São Lourenço (ou Lourenço de Huesca), mártir e um dos primeiros sete Diáconos (guardiões do tesouro) da Igreja Católica, pereceu imolado sobre uma grelha ardente, sob a ordem do Imperador Romano, no dia 10 de Agosto de 258 (d.C.), na cidade eterna. Não sei precisar se esta data é segundo o calendário Juliano ou Gregoriano, mas inclino-me mais para este último.
Não por ser este o calendário que seguimos aqui no ocidente, mas por o dia 10 de Agosto, em que se celebra a festa litúrgica católica em honra ao mártir cristão, se situar entre os dias em que é possível observar uma maior intensidade e número de estrelas cadentes a cruzar o zénite nas noites cálidas do Verão. É que a tradição popular baptizou a chuva de estrelas, que deslumbra por esses dias a abóbada estrelada, por lágrimas de São Lourenço. A sobreposição entre a data da sua morte e o acontecimento astronómico faz-me situar o início da atribuição popular para depois de 1582, ano em que foi promulgado pelo Papa Gregório XIII o calendário com o seu nome.
Ou seja, só no verão de 1583 é que o nosso planeta Terra, na sua inexorável translacção à volta do Sol, sublimou um enxame de meteoros denominado por Nuvem Perseida por entre os dias 8 e 14 do mês de Agosto do calendário Gregoriano. Só por curiosidade, diga-se que o dia 10 de Agosto, do nosso calendário, seria o dia 28 de Julho no calendário Juliano. E dia 13 de Agosto, em que normalmente se prevê um pico na “precipitação” de estrelas cadentes conhecidas por Perseidas, corresponderia ao dia 31 de Julho segundo Júlio César.
Mas olhemos um pouco para o céu estrelado e deixemo-nos banhar por poeira cósmica. Uma estrela cadente, apesar do nome, não é uma estrela que acelera subitamente deixando um rasto atrás de si para nosso maravilhamento. É na realidade um meteoróide que entrou na atmosfera terrestre e que, devido ao atrito, originou um meteoro a sublimar um desejo de um observador persistente. Todos os anos, na noite de 12 para 13 de Agosto, não precisamos de procurar muito para impressionar de movimento meteorítico a retina ao olhar a abóbada celeste. É que o planeta Terra atravessa, nessa altura do ano, uma região do espaço interplanetário semeado de meteoróides, pouco maiores do que uma ervilha, e que polvilham o caminho percorrido pela cauda do gigante cometa periódico Swift-Tuttle (cerca de 28 km de diâmetro!) na sua órbita ao redor do Sol, a qual demora 133 anos terrestres! O primeiro registo de observação da passagem do cometa é de origem chinesa e data do ano 69 a.C. O último ocorreu em 1992, data da sua redescoberta.
Como acontece com qualquer outro cometa, quando se aproxima do Sol, o aumento dantesco na temperatura faz com que pequenos fragmentos do núcleo do cometa se desprendam e desenhem no espaço a trajectória da órbita deste. O nosso planeta atravessa em Agosto o rasto meteorítico da órbita do Swift-Tuttle, e um observador no hemisfério norte terá a sensação de contemplar uma chuva de meteoróides que aparentam jorrar de uma única origem (a radiante) na esfera celeste, próxima da constelação de Perseus. É comum observar uma centena de meteoros a se volatilizarem no espaço de uma hora, riscando a abóbada a uma velocidade média de entrada de cerca de 200 km/h (dados do Observatório Astronómico de Lisboa). A actividade máxima deste ano ocorre no dia 13 de agosto entre as 03h e as 16h. Em Portugal a melhor ocasião para a observar a olho nu será por volta das 03h, onde se poderá observar até 110 meteoros por hora.
António Piedade
(2019 – Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva)
(CM)