Em entrevista ao POSTAL, Joaquim Peres, presidente da empresa Águas do Algarve, avança com alguns projetos futuros. O responsável falou sobre a nova campanha da Águas do Algarve bem como dos próximos investimentos que a empresa vai fazer. O tema central da entrevista teve como ponto fulcral a água, um bem essencial à vida.
Qual é o objetivo da Campanha”Água com um Pingo de Consciência”?
O objetivo é mesmo as pessoas tomarem consciência da forma como utilizam a água, ou seja, nós podemos utilizar a água de forma despreocupada e andamos a esbanjar a água, não estamos a utilizar a quantidade necessária para aquilo que precisamos. O que nós pretendemos é que as pessoas tenham consciência daquilo que estão a fazer e daquele bem que é escasso e, portanto, deve ser usado com parcimónia, inteligência para poder tirar dele o melhor partido possível.
O nome da campanha já é um alerta por si só sobre a situação atual que se vive relativamente à água?
Claro, a água, cada vez mais, com as alterações climáticas, foge-nos muito as suas fontes de abastecimento, sobretudo aquelas que são as atmosféricas e provêm da chuva e que fazem a alimentação dos reservatórios superficiais, as barragens.
Não havendo a situação desse fornecimento, temos de recorrer a outros meios. Podemos recorrer a águas freáticas, no Algarve, ou eventualmente a outro tipo de águas.
Uma das condições de que podemos retirar partido é da água reutilizável, aquela que utilizamos uma vez e depois de tratada nas ETARs pode voltar a ser utilizada também. Temos de tentar mobilizar as pessoas e as vontades para que essa água possa voltar a ter uma nova vida, possa voltar a entrar no ciclo e, portanto, possa ser reutilizada. É fundamental que isso aconteça.
Outra situação é a questão que estamos também disponíveis para estudar que é a dessalinização, mas que, efetivamente, hoje ainda tem um custo caro para ser usada em algumas das situações, como seja, por exemplo, a rega. Não faz sentido nenhum estar a pensar em dessalinização que não seja para já para consumo humano.
Considera que a falta de água será uma realidade para breve?
Há um caráter aleatório nesta questão do tempo e as alterações climáticas estão cada vez mais fortes, mais evidentes. Tudo aquilo que ouvimos falar e que vemos, toda esta onda de calor pela Europa Central, toda esta situação de fogos que começou a acontecer no Alasca, são coisas que seriam impensáveis.
As alterações climáticas, apesar de muitos porem em causa que existam, elas estão aí, são evidentes e, portanto, temos de ter isto em atenção. É preciso perceber que esta questão da desertificação, vinda a partir do Norte de África, pode espalhar-se pela Europa do Sul e ir subindo. É uma questão que hoje em dia é cada vez mais evidente.
Quais são as disponibilidades hídricas da região?
Nós na região com a questão que temos da utilização da água superficial, temos neste momento água para este ano para consumo humano, utilizada com cuidado, com inteligência.
Depois desejamos que em outubro, novembro chova e que venha repor os níveis. Temos também a questão das águas freáticas, juntas com as outras superficiais, que é exatamente a gestão que temos feito no sentido de não faltar água à população.
Este ano está assegurado?
Sim, em princípio sim. É preciso ter cuidado na utilização. Se começarmos a esbanjar água pode haver problemas.
Não faz sentido ter de ser utilizada água tratada para fazer rega
Que conselhos podemos dar à população de modo a que poupem água e possam fazer uma melhor utilização deste recurso?
É evidente que existem várias situações que todos nós já ouvimos falar muitas vezes. Existem vários exemplos, tais como, não lavar a loiça com a água a correr na torneira, optar por utilizar um copo ao lavar os dentes e utilizar a máquina de lavar loiça só quando estiver cheia. Depois, há também uma questão que é aquela em que podemos dizer às pessoas, a alguns organismos, para que tenham em atenção a possibilidade de reutilizar água. Hoje em dia não faz sentido ter de ser utilizada água tratada para fazer regas. Por outro lado, há situações em que temos de fazer essas regas de forma mais inteligente. E isso quer dizer o quê? Que deve ter-se em atenção não só a hora do dia em que se rega mas também a regulação dos mesmos aspersores.
Ainda ontem, fazendo uma viagem à noite pelo Algarve, vi uma série de aspersores a regar alcatrão sem necessidade nenhuma. Esta é somente uma questão de manutenção desses equipamentos para regarem aquilo que efetivamente é necessário e não andarem a esbanjar água no alcatrão porque o alcatrão não vai crescer.
A Águas do Algarve assinou há poucos dias com o Estado o novo contrato de concessão. Que medidas estão previstas?
