Os quatro conselheiros traçam diferentes retratos da comunidade portuguesa a viver na Alemanha, defendendo que está “bem integrada”, mas “mais infeliz” do que há 60 anos, altura da assinatura do acordo bilateral entre os dois países.
“Quando eu vim havia muitas associações. Encontrávamo-nos muitas vezes, havia essa necessidade. Ultimamente já pouco há”, recorda Cândida de Melo, conselheira das comunidades portuguesas a viver há 40 anos na Alemanha.
“Em Estugarda, onde resido, já só existem um ou dois locais onde nos podemos encontrar (…). A comunidade é muito envelhecida, e os jovens já não têm muito interesse em conviver fora dos seus grupos e em partilhar a língua”, lamenta.
Cândida de Melo aponta a falta de interesse e de apoio social como os maiores problemas atualmente.
“Quando os meus dois filhos eram pequenos, lembro-me que tínhamos cerca de 200 crianças na nossa cidade na escola portuguesa. Havia muito interesse, os pais queriam que os filhos aprendessem a língua porque talvez pensassem em voltar. Hoje é completamente diferente, reduziu muito a procura”, aponta.
“A comunidade está mais infeliz e mais pobre do que há uns anos. Ainda há pessoas que foram envelhecendo aqui sozinhas, afastadas da família que têm em Portugal, e nós tentamos saber quem está doente ou vive sem apoio. Visitamos essas pessoas e tentamos levar-lhes algum conforto”, esclarece.
António Horta concorda que há uma diferença “do dia para a noite” da comunidade de hoje e de há 60 anos, mas acredita que se tem dado uma evolução normal.
“Há uma diferença enorme entre os portugueses que vieram para cá nos anos 60 e agora. Eram pessoas praticamente sem formação, que vinham porque não havia mão-de-obra. Os que cá chegam agora já vêm formados, são enfermeiros, médicos”, revela o conselheiro das comunidades a viver na Alemanha desde 1973.
“Agora as pessoas falam inglês e desenrascam-se. Antes as associações formavam-se porque era necessária entreajuda, era ali que as pessoas se encontravam, até para ajudar a encontrar casa”, aponta.
Devido à escassez de mão-de-obra, nos anos 1950, o Governo da República Federal da Alemanha recrutou trabalhadores temporários no estrangeiro através do programa “Gastarbeiterprogramm” para a reconstrução do país.
Em setembro deste ano comemora-se a assinatura do acordo bilateral entre Portugal e a Alemanha em 1964.
“Não só a comunidade portuguesa, mas a comunidade estrangeira em geral na Alemanha vive de uma outra maneira”, compara Manuel Machado a viver em Burscheid, perto de Colónia.
“A comunidade portuguesa está bem integrada, mas falta-lhe envolver-se mais no associativismo, não apenas português, mas na Alemanha, na política e na vida social. Aí falta alguma representação de Portugal e ficámos atrás”, revela.
Não entende os motivos, mas assume que talvez seja “falta de motivação”.
“Muitos portugueses compram casa, já não pensam voltar para Portugal como antigamente. Deve-se também às novas gerações que nasceram aqui”, indica o conselheiro das comunidades portuguesas na Alemanha.
Para Mário Botas, que chegou a primeira vez à Alemanha em 1966, o diagnóstico não é positivo.
“Os portugueses quando chegavam tinham uma estrutura que os podia apoiar, eram bem vistos. Atualmente, não (…). O estado alemão decidiu depois que os “gastarbeiter” deixavam de precisar de serviços sociais específicos, isso foi um retrocesso qualitativo (…). Entretanto, nos centros começou a haver uma certa dificuldade em dar continuidade ao trabalho porque a primeira geração estava cansada (…). O estado português não soube procurar um diálogo com o estado alemão e com a Caritas alemã”, realça.
“Agora só há um terço das associações. A pessoas que emigram para cá já não encontram uma comunidade forte com uma estrutura que os possa apoiar (…). Os portugueses chegam aqui e não sabem onde é o consulado, não sabem como o sistema social funciona, não se sabem defender. A situação é completamente outra”, lamenta.
Para este conselheiro das comunidades portuguesas na Alemanha houve um “desabar das antigas estruturas da comunidade portuguesa”, reivindicando ao Governo um “paradigma de consulado”.
“A capacidade de detetar situações graves de portugueses na Alemanha tornou-se muitíssimo difícil porque as plataformas de apoio diminuíram drasticamente” e “este estado de coisas a que se chegou já não se resolve com mais dinheiro e máquinas modernas”, afirma.
“Tem de haver coragem e vontade para uma mudança de paradigma no que respeita ao acompanhamento da comunidade portuguesa na Alemanha”, apela.
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