“Nada nos velhos portos da expansão espanhola, se assemelha à estranha fisionomia do remate das casas de Tavira. Por um lado eles não pertencem ao património das tradições muçulmanas tão bem conservado nas cidades espanholas do sul. Por outro lado, a navegação com as Índias Ocidentais, sem tocar directamente a China ou a India, não podia ter trazido para os portos da Metrópole elementos semelhantes aos que se encontram nos de Portugal”.
Orlando Ribeiro, in “Geografia e Civilização temas portugueses”
Fazer quinhentos anos não é uma efeméride, é memória social, marítima, económica, cultural, militar, urbanística, arquitectónica, artística, das ciências,…
Quinhentos anos são conhecimentos indispensáveis nos dias que vivemos, integram milhares de informações, documentos guardados em arquivos, à espera de quem os leia e analise, exercícios indispensáveis para a compreensão de um País antigo inserido no mundo e a actualidade.
Sem uma elite culta a dirigir os destinos do País nesses dois séculos nada de relevante teria sido possível nos séculos XV e XVI, porque o poder do armamento e dinheiro, ontem como hoje, não bastam. Foram necessários sábios, matemáticos, cartógrafos, astrónomos, engenheiros construtores e carpinteiros dos navios, arquitectos e mestres pedreiros, marinheiros que eram também pescadores,…
As viagens dos portugueses pelo mundo foram criação de uma economia mercantil internacional que ajudou à edificação do Estado Moderno, contributo de várias gerações, de monarcas da primeira e segunda dinastias, de D. Dinis a D. João II, com envolvimento de muitas cidades portuguesas, Lisboa, Porto, Évora, Setúbal, Tavira, Lagos e outras…
Tavira foi, como todos os autores o referem, de Frei João de São José a Joaquim Romero de Magalhães, a “Principal” do Reino do Algarve nos séculos XV e XVI, mas o mistério é a quase ausência de referências a esta cidade nas várias Histórias de Portugal. As explicações são várias e não cabem neste texto.
Portugal transformou-se no século XV no “Portugal de aquém e de além-mar em África” pela acção militar e mercantil das gentes de Afonso V “O Africano”, homem de cultura guerreira e temperamento instável, pouco dado a repousos de corte, que em Tavira e no Algarve esteve por várias vezes nas suas idas e vindas ao norte África…
Não foi por acaso que neste período esplendoroso se projectou no mundo a cultura, as ciências e as artes portuguesas, que herdámos as obras de GiI Vicente, João de Barros, Bernardim Ribeiro, Damião de Góis, André de Resende, Sá de Miranda, Luis de Camões, Pedro Nunes, Garcia de Resende, Álvaro Pires, Garcia da Orta, Diogo de Teive, Fernão Mendes Pinto, Diogo Boitaca, Francisco Arruda, Jorge Afonso, Grão Vasco, Francisco de Holanda,…
Seria possível conceber hoje Lisboa sem o Mosteiro dos Jerónimos ou a Torre de Belém? E Tavira sem as marcas desses séculos nos seus conventos e igrejas, no urbanismo e nos telhados de tesouro, nos seus cidadãos,… O perfil de cidade cultural ficou para sempre, Orlando Ribeiro a descreveu com o olhar de um geógrafo que compreendia Portugal e também o fotografava.
Curiosamente, na mesma data e um ano depois, Fernão de Magalhães chegava às Filipinas a 16 de Março de 1521.
Um ano antes D. Manuel I decidiu escrever a Tavira a carta honorífica, justificando-a pelos méritos da então vila algarvia, que ele próprio certamente bem conheceu quando em 1508 veio à urbe para organizar a maior concentração militar de que havia memória no sul do País.
Fazer quinhentos anos, herdar cidades como Tavira, é uma responsabilidade que obriga à compreensão e preservação de um País que várias gerações construíram ao longo de quase mil anos.
Portugal se quiser ter futuro tem que ter o seu passado como bússola.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de março)