A maior parte das grandes infraestruturas estão construídas, quer do abastecimento de água, quer do saneamento, mas algumas já têm muitos anos. Agora o grande problema já não é construir, é manter e, portanto, aquilo que nós temos de fazer é manter em bom estado de conservação todas as infraestruturas que entretanto foram construídas.
Grande parte do investimento, dos 300 milhões que estão para ser investidos neste tempo são para obras de manutenção, recuperação não só das tubagens mas também dos equipamentos, das bombas, dos estabilizadores, de todos os equipamentos mecânicos que são necessários para que tudo isto funcione bem.
Que outros investimentos é que a Águas do Algarve tem previstos até ao final do ano/início de 2020?
Temos aqui algumas situações que têm a ver, por um lado, com a recuperação da ETAR de Lagos, que é fundamental que se faça. Está em concurso, o procedimento está aberto, estamos à espera de propostas e havemos de fazer essa situação. Por outro lado, também existe a questão da secagem solar das lamas, que são um subproduto que fica no tratamento das águas e, portanto, poderemos tentar encontrar valor acrescentado
nesse mesmo produto.
Estamos a pensar seriamente em fazer secagem solar e queria ver se este ano ainda podíamos começar a construir a primeira estufa para fazer essa secagem.
Onde gostariam de fazer a construção dessa estufa?
Os locais mais propícios são as ETARs com algum espaço e com alguma localização geográfica relevante e a ETAR de Faro-Olhão era extraordinariamente importante para isso e eventualmente poderá ser por essa que as coisas vão começar.
São, portanto, estes os dois principais investimentos para já?
Sim, mas também existe uma recuperação planeada. Nós temos
no Algarve uma série de zonas que estando perto do mar sofrem a influência da água salgada e uma das situações importantes é uma recuperação, quer de coletores, em que vamos fazer o encamisamento por dentro do coletor, ou seja, repará-lo sem abrir valas à superfície, de modo a garantir a sua integridade e evitar a afluência indevida dessa água salgada e outra é a situação das caixas de visita, aquelas tampas que vemos na rua, recuperar essas mesmas caixas também para que elas não sejam elementos que permitam entrar a água salgada. A água salgada normalmente vem prejudicar o tratamento biológico do saneamento e, portanto, não é conveniente que essa situação aconteça.
É evidente que as câmaras, sendo elas as detentoras das infraestruturas em baixa, terão de fazer também esse mesmo trabalho para evitar a entrada dessas mesmas águas. É um trabalho conjunto. Nesta região aquilo que é fundamental é entendermos que estamos todos uns com os outros e não uns contra os outros. Temos de ter esta postura de estarmos uns com os outros e quando isso acontecer é bom para a região.
Se estivermos uns contra os outros, está cada um a lutar para o seu lado e, portanto, é como aquela história dos burros que estão a querer comer a palha com uma cordinha e nenhum cede e, portanto, nenhum come.
O que está aqui em causa é o nome da região, a marca Algarve é extraordinariamente importante e teve aquele marco histórico no dia da assinatura do contrato de concessão, agora estendido até 2048. Aquilo só foi possível devido ao entendimento que houve entre a Águas do Algarve e os municípios. Isto foi construído com os municípios e temos de continuar a construir coisas com os municípios. Os municípios são uma peça fundamental nesta situação.
Um grande desafio é que as águas tratadas pudessem ser
todas reutilizadas
Qual o maior desafio que a Águas do Algarve enfrenta?
É realmente uma daquelas perguntas de um milhão de dólares. Na realidade, isso poderia dar azo a muita coisa, mas tendo em atenção aquilo que é o objetivo da Águas do Algarve, que é fornecer em exclusividade as águas em alta e o saneamento em alta também, um grande desafio é que as águas tratadas pudessem ser todas reutilizadas. Isso era fundamental, porque nós temos um consumo de água de 73 hectómetros cúbicos e tratamos na ordem dos 43 hectómetros cúbicos, ou seja, se eu pudesse reutilizar toda a água que trato, só precisaria de ir buscar 30 hectómetros cúbicos de água ainda não utilizada. Seria extraordinariamente importante se o conseguíssemos fazer.
Como é que o poderíamos atingir?
O Governo tem uma meta muito ambiciosa e ainda assim mais baixa.
Se conseguíssemos ter até 2023 a situação da utilização de 50% de água reutilizada era extraordinariamente bom.
A água da torneira é boa para consumo?
