“É inaceitável, isto é uma desilusão” – é como reage a Associação de Empresas de Ginásios e Academias de Portugal (Agap) ao plano de desconfinamento “cauteloso e a conta gotas” anunciado por António Costa esta quinta-feira, e que permite a reabertura a 15 de março de cabeleireiros e barbearias, a par de livrarias e lojas não essenciais com venda ao postigo, além de creches e escolas do primeiro ciclo. No caso dos ginásios, só a 3 de maio poderão reabrir sem restrições, a 5 de abril iniciar aulas ao ar livre com limite de quatro pessoas, limite que será alargado a seis pessoas a 19 de abril.
“Não há razão para abrir cabeleireiros e não ginásios, que são essenciais à saúde dos portugueses, e não uma coisa que é só estética”, salienta José Carlos Reis, presidente da Agap. “Isto não é nada contra os cabeleireiros, que não são locais de risco, mas nós também não somos e atuamos diretamente na saúde das pessoas, devíamos estar na linha da frente e entre os sectores prioritários na reabertura.”
Para a Agap, o papel dos ginásios tem sido menosprezado pelo Governo ao longo da pandemia. “Somos nesta fase um sector essencial para a população, o exercício físico ajuda a restabelecer o sistema imunitário das pessoas, a melhorar a sua saúde física e mental”, afirma José Carlos Reis que frisa ainda que “os ginásios são locais seguros, cumprem todas as normas definidas pela Direção-Geral da Saúde (DGS), onde não há grandes riscos de contágio”, e cita estudos internacionais indicando que esta taxa não vai além dos 0,03%.
Continuarem fechados por mais dois meses, e sem poderem fazer aulas de grupo – que mobilizam mais de metade dos clientes – é um duro golpe para os ginásios, onde os impactos da covid estão a ser “desastrosos”. Segundo o presidente da associação, 300 ginásios no país já entraram em falência desde o início da pandemia, “o que num universo dos 1200 que existiam representa um quarto do total, e é bastante grave”. Acresce-se que a maioria, mais de 80%, são “pequenos negócios familiares, de marido e mulher ou de pais e filhos, que nesta fase são os que mais sofrem”.
Em 2020, os ginásios em Portugal perderam um em cada sete empregos (tinham 17 mil trabalhadores diretos), a faturação caiu para quase metade (167,4 milhões de euros, quando atingia 289,4 milhões de euros em 2019), e os praticantes ficaram reduzidos a um terço, apesar do ano passado ter arrancado bem com um aumento de 21% em janeiro dos sócios dos clubes, segundo um relatório recente da Agap. Depois veio a pandemia.
“A situação ficou muito pior em 2021, as desistências têm sido exponenciais de mês para mês”, adianta José Carlos Reis. “De momento, só temos metade dos sócios, tínhamos cerca de 700 mil utilizadores em fevereiro do ano passado, agora não devemos chegar aos 350 mil. Este segundo fecho tem sido um desastre autêntico para o sector.“
As aulas online também não estão a ser, para os ginásios, a solução que resolve tudo. “As pessoas já não têm paciência para online, ao princípio ainda achavam engraçado. E a mensalidade é muito inferior relativamente à que se obtêm com o ensino presencial”, refere o presidente da associação.
Pedro Simão, sócio e diretor geral dos clubes Balance Club e Fitness Factory, frisa que “as pessoas estão ansiosas por voltar aos ginásios, temos aqui mais de 100 normas além das restrições da DGS”
Nas Caldas da Rainha, o ginásio Balance Club tem estado literalmente a servir de estúdio de gravação para aulas online que servem todos os praticantes da rede que tem 22 clubes espalhados pelo país.
“Fizemos um investimento grande em equipamentos de audiovisual, as aulas têm de ter boa qualidade de imagem e de som, as pessoas hoje estão mais exigentes”, frisa Pedro Simão, um dos donos e diretor-geral da rede de ginásios, que no ano passado perdeu um quarto dos sócios, mas está a fazer um esforço forte para segurar os que restam, e com mensalidades que baixaram 40%. “Foi a única forma que conseguimos encontrar para não perder clientes, e neste momento o grande objetivo é sobreviver”.
Os ‘personal trainers’, que estão em lay-off parcial, dão agora aulas em modo online, enfrentando câmaras e comunicando com os praticantes como se fossem profissionais de televisão – enquanto outros colegas instrutores que se ajeitam com as tecnologias controlam a ‘régie’.
“Tivemos de nos autoformar, transformar os instrutores em atores e técnicos de audiovisual, tudo isto faz parte do nosso modelo de adaptação“, refere Pedro Simão. Todas as aulas presenciais que eram feitas no ginásio, desde ioga, pilates, bicicleta, musculação, zumba ou outras danças, estão a ser asseguradas pelo clube à distância, em seis sessões diárias.
