O bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, felicitou o gesto do padre Anastácio Alves, acusado de abuso sexual de menores e que tentou entregar-se à justiça, considerando ter sido um ato para esclarecer a verdade.
“Quanto ao sacerdote da diocese do Funchal, a única coisa que eu posso dizer como cidadão e como bispo é que o felicito pelo gesto que ele teve. Aquilo que eram os relatos das notícias é que havia dificuldades desde 2018 em o encontrar, não sei como são os mecanismos de justiça”, disse aos jornalistas o presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023.
“Só tenho, nas minhas orações, de dar graças a Deus por este sacerdote, na sua reflexão e na sua introspeção, ter concluído que era importante esclarecer a verdade e entregar-se às autoridades”, precisou.
O bispo auxiliar de Lisboa considerou também “que é de aplaudir” o ato do padre do Funchal, frisando que, se um cidadão cometeu ou é acusado de “uma falha grave”, o Estado de direito garante-lhe que se defenda e, se “tem consciência que cometeu uma falha”, tem também “a disponibilidade para se apresentar perante as autoridades, sejam policiais ou de investigação”.
Questionado se a Igreja mandou o padre Anastácio Alves para o estrangeiro, Américo Aguiar respondeu que a pergunta tem de ser feita à diocese do Funchal.
“Aquilo que eu posso garantir naquilo que é o território da diocese e Lisboa, desde abril de 2019, é que tudo o que aconteça no âmbito de qualquer denúncia ou suspeita de qualquer sacerdote ou pessoa da área da igreja, o que fazemos é o que está recomendado. A partir do momento em que alguém apresenta uma denúncia, a comissão diocesana de Lisboa aciona os seus mecanismos e imediatamente, exatamente ao mesmo tempo, apresentamos ao Ministério Público”, sustentou.
Questionado ainda sobre se a questão dos abusos sexuais tem impacto na Igreja e na Jornada Mundial da Juventude, o presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 disse que a notoriedade da Igreja e da JMJ é irrelevante perante sofrimento das vítimas.
“A notoriedade da igreja, a notoriedade da jornada, a notoriedade seja de quem for não tem comparação absolutamente nenhuma com o sofrimento de um jovem, de uma criança ou de alguém vulnerável que tenha sido vítima de um crime hediondo como este”, afirmou.
Entretanto, a Procuradoria-Geral da República indicou que não notificou o padre José Anastácio Alves e referiu que a sua detenção era “inviável” por não existir um mandado judicial.
De acordo com uma nota divulgada no site do MP em janeiro deste ano, quando foi emitido um pedido de cooperação judiciária internacional, o ex-padre madeirense foi acusado de quatro crimes de abuso sexual de crianças e um crime de atos sexuais com adolescente, tendo sido realizadas diligências para o localizar, em França e Portugal, que “resultaram infrutíferas”.
Em setembro de 2018, quando o padre Anastácio Alves exercia funções em França, a Diocese do Funchal comunicou o seu afastamento da ação pastoral por suspeita de abuso sexual de um menor na região autónoma.
Anastácio Alves tentou entregar-se à justiça na semana em que foi divulgado o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja, divulgado na segunda-feira.
Esta comissão independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht iniciou a recolha de testemunhos de vítimas em 11 de janeiro de 2022, tendo validado 512 denúncias das 564 recebidas, o que permitiu a extrapolação para a existência de um número mínimo de 4.815 vítimas nos últimos 72 anos.
A Conferência Episcopal Portuguesa vai tomar posição sobre o relatório, de quase 500 páginas, numa Assembleia Plenária agendada para 03 de março, em Fátima.