Explicava-lhe a minha teoria:
– Acho que a responsabilidade do estado do mundo está, acima de tudo, no comportamento da humanidade nos últimos 30 anos.
– Hã?!?
– Sim! Já alguma vez te perguntaste em quanto tempo estragámos o mundo? Desconheço dados científicos ou estudos que o demonstrem (deve haver, com certeza) contudo não devo estar longe da verdade ao dizer-te isto:
Acho que, durante toda a história da humanidade, o homem lixou o planeta em 20%; enquanto nos últimos 30 anos lixámos o planeta em 60%…
– E os 20 % que faltam aí?
– São a margem que nos resta para fazer marcha atrás.
A constatação da salutar recuperação do planeta, neste ínfimo segundo planetário em que temos estado confinados deixou-me a pensar…
Voltei aos meus 10 anos; a 1984, portanto. Voltei às prateleiras do supermercado do fundo da rua onde, à tarde, ia comprar um iogurte vigor, de morango ou de banana; não havia outras marcas nem sabores. Voltei a passar os olhos na zona das frutas e verduras produzidas localmente, e às prateleiras dos “empacotados”; havia meia dúzia de marcas de cada coisa? Ou seria uma ou duas? Voltei à sala de aulas e ao espanto ao ouvir um colega a dizer que os pais iam ao Rio de Janeiro. Nunca tinha andado de avião. Isso era coisa de ricos ou muito ricos? Recordem-me.
Em 1984 quase ninguém viajava. Aliás, ir do Algarve a Lisboa, ou vice-versa, era como uma aventura rara. Mais: comparando, por exemplo, a primeira vez que fui a Roma, em 2005, com a segunda, doze anos depois, não pude deixar de me impressionar com os milhares de turistas a mais que a cidade tinha.
Os exemplos que todos podemos dar são intermináveis e levam à constatação do óbvio: globalizámo-nos; movermo-nos pelo mundo (e a sua consequente pegada de carbono) tornou-se, mais do que um hábito, uma necessidade premente. Produz-se agora muito mais do que a humanidade consegue consumir. Aposto que, se todas as fábricas de roupa fechassem, nós, os sete biliões, teríamos o que vestir, ainda a estrear e em bom estado, durante os próximos cinquenta anos…
Repito: estes sete biliões sustentam-se com muito menos do que se lhes tem feito acreditar.
Mais: no grau de desenvolvimento tecnológico em que estamos, desconfio que há muitas soluções e alternativas ecológicas aos combustíveis que usamos, mas, como não produzem dinheiro, são-nos sonegados.
Enfim, o que estou a tentar dizer é que talvez devêssemos aproveitar a actual infeliz provação mundial para, pelo menos, pensar nestas coisa e começar a planear mais a sério o que podemos, individual e colectivamente, fazer para aproveitar os 20% de saúde que ainda restam ao Planeta…