Desde o escândalo Watergate na década de 1970, que a imprensa americana tende a usar o sufixo “gate” para descrever casos polémicos. E nem as baterias dos iPhones escaparam à moda. Com uma diferença: ao contrário de Watergate, o caso “Batterygate” acabou com a Apple a pagar uma indemnização de 500 milhões de dólares (cerca de 412 milhões de euros) aos consumidores dos EUA. E é essa mesma indemnização que serviu de ponto de partida para a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) anunciar que vai avançar, em fevereiro, com um processo na justiça portuguesa para obrigar a Apple a indemnizar cerca de 180 mil donos de iPhones 6, 6 Plus, 6S, 6S Plus, 7, 7 Plus, e eventualmente um dos modelos SE.
“Se os consumidores americanos tiveram direito a indemnização da Apple, então os portugueses também têm esse direito”, defende Tito Rodrigues, jurista da DECO, numa alusão ao acordo judicial que a Apple firmou, em março do ano passado, com representantes de consumidores dos EUA.
O caso Batterygate remonta a 2017, quando a “marca da maçã” decidiu avançar com a atualização 10.2.1 do sistema operativo iOS para vários modelos de iPhones. Ainda no final de 2017, a Apple haveria de dar resposta e assumir as responsabilidades perante o coro de críticas e suspeitas de vários consumidores, que alegavam que os iPhones que compraram estavam mais lentos.
Na origem da súbita lentidão dos telemóveis esteve a própria atualização do sistema operativo iOS, que reduziu a velocidade máxima de funcionamento dos processadores dos dispositivos para evitar um excesso de consumo de energia que poderia levar ao sobreaquecimento da bateria.
“Na altura, a Apple não deu a hipótese de os donos dos iPhones poderem recusar esta atualização do sistema operativo”, recorda Tito Rodrigues, quando questionado pelo Expresso.
Nos EUA, as indemnizações variam entre os 25 dólares (20,61 euros) e os 3500 dólares (cerca de 2888 euros). Em Itália, onde está a decorrer uma ação judicial coordenada com o grupo de entidades de defesa do consumidor que dá pelo nome de Euroconsumers, está a ser exigida uma indemnização de 60 euros por cada iPhone que, comprovadamente, tenha sido afetado pelo Batterygate.
Tito Rodrigues admite que o processo que vai dar entrada num tribunal cível português também venha a solicitar o pagamento de uma verba similar, mas recorda que esses cálculos ainda estão a ser feitos. À Exame Informática, a DECO admite que as contas preliminares apontam para um total de 10 milhões de euros que a Apple poderá ter de pagar em Portugal, caso a DECO ganhe o processo e garanta provimento para os valores de compensação solicitados.
Os telemóveis afetados pelo Batterygate estiveram em comercialização em Portugal entre 2014 e 2020. Além dos modelos lançados entre o iPhone 6 e o iPhone 7 Plus, está a ser analisada a inclusão dos donos da primeira versão do iPhone SE na lista de potenciais lesados que deverão ser compensados pela justiça portuguesa.
Tito Rodrigues acredita que os consumidores não terão grandes dificuldades em demonstrar que tiveram um ou mais modelos de iPhones afetados pelo Batterygate – mesmo que já tenham enviado os terminais para a reciclagem. Além de faturas de compra, também os registos comerciais dos operadores de telecomunicações poderão vir a ser usados na justiça para garantir uma indemnização.
Apesar do desfecho que o caso teve nos EUA, “não tem havido por parte da Apple disponibilidade para chegar a um acordo na Europa”, refere o jurista da DECO.
“Geralmente, quanto mais rápidos são os sistemas jurídicos mais cooperantes são as marcas (acusadas de práticas comerciais abusivas). Um sistema jurídico como o português pode revelar-se amigo dessas marcas por causa de todos os atrasos e burocracias que se conhecem”, sublinha Tito Rodrigues.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso