Um estudo coliderado pelo paleontólogo português Ricardo Araújo sugere que a endotermia, um mecanismo metabólico vulgarmente conhecido por sangue quente, evoluiu nos antepassados dos mamíferos mais tarde do que se pensava, há cerca de 233 milhões de anos.
Segundo o estudo, publicado esta quarta-feira na revista científica “Nature”, a endotermia “terá surgido na mesma época em que evoluíram outras características observáveis em mamíferos, como a diversificação de funções das diferentes partes da coluna vertebral ou o aparecimento de bigodes e/ou pelos”, refere em comunicado o Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, que acolhe o Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, onde Ricardo Araújo trabalha usando vários equipamentos para caracterizar materiais.
Até agora, de acordo com a mesma nota, a “opinião mais consensual apontava para que a endotermia tivesse sido alcançada” na linhagem evolutiva dos mamíferos “há cerca de 252 milhões de anos”.
A endotermia é a capacidade que alguns animais possuem de utilizar o seu metabolismo para manter a temperatura corporal quente e constante.
O IST adianta que “o aumento da temperatura corporal nos antepassados dos mamíferos exigiu alterações na morfologia do ouvido interno, permitindo aos cientistas identificarem com rigor a evolução da endotermia através da análise da estrutura do ouvido” de fósseis, alguns descobertos em Moçambique.
Em declarações à Lusa, Ricardo Araújo explicou que a equipa olhou para “a anatomia dos canais semicirculares do ouvido interno de 56 espécies de ancestrais dos mamíferos” e verificou que “o tamanho do raio de curvatura” e a “espessura dos próprios canais que fazem parte do ouvido interno ficaram consideravelmente mais pequenos como resposta ao aumento da temperatura corporal”.
Para visualizarem os canais semicirculares do ouvido interno dos fósseis, o paleontólogo e outros investigadores socorreram-se de várias máquinas, incluindo o sincrotrão de Grenoble, um acelerador de partículas em França.
Justificando a relevância do trabalho, Ricardo Araújo salientou que o sangue quente é uma característica de mamíferos como os humanos, mas também de aves, que lhes “permite uma independência do clima externo” ou “correr mais longe e mais rápido”.
Numa futura investigação, o paleontólogo pretende “perceber a origem da endotermia na linhagem evolutiva das aves, ou seja, nos dinossauros”.
O estudo hoje divulgado envolveu também investigadores do Museu de História Natural de Londres, no Reino Unido, e do Museu Field de História Natural de Chicago, nos Estados Unidos.