Cerca de 150 baleias-comuns regressaram às áreas onde ancestralmente se alimentavam, perto da Antártida. É a primeira vez que estes mamíferos voltam a ser encontrados juntos nesse local, desde que a caça à baleia foi proibida, há quase meio século, revelou uma investigação publicada na revista “Scientific Reports”. O momento, que foi filmado, foi descrito como um espetáculo antártico “emocionante”.
A descoberta inesperada é interpretada pelos investigadores como um sinal de esperança, não apenas para os trabalhos de conservação do segundo maior animal do mundo, mas também para a saúde dos ecossistemas oceânicos. As fezes das baleias fertilizam o fitoplâncton, uma espécie de planta microscópica que serve de alimento a pequenos animais parecidos com os camarões, conhecidos como krill, que, por sua vez, são a base da alimentação de golfinhos, focas, pinguins e outras espécies marinhas.
Durante o século XX, as baleias-comuns foram presas da caça industrial, que levou a espécie quase à extinção. O século passado ficou marcado, aliás, como um período durante o qual os caçadores destruíram sistematicamente as populações de baleias em todo o planeta. Ao todo, cerca de 700 mil baleias-comuns foram mortas durante o século XX, por causa do óleo da sua gordura corporal.
“As populações foram reduzidas para 1 ou 2% do tamanho original”, admite, ao jornal “The Guardian”, Helena Herr, da Universidade de Hamburgo, principal autora da investigação, publicada na revista “Scientific Reports”.
“Estamos a falar de alguns milhares de animais que restaram em toda a área do hemisfério sul.”
Embora os cientistas advoguem que o número de baleias-comuns está a ser restabelecido aos poucos desde a proibição da caça às baleias, em 1976, foram poucas as vezes em que estes mamíferos foram avistados a alimentar-se em conjunto. É por isso que a investigadora Helena Herr caracterizou este momento como “um dos maiores eventos da natureza”, em que cerca de 150 baleias-comuns foram encontradas e filmadas juntas.
UM “SINAL ENCORAJADOR” PARA UMA ESPÉCIE “VULNERÁVEL”
Imagens captadas com drones, e filmadas por cineastas da “Vida Selvagem”, da BBC, mostram as baleias-comuns a mergulharem e a nadarem naquelas águas, expelindo grandes rajadas de ar à medida que emergem, enquanto os pássaros voam no céu, acima destes mamíferos. “A água à nossa volta estava a ferver, porque as baleias subiam constantemente até à tona”, conta Helena Herr, que diz ter sido “emocionante” assistir a tudo.
O acontecimento só encontra precedentes semelhantes em duas expedições, em 2018 e 2019, durante as quais os investigadores captaram imagens de grupos de baleias-comuns, que oscilavam entre pequenas reuniões de alguns animais a oito grandes congregações de até 150 baleias. Mas o maior grupo detetado a alimentar-se ao mesmo tempo tinha, no máximo, cerca de uma dúzia de baleias.
Os autores do estudo estimam que possa haver quase oito mil baleias-comuns na Antártida. Trata-se de uma espécie que pode viver cerca de 70 ou 80 anos e ter apenas uma cria de cada vez, por isso a recuperação das populações tem sido um processo lento.
A investigadora da Universidade de Hamburgo acredita, no entanto, que o número crescente de baleias-comuns é um sinal encorajador, que mostra que as medidas de conservação podem mesmo funcionar, embora tenham surgido cada vez mais ameaças, incluindo grandes embarcações.
A União Internacional para a Conservação da Natureza define as baleias-comuns como “vulneráveis” e calcula que a população global seja de cem mil animais, com a maioria localizada no hemisfério norte.
ENGENHEIRAS DO ECOSSISTEMA
O aparecimento de mais baleias também pode ser um bom sinal para a saúde do oceano em geral, e até mesmo para o combate às alterações climáticas. Como as baleias se alimentam de krill rico em ferro e defecam nas águas superficiais, devolvem ao oceano nutrientes que ajudam a estimular o crescimento do fitoplâncton, a base da cadeia alimentar marinha. Tal como as plantas em terra, o fitoplâncton realiza fotossíntese, a partir da luz solar, e transforma o dióxido de carbono em energia e oxigénio.
Helena Herr, que avistou pela primeira vez um grande grupo de baleias por acaso em 2013, na Antártida, chama-lhes, por isso, as “engenheiras do ecossistema”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL