O cientista português Tiago Ramalho, antigo engenheiro na Google DeepMind Technologies, disse numa entrevista à Lusa que “daqui a dez anos” a população mundial já não vai “imaginar o que é a vida sem inteligência artificial”.
O diretor executivo e cofundador da Recursive, uma startup com sede no Japão, acredita que, como “o campo está a mover-se tão rapidamente”, dentro de cinco anos, a inteligência artificial estará “incluída na maioria dos produtos e serviços”.
Dentro de uma década, a inteligência artificial tornar-se-á “uma tecnologia ubíqua”, disse Ramalho, a começar pelo processamento de linguagem natural, incluindo o ChatGPT e outros modelos capazes de gerar textos complexos.
O português defendeu que, nos últimos dois anos, a tecnologia chegou a um ponto em que “até funciona bastante bem” e a evolução tornou-se “um problema de engenharia”.
Ou seja, explicou Ramalho, o desafio será como aumentar o número e qualidade das bases de dados, reduzir os custos para obter uma resposta e adaptar os modelos “se calhar até para os telemóveis”.
De acordo com um estudo publicado em março por investigadores da Microsoft, a popularização da inteligência artificial vai afetar profissões sobretudo nas áreas de telemarketing, contabilidade, tradução, ensino e programação.
“Quando há uma transição tecnológica, há sempre pessoas que vão ficar prejudicadas e outras que vão beneficiar”, admitiu Tiago Ramalho, que acredita que “o resultado final tende sempre a ser positivo”.
Alguns cientistas acreditam que uma inteligência artificial com consciência poderá ser outro perigo. Um deles, o engenheiro da Google Blake Lemoine, disse em junho de 2022 que o modelo linguístico LaMDA da gigante tecnológica estava “vivo”.
A Google rejeitou as alegações de Lemoine e também Tiago Ramalho acredita que o LaMDA está simplesmente a “responder seguindo o contexto que está a receber” e a “fazer um bocadinho de encenação”.
“Se lhe perguntarmos `estás a sofrer fechado neste quadro de dados`, irá responder como numa história do Isaac Asimov (1920-1992)”, disse o português, referindo-se ao escritor de ficção científica.
“Ainda falta muito tempo” até à criação de uma inteligência artificial com “um diálogo interno, com preferências e valores e que não dependem das interações com seres humanos”, defendeu Ramalho.
O cientista considera que “o mais realista é os humanos coevoluírem com a tecnologia”, construindo uma sociedade com os benefícios de “uma simbiose entre agentes inteligentes de silicone” e humanos.
Ramalho dá como exemplo a tecnologia AlphaFold, da Google DeepMind, que “permite perceber a estrutura de uma proteína baseada no código genético”. “Isso é um problema que um humano simplesmente não consegue resolver”, sublinhou.
A Recursive, atualmente com cerca de 40 trabalhadores, está também a usar inteligência artificial para ajudar as empresas japonesas a criarem modelos de negócios sustentáveis, explicou o português.
A startup está, por exemplo, a otimizar as entregas ao domicílio de um grupo e a prever as necessidades de irrigação das florestas comerciais geridas na Indonésia pelo conglomerado nipónico Sumitomo.
“Nós tentamos sempre encontrar essa sinergia entre o que é bom para o ambiente e também bom para a empresa, porque às vezes é difícil vender a ideia de sustentabilidade”, explicou Ramalho.