Todos nós conseguimos perceber a necessidade de revitalizar e de qualificar as nossas frentes ribeirinhas, nomeadamente das cidades à beira da água. Desde tempos imemoriais, estes locais de fronteira entre a terra e o mar foram ponto de encontro de mercantilismo, de praças monumentais no tempo das cidades abençoadas pela rainha, e das igrejas. Estes centros são marcantes nas linhas de costa algarvia e na sua génese transmitem a nossa identidade ligada tantas vezes à exploração dos recursos naturais da Ria Formosa, ou do mar, às Descobertas, e ao comércio, com a Alfândega. Estas frentes evoluíram, cresceram e expandiram-se para o interior em mancha de óleo, e para fora com a linha de caminho de ferro, aprisionando-a.
O Parque Natural da Ria Formosa, um território de excelência
Em Faro, a nossa frente ribeirinha confronta com a Ria Formosa, sendo esta um último reduto de tantas espécies protegidas, uma riqueza singular da natureza, e ainda com proveitoso impacto económico e social nas populações locais. Salienta-se que a Ria Formosa conquistou o título na categoria de Zona Marinha das Sete Maravilhas Naturais de Portugal em 2010.
É um espaço de território de excelência, o qual é indiscutível defender.
Será, assim, exigente uma alteração das condições físicas das nossas frentes ribeirinhas no equilíbrio complicado das intervenções, as quais não possam provocar impactes significativos no ambiente envolvente. Qual será então a capacidade de carga que poderemos acrescer a estas frentes ribeirinhas com vista a estimular a nossa economia e simultaneamente não provocar danos irreversíveis nos espaços protegidos, salvaguardando o ambiente para as gerações futuras? Esta é uma questão fundamental.
Na Frente Ribeirinha em Faro temos uma grande diversidade de domínios públicos e privados sob a jurisdição das mais diversas entidades, de onde destaco a APA-ARH, o ICNF, a ANA – Aeroportos, a Docapesca, as Infraestruturas de Portugal, alguns privados como as Salinas dos Neves Pires, a pequena zona industrial do Bom João desqualificada, a Autoridade dos Portos de Sines e do Algarve e, naturalmente por fim, o Município de Faro.
Os consensos, fator de sucesso
Apesar desta necessária concertação, é possível com diálogo e muito estudo chegar a consensos, pelo que irei apenas sintetizar alguns projetos, onde considero ter sido atingido o sucesso e nos quais participei de perto.
Poder-se-á dizer que o projeto do Parque Ribeirinho de Faro, apenas executado na sua primeira fase, e sem ser na sua totalidade, produziu necessariamente um acréscimo de valor à qualidade de vida dos farenses, sendo que os princípios de valorização ambiental não destruíram a capacidade de fruição desse mesmo espaço.
A ecovia no troço Faro – Ilha de Faro, desenhada sobre o atual trilho existente, dada a grande proximidade do aeroporto e ainda as questões ambientais exigidas pelo ICNF, não foi aceite pelas entidades, na fase do projeto. Porém, realizou-se uma alternativa desenhada em proposta de traçado que permitiu resolver esta
ligação, com pareceres prévios das diferentes entidades, que já assegurou o caminho a seguir.
O projeto de execução do Porto de Recreio de Faro do lado exterior da linha férrea, elaborado pela Docapesca, foi dos maiores desafios em termos de cooperação entre organismos do Estado. Este Porto terá a capacidade aproximada para 275 embarcações até 12 metros. Este processo foi digno de realce e terminou com um sucesso significativo na aprovação do RECAPE. No entanto, parece não existir, por enquanto, a dinâmica ou a vontade política suficiente para avançar com o lançamento de uma concessão que reforce a viabilidade deste empreendimento tão necessário como âncora à economia do nosso tecido empresarial na Baixa de Faro.
Os desafios por concretizar
Associado ao Parque Ribeirinho, o Plano de Mobilidade e Transporte de Faro apresenta uma proposta de passadiço em madeira, com vista a reforçar a ligação pedonal e ciclável para a outra margem, que neste caso, poder-se-á dizer que seria de toda a importância, mudando completamente o paradigma da ligação ao Montenegro e à Ilha de Faro.
A mobilidade está associada ao desenvolvimento sustentável e à evolução das nossas cidades, verificando-se, por vezes, dificuldades de espaço para gerir os diferentes modos, ferroviário, rodoviário, pedonal e fluvial, entre outros, e o seu correto funcionamento num espaço tão contido e sensível como a frente ribeirinha ou a Baixa da Cidade. O Plano de Mobilidade e Transporte apresenta propostas concretas para intervir de forma a aliviar a carga sobre esta área. Deverá ser promovido um investimento efetivo na renovação da linha férrea e no material volante ferroviário de forma a torná-lo aligeirado e mais permeável.
A questão do Cais Comercial surge agora também como uma oportunidade de desenvolvimento com funções complementares à actividade portuária, Turismo e de Investigação. É importante a sua reconversão, porém, a função deverá ser ponderada, tendo em conta que este foi e é um equipamento regional da maior importância para a indústria do Algarve. O cimento, as cargas de pedra, ferro e telha, a alfarroba algarvia, o sal de Olhão, e o sal gema de Loulé, assim como o atum proveniente das armações ao longo da costa, são alguns dos produtos que ainda vão sendo carregados no Porto. Pode, no entanto, não ser viável em termos económicos, mas perder completamente esta valência seria reduzirmo-nos apenas ao Turismo, como economia dominante que já é. A compatibilização, embora difícil nalgum aspeto, é possível e desejável.
A zona do Bom João é uma área industrial degradada, sendo, no entanto, possuidora de um potencial urbanístico de grande valor, face à sua proximidade da Ria Formosa. Para tal, é necessário prever fontes de financiamento ainda assim avultados, para recuperar os solos da poluição e infraestruturar dignamente. Na paisagem desta zona surgem ainda factos urbanos complicados, como os depósitos de gaz da RUBIS, que deverão ser relocalizados para novas áreas estratégicas e seguras fora da cidade, assim como o já cansado realojamento das famílias da Horta da Areia, ou o reposicionamento de algumas indústrias existentes que necessitam de novos espaços. Este Plano de Pormenor, cujo início já foi preparado faz tempo, interliga-se também com o Plano de Urbanização do Areal Gordo que, se fosse desenvolvido, facilmente se tornaria numa alternativa adequadamente localizada para as instalações de armazenagem e de indústria.
Planear é um acto de profunda reflexão e de compromissos, não se esgotando no mero desenho urbano, mas acima de tudo num programa, ou seja, num conjunto de usos compatíveis com os fatores físicos, económicos e sociais num determinado sítio. Este revela-se e dita o que pode ou não ser feito.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Janeiro)