No final de fevereiro, a Guarda Nacional da Ucrânia partilhou um vídeo no Twitter que mostrava militares ucranianos a misturarem banha de porco nas balas que seriam usadas para combater chechenos muçulmanos dispostos a lutar em representação da Rússia.
“Queridos irmãos muçulmanos. No nosso país, vocês não irão para o paraíso. Não vos vão deixar ir para o paraíso. Vão para casa, por favor. Aqui vão encontrar problemas. Obrigado pela vossa atenção, adeus”, dizia em ucraniano um dos membros do batalhão Azov, enquanto juntava a gordura animal às munições.
Esta será das ações menos agressivas que o Batalhão Azov realizou nos últimos tempos. Constituído sobretudo por voluntários afectos à extrema-direita, o grupo foi criado em 2014 por Andriy Biletsky, ultra-nacionalista e ex-deputado ucraniano. Lutaram ao lado das forças armadas da Ucrânia – incorporados na Guarda Nacional – contra os separatistas pró-russos no Donbas.
“Não tenho nada contra os nacionalistas russos (…) mas o Putin nem sequer é russo. Putin é um judeu”, explicava um membro do Batalhão Azov – adepto de Hitler e negacionista do Holocausto – ao “The Guardian” em Mariupol, em 2014. Dois anos depois, o grupo separou o braço militar do braço político, mas isso não impediu os seus membros de serem investigados pelas autoridades por crimes de ódio. Em 2018, por exemplo, destruíram um acampamento de ciganos nos arredores de Kiev.
O escudo do grupo inspira-se no símbolo pagão “Wolfsangel”, também usado pela organização paramilitar nazi SS durante o Terceiro Reich. “Não há forma de suavizar isto: as posições racistas das figuras de topo do Batalhão Azov desde a sua fundação podem ser descritas de forma acertada como neo-nazis. O facto de o governo ucraniano estar a colaborar abertamente com o grupo é um problema grave para qualquer pessoa liberal, democrata ou ativista dos direitos humanos”, escreveu recentemente a revista “The Newstatemen”.
O grupo tem acolhido vários voluntários estrangeiros desde que a guerra começou. “O Batalhão Azov tem o benefício de poder escolher [os seus membros], dado que há muitas pessoas a querer entrar”, explica o cientista político Vyacheslav Likhachev, que garante que a milícia tem atualmente pessoas de várias origens étnicas e religiões, num artigo publicado no portal “Euromaidan Press”.
Agora que está novamente a combater a Rússia, esta milícia armada é talvez uma das únicas partes da sociedade ucraniana que dá legitimidade ao argumento de Putin para justificar a guerra – é preciso “desnazificar” a Ucrânia – e, por isso, tem sido um dos principais alvos da propaganda de Moscovo. Em Portugal, o Partido Comunista Português (PCP) também tem usado a existência deste batalhão e as suas raízes extremistas para continuar a posicionar-se do lado errado da guerra.
Tal como em 2014, há neste momento cerca de mil homens do Batalhão Azov a defender Mariupol, onde o grupo nasceu e de onde retirou o nome (Mar de Azov, que banha a cidade no sul do país). Estão extremamente bem preparados para combater e nas últimas semanas têm vindo a dar treino militar aos civis que ficaram para defender a cidade.
A milícia voltou a estar nas bocas do mundo na semana passada, depois de Volodomyr Zelensky ter dado tempo de antena a um Azov durante o seu discurso no parlamento da Grécia. Esta semana, membros do grupo garantiram que um drone russo tinha largado uma “substância venenosa” sobre militares e civis em Mariupol, causando falhas respiratórias e problemas neurológicos. Até agora, a utilização de armas químicas por parte da Rússia na Ucrânia ainda não foi confirmada por qualquer entidade independente.
Em 2019, o Congresso norte-americano tentou catalogar o grupo como uma “organização terrorista”, mas a medida não foi aprovada. De qualquer forma, sabe-se que o Batalhão Azov tem expandido a sua rede de contactos nos círculos da extrema-direita europeia – incluindo com movimentos da extrema-direita alemã, segundo o canal DW, que cita informações do próprio governo agora liderado por Olaf Scholz.
Vyacheslav Likhachev, também investigador na área dos direitos humanos, concede que o fundador do Batalhão Azov é racista e de extrema-direita, mas, apesar de todos os sinais em contrário, garante que o grupo atualmente não glorifica a ideologia nazi e dá como exemplo esta mensagem, publicada no canal oficial de Telegram do grupo a 28 de março: “Nós desprezamos o nazismo e o estalinismo”.
A dinâmica atual do Batalhão Azov não será assim tão linear, mas há uma coisa que é: antes de a guerra começar, a Ucrânia tinha cerca de 196 mil militares ativos. Ora, as estimativas sobre o número de membros da milícia variam entre mil e cinco mil homens – mas mesmo que fossem 10 mil, “a força máxima dos Azov representaria 5,1% das forças armadas ucranianas”, contextualizou a “The Newstatemen”.
Estas contas servem para desmontar o argumento “nazi” usado pelo Kremlin e por dirigentes comunistas portugueses. “Nenhum destes números servem para branquear a ameaça extremamente credível da extrema-direita ucraniana para minorias étnicas e a sociedade civil no país”, explica a revista. “[Mas] servem para contextualizar essa ameaça, porque está a ser usada por Moscovo para justificar uma guerra de agressão contra o povo ucraniano e a sua jovem e frágil democracia”, finaliza.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL