A crónica do mês passado foi dedicada a Fernando da Silva Grade falecido a 8 Setembro. Não contava, no entanto, que a deste mês fosse dedicada a outra pessoa falecida, neste caso a 7 Outubro. Dois autores e amigos que partiram com um mês de diferença, ambos vítimas de doença prolongada.
Sinto que devo prestar esta homenagem à economista e amiga Manuela Silva, não só pelo que aprendi com ela, mas porque, e usando as palavras do Presidente da República, teve “uma vida dedicada a causas de grande relevância económica e social, nas quais se incluem a justiça social, luta contra a pobreza e defesa dos Direitos Humanos”. Marcelo Rebelo de Sousa na nota de condolências à família, afirma ainda que “a sua morte constitui uma perda de grande relevância” para Portugal.
No dia 1 de Outubro, a 6 dias de morrer, publicou a sua última crónica intitulada “Ampliar as perguntas e ser coerente com as respostas”, onde refere a Fundação Betânia e a Rede Cuidar da Casa Comum – A Igreja ao Serviço da Ecologia Integral. Dois projectos marcantes da sua vida e aos quais se dedicou até ao fim.
No ISEG, onde leccionou de 1970 a 1991, Manuela Silva presidiu ao Conselho Pedagógico, dirigiu a Revista de Estudos de Economia, dinamizou a criação de um Centro de Estudos para a Intervenção Social (Cesis) e criou, na década de 1990, um mestrado em Economia e Política Social.
Como Secretária de Estado para o Planeamento no I Governo Constitucional (1976-77) deixou pensamento e acção. Integrou diversos grupos de investigação da Comissão Europeia, do Conselho da Europa e da OIT. Foi Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (2006 a 2008).
Tinha uma visão muito alargada da vida e da sociedade. Numa crónica intitulada “Olhar o trágico como um novo possível”, publicada em 2018 no livro Resiliência. Criatividade. Beleza, Manuela Silva refere fenómenos como o êxodo dos refugiados, as catástrofes naturais e as tensões geopolíticas, onde afirma que: “Estamos perante um gigantesco desafio cultural e espiritual, que supõe e impõe um redobrado empenhamento, a todos os níveis, designadamente na educação das gerações mais jovens, para uma nova concepção e vida boa e feliz, que se traduza em novos estilos de vida, modos de pensar e de agir, de produzir e consumir, de cuidar de si, dos outros, do próprio local, do País em que se vive e do Planeta Terra”.
O título que escolhi para esta crónica é o título que Manuela Silva deu ao seu último livro publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2018. Nessa obra fala não só em reduzir e erradicar a pobreza nas suas diversas formas, como afirma que nem todo o crescimento económico é virtuoso. Acrescenta que só o será se der origem a um maior bem-estar das pessoas e das suas comunidades e a um mais elevado progresso social, isto é, melhor nível de educação, saúde, conhecimento, segurança, liberdade e participação.
Foi pioneira na intervenção e desenvolvimento comunitário, tal como nos estudos sobre a pobreza em Portugal e nas questões das desigualdades entre homens e mulheres.
A acção de Manuela Silva em prol de causas que são centrais no nosso modo de vida, mostra como ela foi uma figura percursora na nossa história colectiva recente. É por isso que não hesito em dizer que o seu legado permanecerá por muito tempo.
Ela mostrou-nos que o caminho a seguir é o do envolvimento, do compromisso com o Ser Humano e com a Natureza.
Nos últimos anos empenhou-se em duas novas áreas que são uma forma de pensar o futuro. Uma foi a reflexão sobre a educação das gerações mais jovens, tendo juntado educadores, psicólogos, sociólogos e professores e a outra foi a questão da emergência climática. Inspirada e impulsionada pela Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, dinamizou e foi “a grande alma da rede Cuidar da Casa Comum”. Rede da qual falei na Crónica de Setembro, com breve alusão à dinamização que procuro desenvolver enquanto representante da Rede no Algarve.
Na manhã em que estava a iniciar a resposta a uma SMS que tinha recebido de Manuela Silva, com palavras de estímulo, ouvi na rádio a notícia da sua morte… um nó na garganta… um agradecimento que ficou por fazer… mas uma gratidão e uma missão que continuará a existir.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de novembro)