Cerca de meia centena de trabalhadores protestaram esta quinta-feira junto ao congresso da associação hoteleira que decorre em Albufeira, contestando a falta de mão de obra que o patronato diz sentir e reivindicando a revisão da contratação coletiva.
Numa altura em que vários responsáveis do setor turístico, e especificamente hoteleiro, apontam a falta de mão de obra com que se deparam no setor como um dos constrangimentos à retoma, o porta-voz da Fesaht afirma que a dificuldade se prende com as condições oferecidas e baixos salários praticados.
“A associação precisa rever o contrato coletivo de trabalho”, afirmou Francisco Figueiredo da Fesaht – Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, aos jornalistas, no protesto junto ao local onde decorre o Congresso da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) e que visa exigir melhores salários e horários para o setor.
“Dados oficiais, e a informação que circula na comunicação social, aponta que 80% dos trabalhadores dos hotéis e demais estabelecimentos de alojamento recebem apenas o salário mínimo nacional e trabalham ao fim de semana, aos feriados. É um trabalho muito penoso para os trabalhadores e, por isso, é natural que muitos trabalhadores que foram empurrados violentamente nesse período da pandemia” não queiram agora voltar a trabalhar no setor, afirmou.
“Os patrões despediram os trabalhadores violentamente logo no início da pandemia e dizem agora que têm falta de trabalhadores. Muitos deles arranjaram outras alternativas de emprego melhor, e eles agora precisam de aliciar os trabalhadores oferecendo condições de trabalho dignas e melhores salários. Isso é que não está a acontecer”, explicou Francisco Figueiredo para justificar a falta de mão de obra que o patronato refere.
Já sobre a possibilidade que tem sido apontada pelos hoteleiros de irem buscar trabalhadores ao Brasil e à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), por exemplo, para colmatar a falta de trabalhadores no setor em Portugal, o sindicalista diz que a solução representa a “ganância do lucro”.
“Em lugar de pagarem salários dignos aos trabalhadores, e respeitarem os direitos dos trabalhadores, vão buscar ao estrangeiro que é para poderem manobrar. Portanto, poder continuar a explorá-los e muitos desses estrangeiros que estavam em Portugal também foram embora no início da pandemia, pois muitos até estavam ilegais e clandestinos e o Governo não quis dar nenhum apoio a esses trabalhadores, apesar das propostas da Fesaht e sindicato”, referiu Francisco Figueiredo.
Esses trabalhadores “não voltaram aos seus hotéis, não querem voltar aos hotéis, aos restaurantes, aos cafés e às pastelarias porque as condições de trabalho são violentas”, referiu, acrescentando que há “instabilidade total nos horários” e falta de previsibilidade para organizar a vida pessoal e familiar.
“O que nós estamos a dizer às associações patronais e a esta em particular [AHP] é que precisamos negociar a revisão do contrato coletivo de trabalho, mantendo os direitos dos trabalhadores e oferecendo salários dignos”, reforçou.
Garante o sindicalista que “nenhuma associação até hoje iniciou o processo de negociações do contrato coletivo de trabalho”, mas que se isso acontecer e se “respeitarem os direitos, o horário de trabalho, não faltará trabalhadores”.
“O que pretendemos é que a Associação dos Hotéis de Portugal que não cumpre o contrato coletivo de trabalho celebrado com a Fesaht em 2008 o cumpra e que o faça cumprir junto dos seus associados, porque muitos patrões não cumprem os dois dias de folga, não pagam feriados a 200%, não pagam as horas extras”, realça ainda, acrescentando que “ninguém aguenta com o salário mínimo de 665 ou 670 euros”.
O presidente da AHP, Raul Martins, disse na quarta-feira que a realização de um estudo sobre a escassez de mão de obra no setor aponta para a falta de 15 mil trabalhadores nos hotéis.
Na conferência de imprensa que antecedeu o início dos trabalhos do 32.º Congresso Nacional da Hotelaria e Turismo, promovido pela AHP, e que vai decorrer até sexta-feira em Albufeira, Raul Martins explicou que o número tem origem numa estimativa com base nas conclusões preliminares de um estudo que a associação levou a cabo junto dos associados e que irá apresentar após o congresso.
De acordo com a vice-presidente da AHP, Cristina Siza Vieira, responderam ao inquérito – “uma amostra não extrapolada” – 60% dos associados, representativos de 35 mil quartos. Ou seja, 400 hotéis, cujas “necessidades atuais revelaram 7.200 trabalhadores em falta”.
Raul Martins acredita que tendo em conta a totalidade das unidades hoteleiras em Portugal – 1.200 – “estima-se, fazendo uma proporção, que faltem 15.000 trabalhadores” aos hotéis a operar no mercado nacional.
Cristina Siza Vieira disse ainda que das respostas recebidas, “cerca de dois terços” referem que a maior necessidade de trabalhadores se prende com as áreas de “receção, mesa e cozinha”.
Em 25 de setembro, o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP) admitiu, em entrevista à Lusa, que o problema de falta de recursos humanos existe, porque até estava a ser ‘sexy’ trabalhar no setor, mas com a pandemia “tudo ficou congelado”.
Em 18 de outubro, o presidente do Vila Galé afirmou também à Lusa que o grupo continua a debater-se com a falta de recursos humanos na hotelaria, construção e agricultura, estando a prever contratar 300 jovens à procura do primeiro emprego e trazer 150 trabalhadores do Brasil.