Decidi escrever algumas palavras sobre aquelas mulheres do mundo rural que todos conhecemos na vida real. No Algarve quase todos nós temos algum familiar na serra e mesmo quem não tem, no seu imaginário existe a imagem daquelas mulheres que trabalhavam e trabalham a terra de lenço e chapéu na cabeça.
São mulheres lutadoras, maioritariamente agricultoras, às vezes já viúvas, e que desempenham vários papéis sociais. São cuidadoras dos filhos e dos seus idosos. São as principais guardiãs de tradições e saberes ancestrais que chegaram aos nossos dias e que foram passadas de geração em geração, sem livros ou manuais. A manutenção dessa memória deve ser valorizada porque estas mulheres guardam uma valiosa sabedoria popular, que é parte importante do Património Cultural Imaterial.
Vidas passadas parte do tempo ao sol, de manhã até ao anoitecer, daí a expressão “trabalhar de sol a sol”. Essa protecção do corpo com roupas de manga comprida, mesmo de Verão, tal como a cabeça coberta, não tem só a ver com o pudor e o recato, mas creio que terá a ver principalmente com o proteger-se do sol. O mesmo acontece com o vestuário do homem que trabalha no campo, que sempre veste calças, camisa de manga comprida e boina ou chapéu.
Gosto das gentes da serra e estou grata pelos ensinamentos que me passaram, como por exemplo amassar o pão e os rituais associados, como referi na crónica de 6-02-2020.
Tive a oportunidade de fazer alguma recolha, não só a nível do gosto pessoal pelas tradições, costumes, lendas, orações e cantares, mas tive também a oportunidade de, a nível académico, estudar diversas dimensões da vida no interior algarvio de Aljezur a Alcoutim.
Esta paixão pela serra algarvia e pelas raízes rurais faz parte de uma maneira de estar, de um orgulho em manter certos termos regionais na linguagem diária e de os divulgar, mas isso daria outra crónica.
Não fugindo ao tema escolhido, há que referir que o Dia Internacional da Mulher Ruralfoi instituído pela ONU em 1995, principalmente para relembrar o grande número de mulheres que vive e trabalha no meio rural e é um exemplo de resiliência e resistência em relação à manutenção da vivência humana nos territórios rurais. E pela importância de reconhecer e valorizar o seu papel.
É curioso que a ONU escolheu como tema das Comemorações do último Dia Internacional da Mulher Rural, celebrado a 15 de Outubrode cada ano, “Mulheres e raparigas rurais a construir uma resistência climática”. É muito curioso este tema não só pelo sentido de resistência, mas pela importância que as mulheres têm na parte climática e ambiental. São elas que recolhem e guardam as sementes, que preservam, mas por vezes também têm comportamentos, que por desconhecimento, são prejudiciais para o ambiente.
Por exemplo, após a utilização de adubos ou produtos anti-pragas, as embalagens nem sempre são devidamente acondicionadas ou são deixadas no campo. Outro exemplo que verifiquei foi as pilhas das lanternas ou rádios espalhadas pelos campos, porque falta a noção de que as pilhas contêm produtos nocivos para o solo.
Cabe muitas vezes à mulher essa parte de transmitir aos filhos, pequenos gestos de cuidado com a terra e tudo o que ela produz. De cuidado com o outro, seja homem ou mulher. São as mulheres que dão a primeira educação aos filhos e por isso muitas vezes, por ignorância, dão aos rapazes uma educação machista. (Não defendo conceitos machistas nem feministas)
Ainda hoje há quem eduque os filhos dizendo que os homens não choram, ou não precisam de saber fazer tarefas domésticas. E sem querer, estão a deseducar em vez de educar para a igualdade, para o saber estar e o saber ser.
Felizmente, o meio rural está a mudar também porque vivem nestas zonas pessoas cada vez mais esclarecidas e com formação superior. Alguns voltaram à terra dos pais ou dos avós idealizando uma vida no campo com novos negócios.
Estes rurais renovados, normalmente em idade activa, juntamente com outras pessoas em início de reforma, que procuram uma vida mais tranquila, tornam-se importantes agentes de desenvolvimento local pelo seu capital cultural, espírito de iniciativa e experiência. Voltarei ao mundo rural…
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de outubro)