É como “um fogo debaixo de água”: ao largo de Marselha, no sul de França, as gorgónias vermelhas, uma espécie de coral, foram dizimadas, vítimas da temperatura recorde registadas no mar Mediterrâneo este verão, revelou à AFP Solène Basthard-Bogain, diretora de uma associação especializada na conservação dos ambientes marinhos.
O alerta foi dado no final de agosto por mergulhadores que conhecem bem estas florestas multicoloridas de corais ao largo da costa francesa.
“Dói o coração, a deterioração é super rápida, há apenas dois meses mergulhámos aqui para explorar esta magnífica floresta colorida”, lamenta Tristan Estaque, responsável pelas missões científicas da Septentrion Environnement, a bordo do barco desta organização que estuda os ecossistemas marinhos.
Uma grande onda de calor atingiu o Mediterrâneo ocidental este verão, fazendo aumentar a temperatura da água “4 a 5ºC” acima da média, de acordo com a Mercator Ocean International, a organização europeia que faz a monitorização dos mares de que faz parte a missão Copernicus da ESA.
A temperatura da água subiu até 30ºC em alguns sítios do mar Mediterrâneo.
“Floresta fantasma”
Ao regressar de um mergulho num dia de setembro, Tristan Estaque descreveu à AFP uma paisagem apocalíptica debaixo de água, uma “floresta fantasma”: “Imagine uma árvore que não tem nenhuma folha nem casca”.
Nas mãos trazia um bocado de gorgónia (Paramuricea clavata) morta, uma pequena árvore bege com galhos nus.
“Normalmente esta espécie tem um tecido roxo cheio de pólipos”, lamenta. Sob a pressão de um calor contínuo e intenso, a gorgónia morre e o seu tecido fica cinzento e desfaz-se em pó.
De acordo com a Septentrion Environnement, ao largo de Marselha “70 a 90% da população de gorgónias vermelhas” na zona de 10 a 20 metros está morta.
Os poucos tecidos vivos retirados (cerca de 20% de cada “árvore”) são recolhidos e rotulados no barco, para uma análise genética.
A morte das gorgónias também foi observada na costa espanhola, na região de Toulon, bem como na ilha italiana da Sardenha, segundo Stéphane Sartoretto, que faz a monitorização de espécies no Instituto Francês de Investigação para a Exploração do Mar (Ifremer).
No Parque Nacional de Calanques, uma série de rios na costa perto de Marselha, a mortalidade foi especialmente alta porque as gorgónias estão a apenas seis metros da superfície em certas áreas. Nas Baleares, como vivem a uma maior profundidade, a cerca de 40 metros, o impacto foi menor, de acordo com Sartoretto.
Risco de extinção
O primeiro episódio bem documentado da mortalidade das gorgónias foi observado em 1999, “mas o aquecimento foi no outono, enquanto agora aconteceu muito cedo e não estamos livres de novos golpes de calor em outubro. ..”, lamenta Sartoretto.
Nos últimos dias as temperaturas baixaram, talvez possam ser “preservados aqueles corais que não foram afetados”, disse Solène Basthard-Bogain, mas sem ter certeza de que isso será suficiente para travar o fenómeno porque “se o calor favoreceu um patógeno, é provável” que ainda esteja presente.
Para as gorgónias destruídas, os cientistas estão pessimistas: “Como um incêndio florestal no solo, a resiliência é muito baixa para as gorgónias, vão demorar décadas a regenerar-se”, lamenta Sartoretto, sublinhando também a baixa taxa de reprodução destas animais marinhos.
“Podemos falar de desaparecimento se as ondas de calor se repetirem com muita frequência e, neste caso, o que acontecerá?”, questiona o cientista. Porque as gorgónias são “espécies de engenharia, que estruturam o fundo do mar”.
As gorgónias constituem “verdadeiras ‘florestas animais’ que albergam 15 a 20% das espécies conhecidas no Mediterrâneo”, segundo o Parque Nacional de Calanques.
O Mediterrâneo cobre menos de 1% da superfície oceânica do planeta e abriga “18% de todas as espécies marinhas conhecidas”, segundo um relatório da rede de especialistas mediterrânicos em alterações climáticas (Medecc), e já apresenta “a maior proporção de habitats marinhos ameaçados na Europa”.
Além da gorgónia vermelha, outras espécies foram afetadas pela onda de calor este verão, como as esponjas ou os bivalves, mas também um peixe, a mostelle – abrótea-da-costa ou abrótea-da-pedra. Em Espanha perderam-se este verão 150 toneladas de mexilhões além de 1.000 toneladas de mexilhões de viveiro.