilização das Associações de Estudantes de Direito, da (pró) Associação de Letras, de Medicina, presididas respetivamente por José Vasconcelos Abreu, José Medeiros Ferreira e por Eurico Figueiredo, dá início ao movimento que conduz à Crise Académica de 1962 e à demissão de Marcello Caetano do cargo de Reitor da Universidade de Lisboa.
A Greve Académica de 1962 catapultaria o reitor para o “centro das decisões universitárias. Vimo-lo em momentos de ação que julgávamos impensáveis – em cima de um carro, no estádio universitário, a prestar esclarecimentos aos estudantes acerca das diligências que tinha em curso para possibilitar a comemoração do Dia do Estudante”, disse Jorge Sampaio na biografia “Marcello Caetano – O Homem que Perdeu a Fé” publicada em 2009. Neste depoimento, Sampaio recorda que Caetano chegou a convidar os estudantes para “jantar no Castanheira de Moura, encontro que acabou por não se realizar devido à brutal carga policial que entretanto ferira um sem número de estudantes (…). Entalado entre as tentativas de compromisso que procuravam desenhar uma saída para a crise universitária – o que, aliás, não conseguiu – e a brutalidade do regime – que só mais tarde se recomporia do susto que os estudantes lhe pregaram -, Marcello Caetano apresentaria a sua demissão de reitor da Universidade de Lisboa, logo em abril de 1962, no que contou com a compreensão estudantil”.
No Portugal censurado não há notícias sobre a proibição da comemoração do Dia do Estudante. Apenas esta referência a uma nota do Ministério da Educação referindo que se tratava de uma atividade “subversiva”, publicada no domingo, 25 de março de 1962, pelo Diário de Lisboa. Foto D.R. Fundação Mário Soares
Dois meses depois do maio de 1968 ter abanado a França e aberto caminho a um novo ciclo de comportamentos sociais, António de Oliveira Salazar, chefe do Governo de Portugal desde 5 de julho de 1932, caía de uma cadeira onde apanhava sol no Forte de Santo António do Estoril. A queda marcou o início de um novo ciclo na história do Portugal do Estado Novo, chegando a representar uma lufada de esperança nos oposicionistas.
A indigitação do ex-Reitor Marcello Caetano para a chefia do Governo levou muitos a acreditarem que estaria aberto caminho para a modernização do país e que se encontraria uma solução negociada para a guerra de África. Sampaio, o jovem que se notabilizara como líder da Crise Académica de 1962 mantém-se ativo e vai fazendo pontes entre alguns oposicionistas ‘desalinhados’, o grupo dos católicos progressistas e o PCP. O Partido Socialista ainda não tinha sido fundado e, na altura, Sampaio e o seu grupo de reflexão e pensamento sabiam que havia um espaço partidário a ocupar na oposição não comunista.
O ambiente era de grande expectativa quando Caetano assumiu funções a 27 de setembro de 1968, apesar de o país ter enormes carências de infraestruturas básicas como o saneamento, a rede elétrica e a água canalizada. Para não falar na elevada taxa de analfabetismo. Nos primeiros meses do seu mandato, Marcello Caetano autorizou o regresso à [então] Metrópole de Mário Soares, que tinha sido deportado para São Tomé. Também autorizou o regresso do bispo do Porto D. António Ferreira Gomes, exilado há uma década por ter criticado o regime do Estado Novo.
Com as eleições legislativas de 1969 no horizonte e uma alteração da Lei Eleitoral que, ainda que de forma muito restrita, alargava o universo eleitoral a oposição organizou-se para apresentar listas de deputados à Assembleia Nacional. Não concorreu unida mas dividida entre a CDE onde alinhou grande parte do grupo de Sampaio, elementos mais próximos do PCP [na clandestinidade] como José Tengarrinha e Mário Sottomayor Cardia, católicos progressistas como Francisco Pereira de Moura, João Bénard da Costa e José Manuel Galvão Teles), e a CEUD, afeta a Mário Soares, Salgado Zenha, , Gustavo Soromenho, Jaime Gama, José de Magalhães Godinho e Raul Rego, entre outros.Sampaio que entretanto se tornara num advogado de nomeada nos Tribunais Plenários [onde eram julgados os presos políticos, o trabalho dos advogados de defesa eram gracioso] faz pontes entre os vários sectores que formam a CDE e destaca-se. A sua capacidade de liderança é novamente reconhecida, apesar da timidez de que se defendia com “um enorme sentido de humor“, conta Maria Emília Brederode dos Santos que na altura estava no exílio com o seu futuro marido Medeiros Ferreira.
