Vera Aldeias, investigadora da Universidade do Algarve, integra uma equipa internacional liderada por Jean-Jacques Hublin, Tsenka Tsanova e Shannon McPherron, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária (Leipzig, Alemanha) e Nikolay Sirakov e Svoboda Sirakova, do Instituto Nacional de Arqueologia do Museu da Academia de Ciências da Bulgária (Sofia, Bulgária), que tem efetuado escavações arqueológicas na Gruta de Bacho Kiro desde 2015.
Dois artigos científicos, publicados hoje, dia 11 de maio, um na revista Nature, liderado por Hublin, e outro na revista Nature Ecology and Evolution, liderado por Fewlass, relatam “a descoberta de novos fósseis de Homo sapiens na Gruta de Bacho Kiro”, revela a UAlg em comunicado de imprensa.
Para Vera Aldeias, investigadora do Centro Interdisciplinar em Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArEHB) da UAlg, integrar esta equipa é uma oportunidade única para investigar a transição entre os Homo sapiens e os nossos “primos” mais próximos, os Neandertais. “As descobertas da Gruta de Bacho Kiro vêm demonstrar que os Homo sapiens chegaram à Europa cerca de 8 mil anos antes da extinção dos Neandertais e que trazem com eles novas formas de trabalhar a pedra e o osso em utensílios e pendentes”, refere a investigadora. “Dada a antiguidade e relevância destas descobertas, um dos aspetos essenciais do meu trabalho consistiu em estudar a preservação destas ocupações. As minhas análises mostram que a camada de terra que contém estes achados foi selada por areias e argilas depositadas por água dentro da gruta, o que terá levado a uma excelente preservação destas antigas ocupações humanas, sem introduções de materiais de épocas mais recentes”, explica Vera Aldeias.
Os fósseis descobertos datam de há 45 mil anos e estão diretamente associados com ferramentas em pedra lascada, restos de animais, utensílios em osso e ornamentos pessoais. Estas novas descobertas documentam “os primeiros Homo sapiens do Paleolítico Superior que chegaram à Europa e colocam o início da transição cultural entre os Neandertais do Paleolítico Médio e o advento da nossa espécie com o Paleolítico Superior em períodos mais recuados”, explica a UAlg, as caraterísticas das ferramentas de pedra encontradas mostram “uma ligação entre os ocupantes da Gruta de Bacho Kiro com outras ocupações que se estendem desde a Eurásia até ao leste da Mongólia”.
As descobertas mais espetaculares agora reportadas provêm de uma camada escura e arqueologicamente rica perto da base dos depósitos (camada I), onde a equipa descobriu milhares de ossos de animais, ferramentas em pedra e em osso, contas e pendentes, bem como os restos de cinco fósseis humanos. Com a exceção de um dente humano, “todos os outros fósseis humanos encontravam-se demasiado fragmentados para serem reconhecidos pela sua aparência. Em vez disso, foram identificados através da análise de sequências de proteínas”, avança a UAlg.
Para conhecer a idade destes fósseis e dos depósitos na Gruta de Bacho Kiro, a equipa trabalhou em estreita colaboração com Lukas Wacker na ETH Zurich (Suíça) usando datações por radiocarbono por acelerador de espectrometria de massa para produzir idades com maior precisão do que o normal, de forma a poder obter datações diretas nos ossos humanos.
“A maioria dos ossos de animais que datámos, provenientes da camada I escura e distinta, tem marcas de corte resultado do trabalho humano. Juntamente com as datações diretas dos ossos humanos, estes dados fornecem-nos balizas cronológicas claras de que os Homo sapiens começaram a ocupar a gruta entre 45.820 a 43.650 anos atrás e potencialmente desde há 46.940 anos”, diz Helen Fewlass, do Instituto Max Planck, em Leipzig.
Descobertas desta idade são geralmente atribuídas aos Neandertais, embora alguns investigadores tenham sugerido a existência de incursões ocasionais de Homo sapiens na Europa anteriores a estas datas. Para saber qual o grupo de seres humanos que produziu as ferramentas identificadas em Bacho Kiro, Mateja Hajdinjak e Matthias Meyer, da equipa de genética liderada por Svante Pääbo, do Departamento de Genética do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, sequenciaram o ADN dos fósseis identificados. Dada a excecional preservação do ADN tanto no dente humano como nos fragmentos de homininos identificados por espectrometria de massa de proteínas, conseguimos reconstruir genomas mitocondriais completos de seis das sete amostras identificadas. As sequências de ADN mitocondrial recuperadas são todas atribuídas ao Homo sapiens. “Curiosamente, ao relacionar esses mtADNs com os de outros seres humanos antigos e modernos, as sequências de mtADN desta Camada I de Bacho Kiro inserem-se perto da base de três macrohaplogrupos principais de pessoas atuais que vivem fora da África Subsaariana”, esclarece Mateja Hajdinjak, bolseira de pós-doutoramento no Francis Crick Institute, em Londres, e investigadora no Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology (MPI-EVA).
Os resultados demonstram que o Homo sapiens entrou na Europa e começou a impactar os neandertais cerca de 45 mil anos e provavelmente ainda mais cedo. Eles trouxeram para a Gruta de Bacho Kiro pedra de alta qualidade a partir de fontes de matéria-prima provenientes de até 180 km de distância. Na gruta, produziram pontas sobre lâminas, talvez para caçar e muito provavelmente para abater animais encontrados na região. “Os restos de animais ilustram uma mistura de espécies adaptadas a temperaturas frias e quentes, sendo os bisontes e veados os mais frequentes”, diz o paleontólogo Rosen Spasov, da New Bulgarian University. Estes animais foram caçados extensivamente, mas também foram usados como fonte de matéria-prima. “O aspeto mais notável da coleção faunística é a extensa coleção de ferramentas ósseas e ornamentos pessoais”, diz Geoff Smith, investigador do Instituto Max Planck. Os dentes de urso da caverna foram transformados em pingentes, alguns dos quais são surpreendentemente semelhantes aos ornamentos feitos posteriormente pelos neandertais na Europa Ocidental.
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