E se pedisse um café, se sentasse na mesa e o empregado que o serviu estivesse depois pendurado num tecido vertical? É esta a premissa da Casa das Virtudes, um projeto inovador em Faro que mistura convívio com artes. Um palco aberto a todos, onde não falta animação, descontração e, claro, momentos de talento.
O projeto surge pelas mãos de dois amigos. Ambos são “de vários locais” do país, como dizem, mas estavam em Lisboa até aceitarem o convite. Brigitte Virtudes foi a “culpada” de tudo isto acontecer. A cantora algarvia estava a desenhar o projeto para Lisboa, mas descobriu uma sala em Faro, na estrada do Passeio Ribeirinho, e disse de imediato aos dois jovens: “vocês têm de vir”. Em 15 dias, Ricardo Morujo e Gerald Oliveira estavam a mudar de vida, rumo ao Algarve, onde se sentem em casa, devido à “calma e tranquilidade” da cidade e à simpatia dos residentes e da Câmara Municipal, que apoiou desde logo o projeto.
A Casa das Virtudes é um espaço amplo, onde todos os dias acontece espetáculo. Tem o bar e as mesas, semelhantes a um café, mas tem um palco. Naquele palco, os dois amigos, em conjunto com Jéssica Barreto, apresentam diversos espetáculos de circo. A juntar a estas funções estão ainda a servir bebidas no bar, em contacto com os clientes, que devem perceber que o artista é “aquilo”, uma pessoa igual a tantas outras e não uma “estrela” que está no camarim. O objetivo deste espaço é também desmistificar o conceito de o público assistir a um espetáculo e ir-se embora. A zona de bar permite que estejam a acontecer várias coisas em simultâneo.
Ricardo Morujo conta que nunca quis ser bailarino, mas acabou por entrar para o mundo das artes e, ao longo dos seus 26 anos de vida, já compartilhou projetos com Marco Camillis. Fez depois teatro, para pagar o curso de química científica, do qual desistiu. Passou pelo Politeama e contracenou com João Baião. Para além de todos estes projetos, fez ainda a tour com a cantora Blaya. A paixão pelo circo surgiu durante a quarentena, com um dos seus amigos.
A propósito, Gerald Oliveira é o segundo elemento fundador da Casa das Virtudes e também o amigo de Ricardo Morujo que o levou para as alturas. Aos 31 anos, já trabalhou em companhias de teatro amador, distribuição de cartazes e montagem de luz. Começou por querer ser ator mas descobriu as artes circenses depois e participou como professor no Chapitô. Fez ainda a novela da SIC “Alma e Coração” (2018), como coreógrafo de algumas cenas que envolviam o tecido vertical.
Os amigos estão no Algarve desde setembro. Aos poucos, a Casa das Virtudes foi entrando no coração de quem a visita, apesar de ser um espaço recente e ter estado encerrado devido à pandemia. As obras abriram-se, o palco iluminou-se e, neste momento, aos poucos, tudo volta à normalidade.
“Três Virtudes” é um dos espetáculos principais neste momento
Entre as várias atividades pensadas para o futuro, este espaço quer abranger famílias e cruzar gostos e momentos. Convidar muitos artistas está no centro das prioridades da Casa das Virtudes. Todos terão o seu momento para brilhar, inscrevendo-se e tendo oportunidade de rodar chapéu e deixar que o público decida quanto vale o seu trabalho. Existe ainda a janela, que tem um vizinho que canta a meio das atuações. Para além disto, o espaço pode ser alugado para ensaios e serão dadas aulasa amadores e profissionais.
O espetáculo “Três Virtudes” nasceu na quarentena e será, como referem Ricardo Morujo e Gerald Oliveira, uma das atrações principais da Casa das Virtudes. Protagonizado pelos dois amigos e Jéssica Barreto, é uma utopia do que aconteceu na quarentena dos artistas, que passaram cerca de dois meses na mesma casa. O palco é decorado com um sofá, uma corda da roupa e vários outros elementos que nos remetem para a casa. O peso da notícia, as redes sociais, a televisão e a internet conduzem as emoções das personagens, que se vão mostrando mais ou menos influenciadas sobre o que está a acontecer no mundo. É a “loucura na quarentena” e o público interpreta aqueles 50 minutos como quiser: pode representar um dia, uma semana ou até toda a quarentena. “Felicidade, tristeza e emoção” são o mote condutor das “Três Virtudes”, que mostram as habilidades dos artistas circenses.
Apesar da pandemia ter “arrefecido” o negócio, ainda recente, a força dos dois jovens é imensa e a vontade de continuar também. A casa funciona a meio gás e existem muitas reservas canceladas, uma vez que as pessoas ainda se mostram receosas em saírem de casa. Contudo, o espaço cumpre as medidas da Direção-Geral de Saúde e, por ser de grandes dimensões, torna-se mais seguro. As artes estão neste momento a atravessar um momento delicado e Ricardo Morujo e Gerald Oliveira admitem não perder a esperança no seu negócio, que junta as suas paixões e ainda dá palco a outros artistas.
Nas alturas ou no bar a servir-lhe uma bebida, pode sempre visitar o espaço destes artistas que, no futuro, será a rampa de lançamento de novos talentos ou talentos mais conhecidos. A casa (com) virtudes impulsionará ainda a cidade de Faro, tornando-se não só de Ricardo Morujo e Gerald Oliveira, como também de toda a cultura algarvia e portuguesa.