Duas fotos raras na Revista do Expresso de 14 de setembro de 1991: rabiscos de estudo em casa de Jorge Santos (tio materno de António Costa) nos tempos em que os dois amigos eram estudantes e Sampaio com a sua primeira mulher, Karin Dias. Foto D.R. Dulce Salomé
A esperança acompanhou muitos dos votaram no domingo, 26 de outubro de 1969. Contados os votos, a União Nacional obteve 88% dos votos sufragados, a CDE 10% e a CEUD menos de 2%. Os deputados da chamada Ala Liberal (eleitos nas listas da UN) foram a nota de abertura no hemiciclo de São Bento.
Quatro anos depois, a CDE regressa às urnas no domingo 28 de outubro, a CEUD já não participa no sufrágio. Foram as últimas eleições do Estado Novo, o fim do regime aconteceria sete meses depois a 25 de Abril de 1974.
O advogado Jorge Sampaio permanece ativo na defesa de muitos dos que são incomodados pelo regime do Estado Novo, como o leitor pode confirmar pela leitura da notícia em que o seu nome surge pela primeira vez no Expresso, a 17 de fevereiro de 1973, e que reproduzimos abaixo.
O nome de Jorge Sampaio surge pela primeira vez no Expresso antes da Revolução do 25 de Abril. É notícia por ser um dos advogados de funcionários demitidos por terem participado numa vigília contra a Guerra Colonial. Arquivo Expresso
O 25 de Abril de 1974 muda o país, as pessoas e a forma de fazer política. O povo ocupa as ruas e descobre o poder das palavras. O mundo como que se fratura entre os que aderiram e vibraram com a Revolução e os que se recolheram com receio do que aí viria. Um intenso momento da história a que ninguém ficou indiferente.
Com a liberdade emerge um Sampaio mais conhecido do grande público. Anota tudo o que se passa na sua atividade política, guarda documentos às centenas, por método e preocupação com a memória futura.
É um dos fundadores do MES – Movimento de Esquerda Socialista, que surge pouco depois da revolução e de que fazem parte muitos dos seus companheiros (mais próximos) da Crise Académica de 1962. O atual presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, também integra este movimento político, tal como o ex-ministro João Cravinho.
João Bonifácio Serra, que foi o último responsável pela chefia da Casa Civil do Presidente Jorge Sampaio, também foi militante do MES.
Em maio de 1974 a deslocação de Jorge Sampaio e João Cravinho à sede das Nações Unidas em Nova Iorque é notícia na primeira página do Expresso. Arquivo Expresso
A passagem pelo MES de que foi fundador é sol de pouca dura. Abandonou o projeto menos de um ano depois. A euforia da revolução potenciou um clima de fratura nalguns pequenos partidos que aglutinavam militantes com posições ideológicas diversas.
No final de maio de 1974 – na vigência do I Governo provisório chefiado por Adelino da Palma Carlos – desloca-se à sede das Nações Unidas em Nova Iorque – acompanhado por João Cravinho, para apresentar o trabalho que estava a ser desenvolvido por Portugal no processo de descolonização.
Esta missão foi notícia na primeira pagina do Expresso [ver acima] e depois na Revista [ver abaixo] que ainda era em papel de jornal, reunindo elementos militantes de outros partidos que se deslocaram a Washington para contactos internacionais. Portugal abria-se ao mundo e o novo regime estava a ser reconhecido pela comunidade internacional.
Dois meses depois do 25 de Abril Jorge Sampaio que na época era militante do MES esteve em Nova Iorque para contactos com as Nações Unidas. Expresso, 15 de junho de 1974. Arquivo Expresso
Chefiado por Vasco Gonçalves (como os dois anteriores), o IV Governo provisório tomou posse a 26 de março de 1975. A pasta dos Negócios Estrangeiros foi entregue ao militar Ernesto Melo Antunes, um dos pensadores do 25 de Abril que indigitou Jorge Sampaio para o cargo de Secretário de Estado da Cooperação, cargo que fez o futuro Presidente participar nas conversações que conduziram à independência de Moçambique em junho desse ano.
