Cientistas da Fundação Champalimaud identificaram um biomarcador “mais fiável para avaliar e melhorar a eficácia dos tratamentos” do cancro do pâncreas, um dos mais letais, divulgou hoje a instituição.
O biomarcador em questão são as chamadas vesículas extracelulares, “mini-células produzidas por praticamente por todas as células, incluindo as cancerosas”.
“Se os cancros muito agressivos, como o adenocarcinoma ductal pancreático, utilizam as vesículas extracelulares para desarmar o sistema imunitário, poderemos desenvolver novas terapias que tenham como alvo as vesículas extracelulares derivadas do tumor, tornando assim esses cancros menos resistentes aos tratamentos”, assinala, citado em comunicado da Fundação Champalimaud, o líder do trabalho, Bruno Costa-Silva, que coordena um laboratório que se debruça sobre os sistemas biológicos que suportam a doença oncológica.
O adenocarcinoma ductal pancreático é o principal tipo de cancro do pâncreas, “está a aumentar” e poderá até 2030 ser “a segunda causa de morte por cancro”, refere o comunicado.
A cirurgia continua a ser “o tratamento mais eficaz”, mas para a maioria dos doentes (70% a 80%) “não é uma opção viável”. Os tratamentos podem incluir, ainda, radioterapia e quimioterapia.
Atualmente, a avaliação da resposta dos doentes aos tratamentos baseia-se em exames de imagiologia (ressonância magnética e tomografia computorizada) e na mediação dos níveis de biomarcadores do cancro no sangue.
Porém, os exames vulgarmente usados “são incapazes de detetar pequenos tumores e de diferenciar os tumores benignos dos malignos” e “mesmo o mais comprovado biomarcador” do adenocarcinoma ductal pancreático “está ausente” em 5% a 20% dos doentes, adianta o comunicado da Fundação Champalimaud.
Em estudos anteriores, a equipa de Bruno Costa-Silva concluiu que as vesículas extracelulares (que têm material genético, proteínas e açúcares) que circulam no sangue podem ser usadas para “detetar, prever e localizar” as metástases (tumores secundários que derivam de tumores primários) do cancro do pâncreas, que “tem uma taxa de sobrevivência a cinco anos de 9%”.
O novo estudo, hoje publicado na revista da especialidade Cells Journal, verificou que as vesículas extracelulares de doentes com adenocarcinoma ductal pancreático “apresentavam níveis significativamente superiores de certas proteínas específicas em relação às vesículas extracelulares de pessoas saudáveis”, na palavras do oncologista Nuno Couto, que também participou no trabalho.
As proteínas em causa são as imunoglobulinas G (IgG), anticorpos produzidos pelo sistema imunitário do organismo para combater agentes infecciosos, como bactérias, vírus ou parasitas, ou células cancerígenas.
A equipa de cientistas da Fundação Champalimaud descobriu, a partir de “minúsculas amostras de sangue” de doentes, que as vesículas extracelulares “positivas para as IgG aumentam durante a progressão da doença” pancreática e “diminuem em resposta à terapia”.
Estas vesículas extracelulares “representam um novo biomarcador, que alarga o repertório de ferramentas disponíveis para avaliar o estado do tumor, em particular para os muitos doentes cujas células tumorais não apresentam o biomarcador ‘standard’ atual e para os quais as imagens” dos exames – ressonância magnética e tomografia computorizada – são o “único indicador de resposta ao tratamento”, salienta o mesmo comunicado da Fundação Champalimaud.
Os cientistas descobriram, ainda, que as IgG se ligam às vesículas extracelulares dos doentes com adenocarcinoma ductal pancreático através de um antigénio (proteína estranha ao organismo) conhecido do cancro, pelo que “suspeitam que as vesículas extracelulares que apresentam esse antigénio sejam libertadas pelo próprio cancro, fazendo com que as IgG se liguem às vesículas extracelulares em vez de se ligarem ao seu alvo designado, as células cancerosas”.