Quatro mulheres e um homem, com idades entre 18 e 24 anos, todos com a forma mais grave de lúpus, participaram no estudo realizado pela Universidade de Erlangen-Nuremberga, na Alemanha. O tratamento com células CAR-T levou à remissão da doença nos cinco voluntários.
O que é o lúpus?
É uma doença autoimune, em que o sistema imune, que normalmente protege o nosso corpo, se vira contra si próprio e o ataca, provocando inflamação e alteração da função do sistema afetado. A inflamação provoca dor, calor, vermelhidão e inchaço. Não existe causa conhecida para o lúpus e também não existe cura.
O lúpus pode afectar muitos órgãos e sistemas diferentes e podem existir formas muito distintas da doença, podendo ter complicações muito graves, que exigem atenção urgente.
O sexo feminino é oito a dez vezes mais afetado pela doença. As idades mais frequentes para o início do lúpus são entre os 18 e os 55 anos.
As terapêuticas atuais permitem dar à maior parte dos doentes uma boa qualidade de vida, mas há quem não apresente melhorias mesmo com o uso de medicamentos.
Tratamentos vs terapia células CAR-T
Tendo em conta as limitações dos tratamentos em alguns doentes, os investigadores da Universidade de Erlangen-Nuremberga decidiram testar a terapia para o lúpus que utiliza células CAR-T, modificando as células T do próprio paciente e reintroduzindo-as no seu organismo. Os resultados deste estudo foram publicados na revista Nature Medicine.
Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo, o “pai” da terapia celular CAR-T, o imunologista Carl June, mostrou-se confiante nos benefícios deste tratamento, até agora utilizado para certos cancros hematológicos, noutras doenças não oncológicas como a esclerose múltipla e o lúpus. O estudo alemão publicado recentemente vem precisamente mostrar a remissão do lúpus eritematoso sistémico em cinco pacientes.
A terapia CAR-T é iniciada a partir das próprias células T do paciente que são extraídas e depois modificadas através da inserção de uma molécula (Recetor de Antigénio Quimérico – CAR) para eliminar as células B, visando certas proteínas na sua superfície. Esta estratégia tem prolongado a sobrevivência de doentes com certos tipos de leucemia, linfoma e mieloma múltiplo, em que as células B estão envolvidas.
Perante o sucesso alcançado, foi uma questão de tempo até que este método fosse testado noutras doenças autoimunes onde os linfócitos B também estão envolvidos, como é o caso do lúpus eritematoso sistémico.
Em algumas situações, esta doença pode produzir surtos que causam inflamação, danos nas articulações, músculos e outros órgãos tais como pele, rins, coração e pulmões, entre outros.
O caso de Thu-Thao
Os tratamentos atuais podem alcançar remissões prolongadas nos doentes, mas para alguns não são suficientes, como foi o caso de Thu-Thao V., uma jovem que participou neste estudo pioneiro.
Thu-Thao, a quem foi diagnosticado lúpus em 2017 no Hospital Universitário de Erlangen, relatou que nos piores momentos da doença teve de tomar quase 20 comprimidos por dia para lidar com dores nas articulações, retenção de líquidos devido a falência renal, bem como palpitações graves e queda de cabelo.
Depois de tentar várias terapias imunossupressoras sem sucesso, os médicos recorreram à imunoterapia celular CAR-T. Thu-Thao tornou-se a primeira paciente com uma doença reumatológica a receber tratamento com células CAR-T. Seis meses após a terapia, a jovem disse ter voltado a fazer desporto. Atualmente, dezassete meses depois, a doença ainda está em remissão sem necessidade de tratamento.
Especialistas mostram otimismo, mas recomendam prudência
Especialistas da Sociedade Espanhola de Reumatologia, consultados pelo jornal espanhol El Mundo para avaliar o impacto desta investigação na prática clínica, são cautelosos, dado o âmbito limitado do estudo. O reumatologista Carlos de la Puente Bujidos, porta-voz da Sociedade afirma: “A experiência relatada neste artigo deve levar-nos à curiosidade, ao otimismo e, claro, à prudência. Os resultados são excelentes, mas a duração do acompanhamento e o número de pacientes é limitado”.
Também José María Pego Reigosa, especialista do Complexo Hospitalar Universitário de Vigo, recomenda cautela.
Os tratamentos atuais para o lúpus eritematoso sistémico podem levar os doentes a uma remissão, que pode ser prolongada, podendo mesmo ser mantida por vários anos. Contudo, Pego Reigosa considera que atualmente “não podemos falar de uma cura no lúpus eritematoso sistémico, mas sim de remissões mais ou menos prolongadas, em que o paciente está livre em maior ou menor grau de sintomas e de qualquer manifestação clínica de lúpus. Pode também haver normalidade nas análises, mesmo em pacientes tratados apenas com antimaláricos. Isto é uma remissão clínica, mas não uma cura”.
Lúpus em Portugal
Em 2011/2012 foi realizado um estudo de grande dimensão que permitiu tirar algumas conclusões sobre a prevalência da doença.
Em entrevista ao Jornal Médico, em 2019, Luís Inês, reumatologista, responsável pelo Consulta de Lúpus do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, explicou que o EpiReuma analisou a prevalência de doenças reumáticas na população adulta em Portugal.
De acordo com o especialista, este estudo permitiu concluir que existem cerca de 100 casos de lúpus por cada 100 mil habitantes, resultados equiparados com o resto da Europa.