Terminado o PREC (Processo Revolucionário em Curso), funda o GIS (Grupo de Intervenção Socialista) com alguns dos seus companheiros de trajeto no MES e outros independentes de esquerda e ex-MES. Ficariam conhecidos como os ‘gisudos’ que procuravam uma espécie de aliança entre socialistas e comunistas. Uma ideia interessante mas simultaneamente inviável. A fratura entre estes dois grupos era demasiado grande no período que se segue ao 25 de Novembro de 1975.
3º Congresso do PS. Sampaio já está no Partido Socialista e luta por uma identidade de esquerda. Arquivo Expresso
Em 1978 aderiu ao Partido Socialista, movimento em que é acompanhado por boa parte dos seus camaradas ‘gisudos’ .
Foi eleito deputado à Assembleia da República pelo círculo de Lisboa nas Legislativas de 2 de dezembro de 1979. O PS fica em segundo lugar e elege 74 deputados. A coligação Aliança Democrática liderada por Francisco Sá Carneiro venceu o sufrágio por larga maioria, elegendo 128 deputados. Foi reeleito deputado em 1980, 1985, 1987 e 1991.
Dentro do Partido Socialista, integrou o Secretariado Nacional (1979-1980), responsável pelas Relações Internacionais (1986-1987) e líder parlamentar (1987-1988). Foi também membro da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, no Conselho da Europa entre 1979 e 1984).
Mário Soares e Jorge Sampaio na cantina da Cidade Universitária (Lisboa). Foto D.R. António Pedro Ferreira
Ao contrário de Mário Soares – com quem partilhou espaços e caminhos – Sampaio nunca se colocou na corrida para ser ministro ou chefe de Governo, depois de ter tido uma breve experiência governativa como secretário de Estado em pleno PREC. Numa entrevista ao Expresso publicada em novembro de 1995 os jornalistas perguntam: “Mas a São Bento nunca mais bate à porta?”.
Sampaio reponde: “O que é São Bento?”…
Em 1989, ano em que cai o Muro de Berlim e todos os sonhos parecem possíveis, Sampaio foi eleito secretário-geral do PS, cargo que exerce até 1991.
‘PAI’ DA PRIMEIRA GERINGONÇA
Uma semana antes do Natal de 1989, a 17 de dezembro, os portugueses foram às urnas para eleger 305 presidentes de Câmara e restantes órgãos autárquicos. Em Lisboa, Sampaio disputou (e venceu) a corrida a Câmara contra Marcelo Rebelo de Sousa.
Como todas as pessoas que se destacaram na luta contra a ditadura, Sampaio terá tido amigos do PCP. Nesta entrevista, Sampaio dissipa qualquer dúvida e afirma que nunca foi do PCP. Arquivo Expresso
O ex-MES foi cabeça de lista da coligação “Por Lisboa”, que era uma verdadeira geringonça avant la lettre. Esta plataforma eleitoral que se candidatou à Câmara e Assembleia Municipal reuniu candidatos do PS, PCP, MDP/CDE [já extinto], PEV [Verdes] e, também do PSR e da UDP, partidos que mais tarde se ‘conjugariam’ para formar o Bloco de Esquerda em associação com elementos de outros sectores.
Nove anos depois, em 1998, o presidente da Assembleia Municipal eleito por esta primeira geringonça foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura. José Saramago abandonou a função para que foi eleito poucos meses depois, sendo subsituído no cargo pelo desaparecido João Amaral.
De braço no ar, como é uso ser, a redação do Expresso escolheu-o como Figura Nacional do Ano (1989, ver notícia abaixo).
A redação do Expresso elege Jorge Sampaio como figura nacional de 1989, ano em que foi eleito para a Câmara de Lisboa. Arquivo Expresso
Enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, entre 1990 e 1995, este na presidência da UCCÇA (União das Cidades de Língua Portuguesa), foi vice-presidente da União das Cidades Ibero-Americanas, presidente do Movimento das Eurocidades (1990).