“Mas as pessoas estão fartas, e ansiosas por voltar a frequentar os ginásios, e de ter treino orientado por profissionais credenciados. De dia para dia, torna-se cada vez mais urgente a necessidade de ter cá as pessoas, para restabelecer parte da operação e da receita, na certeza de que somos espaços seguros. Temos aqui mais de 100 normas, além das restrições da DGS”, garante o CEO do Balance Club.
“É inexplicável como locais que promovem a saúde estão fechados. Neste segundo confinamento, Madrid manteve os ginásios abertos, e o discurso do Governo é que, tal como os hospitais, estão a cuidar da saúde das pessoas e não podem fechar”
O lado económico também é destacado. “Qualquer ginásio está neste momento a perder dinheiro. Entre os apoios prometidos pelo Estado e que demoram a chegar, é a folga financeira que tem delimitado a sobrevivência dos clubes. Cada um tem a sua bolsa de ar, à qual se está a agarrar, mas a situação já é dramática.”
Na situação que se vive com o surto sanitário, Pedro Simão põe a tónica no papel preventivo dos ginásios. “O mundo hoje em dia vai precisar de pessoas mais saudáveis e com o sistema imunitário mais forte”, faz notar.
“É inexplicável como locais que promovem a saúde estão fechados. Neste segundo confinamento, Madrid manteve os ginásios abertos, e o discurso do Governo é que, tal como os hospitais, estão a cuidar da saúde das pessoas e por isso não podem fechar”.
Roberto Coelho, no ginásio Mais Fitness que criou em Torres Vedras aos 23 anos. “Temos muitos encargos, eu e a minha mulher estamos agora a gastar aquilo que ganhámos”
Em Torres Vedras, Roberto Coelho que é dono do ginásio Mais Fitness juntamente com a sua mulher, Janina, já viu os sócios caírem 30% “e agora prevejo uma redução enorme, de 40% a 50%”. O casal tem mais dois ginásios, na Malveira e no Bombarral. “Quisemos na zona oeste ter uma boa oferta desportiva.”
“Fizemos um investimento imenso no serviço online, criámos aulas para pessoas com necessidades especiais. E temos muitos conteúdos como na Netflix, em que as aulas que são gravadas em direto ficam na plataforma e as pessoas podem aceder quando quiserem”, adianta Roberto Coelho.
Os ginásios têm um conceito novo, e caraterizam-se por serem espaços amplos, com design, e não terem máquinas. “Eu e a minha mulher criámos este espaço aos 23 e 24 anos, e como não tínhamos dinheiro nenhum, montámos isto só para aulas de grupo, e o conceito funcionou”, explica.
“Não há aqui ‘retroescavadoras’, embora haja aqui algumas máquinas pensadas para pessoas com necessidades especiais. Por exemplo, poucos sabem que 80% dos portugueses sofrem de dores nas costas, e criámos exercícios específicos para essas pessoas”, refere Roberto Coelho, que também é professor na faculdade em Rio Maior da licenciatura em Condição Física e Saúde no Desporto.
“O problema de saúde é mais estrutural do que esta pandemia, que é horrível. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em cada dez mortes, oito são devidas a sedentarismo ou a um estilo de vida desequilibrado, gerador de doenças cardiovasculares, respiratórias ou cancro, todas associadas a falta de exercício físico e alimentação disfuncional”, aponta.
“Quando pedimos para abrir, não é para terem pena de nós, que já perdemos 300 ginásios, e eu estou a sofrer na pele com a minha família. É pelo estado de saúde dos portugueses”
A pandemia veio agravar este quadro, e Roberto Coelho nota que as pessoas que acompanhava “estão a regredir”. “Comem muito, e estão paradas em casa. 50% dos portugueses têm excesso de peso, e pessoas com obesidade têm mais 48% de hipóteses de morrer com covid e 78% de ir parar aos cuidados intensivos. A doença é grave, mas os corpos das pessoas não estão preparados para responder a isso”, enfatiza. “E no último ano, 80% dos portugueses passaram por um problema psicológico, o que também tem impacto na sua saúde.”
“Quando pedimos para abrir, não é para terem pena de nós, que já perdemos 300 ginásios, e eu estou a sofrer na pele com a minha família. É pelo estado de saúde dos portugueses”, conclui o dono da Mais Fitness.
No seu caso, confessa estar nesta fase “a gerir o barco num clima de grande incerteza”, pois cada dia que estão fechados, “traz consequências”. “Temos muitos encargos. Estive dez anos a trabalhar com a minha mulher e toda a nossa equipa que é muito familiar, e agora estamos a gastar aquilo que ganhámos. Para uma empresa que começou do nada, é triste voltar atrás”, constata.
