A Nova Medical School vai levar os médicos para a cozinha para que possam ensinar aos utentes que a alimentação saudável é mais do que cozidos e grelhados e ajudar a travar a pandemia das doenças crónicas.
“Muitas vezes, o doente processa a informação de forma errada. Por exemplo, quando o cardiologista diz que se tem de comer mais peixe, porque a gordura do peixe é específica, as pessoas muitas vezes vão cozer ou grelhar, perdendo a gordura saudável”, explica, à Lusa, Conceição Calhau, responsável pela área de Nutrição da Nova Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
“CULINARY MEDICINE”
Sobre o curso “Culinary Medicine”, que é lançado na quarta-feira, a especialista explica que o objetivo é dar aos médicos – internos e de medicina geral e familiar – ferramentas que respondam a um dos grandes desafios que a sociedade enfrenta: o combate às doenças crónicas.
“As pessoas, por vezes, não sabem sequer qual o peixe que devem comer, como o selecionar e como o cozinhar”, explica a especialista, acrescentando que “precisamos de preparar os médicos para a medicina preventiva, que passa pelos estilos de vida”.
“A cada 10 anos fazemos projeções [sobre estas doenças] e não deixamos de ver os números aumentar”, insiste.
A especialista lembra que os médicos “são a primeira linha de acesso ao doente e têm de saber daquilo que é a bioquímica, o metabolismo e os alimentos”, lembrando que “nada melhor do que uma aula prática na cozinha para saberem preparar os alimentos”.
OBJETIVOS DA ATIVIDADE
Conceição Calhau explica que, com este curso, se pretende também desmistificar a ideia de que só se deve comer cozidos e grelhados:
“Quando se fala de dieta mediterrânica não se fala de nada disto, estamos a falar de caldeiradas e ensopados.”
Diz ainda que com esta formação se ensina, igualmente, “a perceber como se fazem refeições rápidas, mas adequadas”, pois o “‘fast food’ não tem de ser sempre pouco saudável”.
“Um dos grandes problemas da população é comer fora, é comprar comida já feita e não conseguir, por falta de tempo ou por não saber, preparar as suas próprias refeições”, lembra.
PESO DAS DOENÇAS CRÓNICAS
A especialista aponta ainda o peso de doenças crónicas como a obesidade, hipertensão ou colesterol elevado para os serviços de saúde – em exames de diagnóstico, tratamentos e medicamentos – e diz que muitas vezes bastam algumas alterações na alimentação, juntamente com o exercício, para fazer a diferença.
“Não faz sentido ter os doentes não controlados, dependentes da farmacologia e presos de uma forma crónica a colecionar vários grupos de medicamentos”, acrescenta.
Conceição Calhau defende igualmente que a sustentabilidade dos sistemas de saúde só é possível com menos carga de doença e uma “medicina dos 4 pês”, que “é capaz de predizer o risco de cada um, de prevenir e de ser personalizada para poder ser participada”.
“Se as pessoas souberem o que é que para cada um dos casos têm de fazer, ao longo da vida, conseguem participar nesta ação, e não apenas participar no acesso aos serviços de saúde quando já estão doentes”, lembra.
COZINHA: “UM MITO”
A 1.ª fase desta formação abrange médicos internos e de médicos de medicina geral de familiar, mas, no futuro, abrangerá associações de doentes, para os ajudar a cozinhar as suas refeições tirando o melhor partido dos alimentos.
“É sempre um mito ir para a cozinha. Quando falamos em ingerir 25 a 30 gramas em fibra não é comprar cereais. Quando perguntamos às pessoas se nas hortofrutícolas consomem fibra dizem que sim, que comem salada, mas aquilo não tem praticamente fibra nenhuma”, exemplifica.
IMPORTÂNCIA DA VERTENTE AMBIENTAL
A especialista sublinha ainda a importância da vertente ambiental:
“Temos de perceber que se o clima mudou os alimentos também mudaram. O alimento que eu encontro hoje na natureza não é igual ao que comíamos há 50 anos atrás e, por isso, é possível que a pessoa tenha muito mais deficiências nutricionais. Os alimentos são menos ricos em determinadas coisas.”