O regime de comunhão de adquiridos é um dos mais comuns em Portugal, mas nem sempre os casais compreendem totalmente as suas implicações legais, especialmente no que diz respeito à gestão de bens. Uma das dúvidas mais frequentes é: poderá um dos cônjuges, neste regime, deixar os seus bens em testamento a terceiros, como os progenitores, sem o consentimento do parceiro? A resposta é, sim, mas com algumas nuances importantes.
A estrutura do regime de comunhão de adquiridos
De acordo com o Código Civil português, o regime de comunhão de adquiridos distingue entre dois tipos de bens: os bens próprios e os bens comuns. Como estipulado no artigo 1722.º, os bens próprios incluem aqueles que o cônjuge já possuía antes do casamento, os bens que venha a receber por sucessão ou doação e ainda aqueles que adquire por direito próprio anterior ao casamento.
Por outro lado, os bens comuns englobam tudo o que for adquirido pelo casal durante o matrimónio, exceto os que sejam expressamente considerados próprios por lei. Ou seja, o produto do trabalho de cada cônjuge, bem como os bens adquiridos a título oneroso durante o casamento, entram na comunhão de bens, como explica o Polígrafo.
Agora, a grande questão: pode um cônjuge, sem a autorização do outro, fazer um testamento legando os seus bens próprios aos pais ou a outros familiares? Marta Costa, advogada especialista em Direito das Sucessões e da Família, esclarece que, “no âmbito do regime matrimonial da comunhão de adquiridos, cada cônjuge pode dispor livremente dos seus bens próprios por testamento, sem necessidade de consentimento do outro”.
Este direito, porém, não se aplica aos bens comuns. Segundo a advogada, se um cônjuge pretender incluir um bem comum no testamento, este só poderá ser deixado a terceiros sob a forma de um legado pecuniário, ou seja, o herdeiro terá direito ao valor do bem, e não ao bem em si. Para que o bem propriamente dito seja legado a um terceiro, será necessário o consentimento do outro cônjuge, o qual deverá intervir no testamento.
Contudo, mesmo no que toca aos bens próprios, há uma ressalva importante: a lei sucessória portuguesa estabelece a existência de herdeiros legitimários – aqueles que têm um direito inalienável à sua parte da herança, independentemente da vontade do testador. Entre estes herdeiros encontram-se o cônjuge, os descendentes e, na sua falta, os ascendentes.
Por isso, qualquer disposição testamentária que afete a quota legitimária de um herdeiro legitimário poderá ser reduzida ou até anulada, de forma a garantir que o cônjuge ou outros herdeiros legitimários recebem a parte que lhes é devida por lei.
Em resumo, é possível a um cônjuge em regime de comunhão de adquiridos deixar os seus bens próprios aos pais, ou a outros familiares, sem necessidade de consentimento do parceiro. Porém, os bens comuns exigem o acordo do cônjuge para serem deixados em testamento. Além disso, o testamento deverá sempre respeitar os direitos dos herdeiros legitimários, como o próprio cônjuge e os descendentes, para evitar litígios ou anulação de disposições testamentárias.
Em casamentos celebrados a partir de agosto de 2018, há ainda a opção de os nubentes, no momento da celebração do matrimónio, declararem que não pretendem ser herdeiros legitimários um do outro, caso optem pelo regime de separação de bens, uma possibilidade que traz mais flexibilidade à gestão patrimonial no seio do casal.
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