O estacionamento automóvel (a falta dele) foi o maior fracasso dos seis anos de mandato autárquico de Jorge Sampaio. Um balanço publicado pelo Expresso a 25 de novembro de 1995 recorda que “dos 11 parques anunciados, estão construídos dois (890 lugares). Em poucos sectores é tão gritante a desproporção entre a obra feita e as necessidades da cidade”.
Disse – em entrevista ao Expresso publicada em setembro de 2004 – considera que “os partidos políticos têm de se compenetrar de que o caciquismo de base municipal deverá estar condenado. Se ele continua a ser a mola real, então estamos perdidos, e esta reforma falhará por falta de atores. Mas acho que as pessoas começam a ter uma nova consciência, e vai haver muita divergência entre aqueles que assumem esse movimento e aqueles que vão persistir nas suas fronteiras. E os cidadãos, que ainda estão presos a um certo caciquismo, a um certo basismo municipalista, vão perceber que o município será mais forte quanto mais forte for a sua comunidade urbana, quanto mais forte e capaz for a sua região”.
Em fevereiro de 1994 Sampaio entra na corrida para as presidenciais de 1996. Arquivo Expresso
O tiro de partida para a corrida presidencial de 1996 foi dado numa entrevista ao Expresso publicada a 25 de novembro de 1995 em que afirmava: “Como cidadão, não excluo qualquer hipótese, como nenhum cidadão deve excluir. Não fico, por isso, amarrado a declarações que implicariam uma diminuição dos meus direitos de cidadão”.
E admite: “Seria estimulante concorrer a Belém contra Cavaco”, como viria a acontecer a 14 de janeiro de 1996, dia em que mais de três milhões portugueses votaram nele, o que correspondeu a 54% dos votos expressos.
O ‘PAZ DE ALMA’ QUE TOMOU DECISÕES FRATURANTES
Nasceu num dia 18 [setembro de 1939] , e foi o 18º Presidente eleito. Bateu-se por causas como a independência de Timor, a educação, a cultura e a igualdade de género com um salto claro para a participação das mulheres na sociedade portuguesa.
Foi equidistante nas decisões que tomou sobre política nacional. Se uma parte da direita considerou abusiva a demissão do Governo liderado por Santana Lopes, a verdade é que o Presidente Sampaio, no primeiro mandato, pressionou António Guterres, primeiro-ministro de um Governo socialista, a demitir Amando Vara, ministro Adjunto e do Desporto, e o secretário de Estado da Administração Interna, Luís Patrão, por suspeitas de corrupção no financiamento da Fundação para a Prevenção e Segurança.
Discordou da política de contenção financeira de Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças de Durão Barroso, com uma frase que continua a ser utilizada por muitos 15 anos depois. O “há vida para além do défice” fez história e tornou-se uma declaração de princípios que coloca os interesses das pessoas à frente das contas.
O casal Maria José Ritta e Jorge Sampaio no Forte de Santo Amaro, em Oeiras, em 1996. Foto D.R. António Pedro Ferreira
Em janeiro de 2001, na campanha eleitoral para o segundo mandato, passou por uma localidade minhota em que as ruas estavam apinhadas de gente à espera do Presidente/(re)candidato. Um eleitor local diz: “Vem aí o paz de alma!” . O jornalista Ferreira Fernandes que acompanhava a campanha acabaria por puxar a frase que tão bem define a aparência recatada e discreta de Sampaio para o prefácio do livro ‘Retratos de uma vitória’.
O ‘paz de alma’ fez uma campanha inclusiva, chegando a subir a uma varanda ao lado da igreja onde decorria a missa de domingo para, com o indicador esticado sobre o nariz, sinalizar um ‘Chiiiu’ de silêncio em sinal de respeito por uma prática religiosa que nunca seguiu.
No segundo mandato foi um Presidente afirmativo, que não facilitou a vida aos primeiros-ministros com quem lidou, Esticou a elasticidade dos poderes presidenciais, ficando na história como o único Chefe de Estado que (até hoje) demitiu um Governo de maioria absoluta – o de Santana Lopes.