A água da torneira é extraordinária. O grande problema é que nós podemos ter coisas extraordinariamente boas mas depois estragamo-las. Às vezes fazemos um refugado com coisas extraordinárias e depois olhamos para o lado e aquilo queimou. O grande problema aqui é que nós temos uma água de qualidade, mas depois se não tivermos cuidado, nas nossas redes de distribuição em nossas casas, o que vai acontecer é que vão estragar a água e dado que nós temos algumas canalizações feitas em material menos aconselhável e outras que devido à sazonalidade na utilização ficam demasiado tempo paradas, vão ganhando óxidos de ferro em quantidades elevadas e quando se abre a torneira sai uma água amarela, castanha, que não tem qualidade.
Há aqui uma situação que é a qualidade da água servida em alta, a utilização dessa água pelas pessoas que realmente têm o seu cuidado com a canalização, a renovaram e fizeram todo esse trabalho e a água é excelente e aquelas que eventualmente não tendo tido cuidado com as suas redes de distribuição podem encontrar ali um sabor ou uma cor que não condiz com aquilo que é realmente o produto, mas aí foi uma situação de menor atenção ao estado de conservação de todas essas coisas.
Nós podemos comprar um carro extraordinariamente bom, um Ferrari, mas depois se não o mantivermos anda pior do que um Fiat 600. É fundamental que se façam as manutenções e é aí que por vezes acontecem as dificuldades.
Nas nossas casas basta abrirmos a torneira e a água sai. Muitas vezes as pessoas não têm noção do valor da água. O que é que podemos dizer-lhes para consciencializá-las de que a água é um bem essencial à vida?
A água é vida. Às vezes eu dou um exemplo: imagine que lhe saiu o euromilhões e você arranjou um daqueles camiões TIR, carregou-o e foi passear até ao deserto a um sítio extraordinário. Imaginemos que passados sete dias se acabou a água e eu chego montado no meu camelo e dou-lhe um copo de água fresquinha. Quanto está disponível para pagar por esta água? Se calhar todo o dinheiro que lá tem, se calhar o Jackpot todo, não é?
A questão é esta: nós vamos dando o valor ao bem cada vez que ele nos desaparece. Nós, normalmente, fazemos as asneiras todas na vida, brincamos com a nossa saúde, não lhe damos valor, só pensamos nela quando efetivamente ela começa a faltar. A água da torneira é a mesma coisa, ela está ali e vamos esbanjando. No dia em que ela desaparecer, aí questionamo-nos: ai minha rica água, onde foste?
Nas engenharias nada é impossível, tudo se consegue fazer
Em termos de época de verão, nota-se uma diferença muito significativa no abastecimento de água? Em que medida se nota esta diferença?
Ao contrário de outras regiões nós temos uma sazonalidade muito grande e, portanto, temos de dimensionar as nossas infraestruturas para estarem disponíveis para fornecer o bem no pico, o que nos obriga a ter alguns cuidados nas engenharias para podermos ter instalações que possam estar compartimentadas, ou seja, para funcionarem à medida que haja necessidade dessa situação.
No verão a população do Algarve sobe quatro/cinco vezes e nessas circunstâncias nós temos de estar preparados para que essa grande ponta seja fornecida mas, ao mesmo tempo, temos de garantir os mínimos nos outros meses.
Este é um trabalho que só se consegue com uma grande dedicação das pessoas que trabalham nesta casa, todos eles, desde os simples operadores, aos responsáveis de instalação, aos responsáveis de zona, e é graças a estes trabalhadores que eu tenho em grande consideração e, que para mim são os melhores do mundo, que é possível fazer este trabalho, um trabalho que depois se vê em várias situações, numa primeira fase na área do saneamento pela manutenção das bandeiras azuis nas praias nesta altura extraordinariamente importante.
Nós estamos naquela altura de ponta em que toda a gente quer ir de férias. Os operadores também querem ir de férias com as suas famílias mas muitas vezes fazem o sacrifício de manter estas instalações a funcionar corretamente para que os outros usufruam em perfeitas condições daquilo que a natureza lhes dá.
Existe algum projeto futuro que gostasse de desvendar?
A grande questão que está aqui agora é conseguirmos fazer todos estes trabalhos de manutenção de forma mais eficaz, menos penalizadora para as pessoas e do modo economicamente mais rentável.
Nas engenharias nada é impossível, tudo se consegue fazer, mas muitas coisas à custa de muito dinheiro. O trabalho do engenheiro é fazer a mesma coisa, com a mesma qualidade e com o menor custo. Essa é a verdadeira missão do engenheiro e aqui temos uma casa de engenheiros e é por aí que estamos a lutar: manter a qualidade, manter os níveis de serviço e ter os menores custos possíveis. É o desafio.
(Stefanie Palma / Henrique Dias Freire)