O cientista que descobriu o gene que controla o ciclo circadiano defende que se devia adotar permanentemente o horário de inverno e acrescenta que a permanência na hora de verão pode aumentar o risco de cancro. “O ritmo circadiano é um processo biológico de, aproximadamente, 24 horas” embora seja “diferente em cada pessoa – 80% dos humanos têm um relógio biológico com mais de 24 horas”, começa por explicar Joseph Takahashi, em entrevista à agência Lusa.
A equipa liderada pelo neurobiólogo e geneticista descobriu, em 1997, o gene relógio, presente em todas as células do corpo, e responsável pelo controlo destes ciclos. Inicialmente, os cientistas acreditavam que este sistema estaria presente apenas no cérebro, mas descobriram que “quase qualquer célula pode ter um relógio”.
“Cada órgão tem o seu próprio relógio, que pode agir independentemente do cérebro, mas o cérebro continua a ser, de forma geral, quem manda, é o maestro de uma orquestra”, esclareceu. Desde então, tem-se dedicado a estudar a ligação entre este sistema e a saúde e longevidade.
A relação mais óbvia é com o sono, não apenas com as horas que se dorme, mas também o horário em que se dorme, que é diferente para cada pessoa. “A sociedade alterou o nosso horário, principalmente porque controlamos a luz e estendemos o dia para dentro da noite, por causa da luz artificial. Isso levou os nossos relógios a atrasarem-se porque já não estamos a seguir o Sol”.
Para além da luz artificial, a sociedade manipula a luz natural com a mudança horária entre o inverno, o horário ‘standard’, e o de verão, que adianta uma hora em relação a esse fuso. Takahashi lembra que, nesta matéria, há três opções: “a situação atual de alternar entre os dois horários, escolher permanentemente o horário de inverno, ou escolher permanentemente o horário de verão”.
O cientista refere que a decisão tem sido tomada com base nas preferências das pessoas, mas refere que as evidências científicas apontam para outro lado. Nesse sentido, cita um estudo do norte-americano National Cancer Institute, que observou as taxas de incidência de cancro por município nos Estados Unidos da América.
“O que descobriram, e que é muito surpreendente, é que na fronteira ocidental de cada zona horária, a taxa de cancro é 9% mais alta do que na fronteira oriental. A cada 5 graus de latitude, há um aumento de cerca de 3% na incidência de vários cancros”, detalha. Essa observação é consistente nas quatro zonas horárias daquele país. “Essa fronteira é completamente arbitrária, é desenhada pelos Estados e pelos políticos, não é natural. A única diferença é o horário”, frisa.
Takahashi afirma que “estar sempre no horário de verão é o equivalente a estar na fronteira ocidental desses fusos horários”. “O que este estudo mostra é que uma mudança muito subtil, talvez 30 minutos de dessincronização, pode levar a taxas mais altas de incidência de cancro”.
Para além destes dados, “há também evidências de outros tipos de eventos, como problemas cardiovasculares ou outros tipos de cancro”, bem como o aumento da sinistralidade na primavera, nas semanas que se seguem ao avanço da hora.
“Achamos que é porque os relógios circadianos estão dessincronizados com o ciclo natural. Não percebemos o mecanismo disso, mas deve haver uma adaptação menos ótima do corpo, ou um aumento de stress, que é um fator potenciador do desenvolvimento de cancro. A diferença de uma hora é suficiente”, disse.
As influências externas são essenciais para o bom funcionamento deste ciclo, mas o próprio gene pode provocar alguns problemas. “Um exemplo claro é no cancro – um dos genes do cancro compete com o relógio pela regulação. É um caso claro de que, no cancro, o relógio é suprimido pelo cancro. Há outros em que o cancro pode ‘raptar’ o relógio para se espalhar. É assim com o glioblastoma, cancro no cérebro, por exemplo”.
Mas o próprio gene, ou um dos seus parceiros, como o gene período, podem causar problemas na saúde, de acordo com os estudos feitos em animais de laboratório, explica. “Um rato com mutações no parceiro do gene relógio tem uma série de problemas metabólicos: é propenso à obesidade, perde a regulação da glucose, tem colesterol alto e muita gordura”.
Mas há soluções, que passam, acima de tudo, por respeitar os ciclos naturais do corpo, dormindo, não só as horas necessárias, mas no horário certo.
O ‘timing’ é também fundamental no que toca à alimentação, segundo a investigação liderada pelo cientista, que revela que “os padrões de refeição devem ser comparados com os ciclos dormir-despertar”.
Os dados mostram que fazer refeições apenas durante uma janela de 12 horas, começando mais cedo, traz benefícios metabólicos e pode ser determinante para não ultrapassar a linha da obesidade, por exemplo, e até aumentar a longevidade.
Takahashi é “cauteloso” em estabelecer uma causa direta entre perturbações no ciclo circadiano e várias doenças, mas diz que este mecanismo “pode virar a balança entre a doença e a saúde”.
É por isso que estudam a possibilidade de “estimular os genes que controlam o relógio”, um sistema que já se faz em laboratório, com a introdução de “uma cópia extra do gene”, mas “o objetivo é encontrar pequenas moléculas que se podem transformar em medicamentos que podem estimular o sistema”.
Joseph Takahashi é professor no Southwestern Medical Center da Universidade do Texas e diretor do departamento de Neurociência do Howard Hughes Medical Institute. Está no Porto a participar no simpósio “Aquém e Além do Cérebro”, promovido pela Fundação Bial, onde fará uma apresentação sobre “Relógios circadianos e o seu impacto no metabolismo, envelhecimento e longevidade” (em tradução livre), na sexta-feira.
A 13.ª edição do evento, dedicada ao tema “O Mistério do Tempo”, acontece até sábado, na Casa do Médico, no Porto.