“Antes da covid – e parecia que estava a adivinhar – a DGS emitiu um comunicado a dizer que o sedentarismo custava 900 milhões de euros ao Estado por ano. Então porque é que os ginásios não estão abertos, se fazem parte da solução?”, questiona.
José Vaz fechou um ginásio em Forte da Casa, e pagou do seu bolso os ordenados em fevereiro, também à custa de vender equipamentos. “A minha situação financeira está uma miséria”
Em Alverca, José Vaz está nos preparativos para reabrir o seu ginásio Still Fit com o espaço remodelado. “Temos de abrir com uma cara lavada e em segurança com a covid. Não é só ter álcool-gel, tem de haver distanciamento entre as máquinas e outros cuidados, e também estamos a aguardar verbas para adquirir um equipamento de renovação do ar”, faz notar o dono do clube, que é frequentado por algumas “figuras públicas e pessoas influentes”, mas que tem estado numa escalada a perder sócios. “Neste momento, estamos abaixo dos 40%.”
José Vaz fechou um ginásio em Forte da Casa em setembro, “porque não tinha clientes”. Ficou com o ginásio em Alverca (que já foi um clube privado de Luís Filipe Vieira e Eduardo Rodrigues, dono da construtora Obriverca), e um outro dentro do estádio do Futebol Clube de Alverca, este último já mais dedicado a desporto profissional e onde treinam as equipas do clube.
“Durante o tempo em que estivemos fechados, nunca cobrámos mensalidades, apelámos agora ao coração dos sócios para serem solidários e na perspetiva de serem ressarcidos na reabertura, e houve pessoas que fizeram questão de pagar, mas estamos a falar de uns 10%. Nesta fase também estamos a oferecer aos sócios as aulas online”, adianta José Vaz.
A situação financeira do empresário, que é sócio único dos ginásios Still Fit, “está uma miséria”, segundo reconhece José Vaz, dizendo ter tido dificuldades no acesso aos apoios de lay-off, que espera ver resolvidas rapidamente. “Eu não tenho outra fonte de rendimento, para pagar os ordenados em fevereiro tive de tirar do meu bolso, e também tive de vender equipamento do ginásio“.
“Desde o primeiro confinamento, ainda não faturámos o suficiente para pagar as rendas, temos é tido muita ajuda dos senhorios, condescendentes com a situação, e aqui o Futebol Clube de Alverca tem sido extraordinário”, nota.
Com os ginásios fechados, pagar o resto das contas tem sido “com muito jogo de cintura, tira de um lado e põe do outro, temos estado a gerir as coisas, mas é difícil”. José Vaz chama a atenção para a “negligência” que há sobre o sector, quando o que estão a prestar “é um serviço de saúde pública”. “Veja-se a percentagem de pessoas que recuperaram de doenças a fazerem exercício físico.”
CINCO MIL INSTRUTORES DE EXERCÍCIO FÍSICO FORA DO LAY-OFF. “MUITOS ANDAM NAS OBRAS OU A FAZER ENTREGAS DE COMIDA NA UBEREATS”
Segundo a associação portuguesa de ginásios, a paralisação do sector está a gerar uma situação particularmente grave junto de cerca de cinco mil instrutores de exercício físico especializados, que prestavam serviços em dois ou três clubes diferentes, e ficaram fora do regime de lay-off.
“Os ginásios trabalham em grande percentagem com prestadores de serviços. Esta caraterística do nosso sector dificulta muito o acesso a lay-off, e os apoios a trabalhadores independentes são escassos”, explica o presidente da Agap.
“Muitos desses professores e técnicos de exercício físico andam agora nas obras, a fazer entregas de comida na UberEats e na Glovo, infelizmente é essa a vida profissional que têm encontrado. Segundo o jornal “Público”, já estão a ser os principais utilizadores do Banco Alimentar Contra a Fome”, alerta José Carlos Reis, lembrando que “este era um sector que estava a crescer e onde praticamente não havia desemprego”.
O responsável da Agap frisa ainda que, apesar de fechados aos clientes, os ginásios têm estado diariamente a funcionar com aulas online e também operações de limpeza e manutenção. “Um clube não pode estar fechado por exemplo dois meses, os balneários têm de ser abertos todos os dias, senão podem tornar-se um risco grande de saúde pública com um surto de legionela, que até é mais grave que a covid”, adverte. “Quando abrirem hotéis que estiveram fechados muito tempo, e outras estruturas com balneários, os surtos de legionela podem ser um próximo problema grave de saúde pública em todo o mundo.”
Numa altura em que a frequência dos ginásios estava em franco crescimento junto dos portugueses, José Carlos Reis lamenta que tenha havido um retrocesso com a covid. “Cada vez vão existir mais pandemias, e é importante dar o real valor ao exercício físico na saúde, no equilíbrio emocional e na qualidade de vida das pessoas.”
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso