Dificilmente Mark Zuckerberg esquece a passada segunda-feira. Depois de uma quebra de 4,9% da valorização bolsista que lhe tirou seis mil milhões de dólares (€5,17 mil milhões) à fortuna pessoal e valeu a saída do clube dos mais ricos do mundo, o líder do Facebook deparou-se com um “apagão” de escala global que impediu internautas de aceder à maior das redes sociais, bem como ao Instagram, e às plataformas de mensagens Messenger e Whatsapp entre as 16h00 e as 22h00 de Lisboa. Cada hora terá representado uma perda de 545 mil dólares (€470 mil) para o grupo. E muitos mais dólares terão sido perdidos pelos 3,5 mil milhões de internautas que usam as plataformas para fazer negócio. Já com o serviço reposto na plenitude nesta terça-feira de madrugada, os responsáveis do Facebook justificaram o “apagão” com um problema de redes.
“Queremos deixar claro, neste momento, que acreditamos que a principal causa deste “apagão” terão sido uma alteração errada nas configurações”, referiu o blogue gerido pela equipa de engenharia do Facebook.
A urgência em apresentar uma explicação pode ser facilmente justificável pelo facto de o grupo liderado por Zuckerberg ter um número de utilizadores equiparável a metade da humanidade, mas uma outra razão de ordem política poderá também ter contribuído para a necessidade de acalmar os mercados: no domingo, uma ex-trabalhadora do grupo Facebook deu uma entrevista ao conhecido programa 60 Minutes, do canal de TV CBS, que confirmou muitas das notícias que começaram a sair na semana passada com dados reveladores da política interna do Facebook, no que torna à hierarquia e à apresentação dos conteúdos publicados nas redes sociais.
APAGÃO HORAS DEPOIS DA ENTREVISTA DE DENUNCIANTE
Segundo a denunciante Frances Haugen, os responsáveis do Facebook tinham conhecimento dos efeitos nefastos das redes sociais que gerem para a saúde mental dos internautas, e não terão tomado medidas no que toca ao controlo do discurso de ódio a seguir às eleições que levaram Joe Biden à presidência dos EUA, e que viriam a ser contestadas pouco depois por uma invasão do Capitólio.
Segundo Haugen, os algoritmos do Facebook estão criados para fomentar o choque de opiniões e a reação emotiva dos internautas, a fim de garantir maiores receitas através da inclusão de anúncios.
Não é a primeira vez que o Facebook é acusado de inquinar o espaço político, e não será de estranhar que o mais recente caso de denúncia acabe por abrir uma investigação das autoridades políticas sobre a matéria, mas essa será uma dor de cabeça com que Zuckerberg e os colegas de administração terão de lidar a médio prazo.
No curto prazo é a falha técnica que concentra as atenções – e também neste caso é previsível que as autoridades locais possam querer apurar o que realmente se passou. E se não for o poder político, poderão ser as entidades reguladoras do mercado de capitais as rédeas da investigação – até porque o poder de mercado do grupo do Facebook é substancial e há vários negócios que hoje dependem das respetivas plataformas para operar.
Ainda o “apagão” estava longe de ter sido sanado e já começavam a circular em redes sociais concorrentes do Facebook as primeiras teses relacionadas com as potenciais causas para a falha de escala global. A mais previsível de todas – o ciberataque vindo de fora da organização – foi a primeira a ser descartada.
Também se admitiu que uma eventual sabotagem interna, mas essa eventualidade, a ter existido, dificilmente poderá ser apurada nos próximos dias, dada a complexidade envolvida.
Esta terça-feira, o blogue de engenheiros do Facebook, que permanece indexado para pesquisas no Google, mas curiosamente permanece inacessível (as reações oficiais são conhecidas apenas através da imprensa americana), confirmou a existência de uma falha na gestão das redes internas, sem fornecer muitos detalhes.
FALHA DE REDE É A CAUSA PROVÁVEL
Aparentemente, esta confirmação coincide com as teses que começaram a circular entre especialistas de cibersegurança e redes que deram como provável uma falha no roteamento do tráfego da Internet. Segundo os peritos, a falha terá incidido sobre os sistemas conhecidos pela sigla DNS (de Domain Name System; ou Sistema de Nomes de Domínios, em português), que suporta os endereços da Internet. A tese pode ser plausível, mas o Facebook ainda não a confirmou oficialmente – e limitou-se a remeter para uma falha de rede (sendo que, tecnicamente, é correto classificar uma falha no DNS como uma falha na rede).
O DNS é conhecido por associar endereços alfanuméricos que os internautas inscrevem nos respetivos navegadores para entrar nos vários sites e plataformas a conjuntos de dígitos, que são conhecidos por endereços de Protocolo Internet (ou endereços IP).
Os endereços alfanuméricos garantem a conveniência para o utilizador na hora de se lembrar de um nome de uma marca ou empresa, mas são os endereços IP que realmente servem de guia para encaminhar os internautas para os diferentes serviços. E por isso quando um internauta escreve Facebook.com ou Instagram.com, o navegador encaminha-o para os endereços IP que lhes estão associados – sejam eles fixos (que nunca mudam) ou dinâmicos (vão sendo substituídos, dentro de um conjunto de endereços IP pré-selecionados).
Se por algum motivo esta associação entre endereços alfanuméricos e endereços IP é quebrada, os internautas deixam de ser encaminhados para os sites desejados e passam a ser confrontados com mensagens de erro dos navegadores. O que na gíria é conhecido como falha de roteamento do tráfego da Internet – possivelmente uma das falhas mais elementares que qualquer gestor de rede tem de evitar, mas que é também um dos piores pesadelos para qualquer empresa que faz negócio na Internet.
CARRO FECHADO, COM AS CHAVES LÁ DENTRO
No rescaldo da falha de grandes proporções não falta quem admita a existência de erro humano. “Basicamente, o Facebook fechou o carro com as chaves lá dentro”, resumiu em metáfora Jonathan Zittrain, diretor do Centro Klein, que opera na Universidade de Harvard, quando questionado pela Reuters.
A mesma Reuters confirmou, através de vários profissionais sob anonimato, que mesmo as redes internas da empresa “caíram” com a falha. O que impediu os trabalhadores da rede social de prosseguirem com as atividades rotineiras durante as horas de “apagão”. Esta informação leva a crer que, possivelmente, houve mesmo uma falha de roteamento – mas só mesmo o Facebook, depois de efetuadas as devidas auditorias, poderá confirmar mais tarde.
“A todos os pequenos e grandes negócios, famílias, e indivíduos que dependem de nós, o nosso lamento”, referiu Mike Schroepfer, diretor de Tecnologias do Facebook sobre o “apagão”. O gestor do Facebook admitiu ainda que a recuperação total dos sistemas poderá ainda “levar algum tempo”.
As intervenções públicas até poderão ser bem-sucedidas no que toca a mitigar os efeitos nefastos do “apagão” de segunda-feira. Mas no Facebook todos sabem que esse é apenas o desafio mais premente: quando toda a população já se tiver conformado com a ideia de que as redes falham mesmo quando se geridas pelas maiores marcas da Internet, é provável que Zuckerberg e respetivos membros da administração passem a ter de concentrar esforços para se defender das oito queixas que os advogados de Frances Haugen apresentaram à SEC (Securities and Exchange Commission) que supervisiona os mercados bolsistas americanos. Mais tarde ou mais cedo, serão escritos os novos capítulos no pesadelo que assola a maior das redes sociais.
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso