A associação Quebrar o Silêncio apoiou 718 homens vítimas de violência sexual em sete anos de atividade, tendo registado um aumento de casos em que a violência acontece em idade adulta, situações em que procurar ajuda é particularmente difícil.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da associação, que se dedica a apoiar homens vítimas de violência sexual, adiantou que só em 2023 recebeu 124 novos pedidos de ajuda por parte de homens e rapazes sobreviventes, “o que representou uma média mensal de 15 novos pedidos de ajuda no primeiro semestre”.
Entre os pedidos de ajuda que chegam à associação, Ângelo Fernandes apontou que se tem verificado “um aumento gradual nos últimos anos de homens que foram abusados em idade adulta”.
Estes casos apresentam “algumas especificidades”, nomeadamente quando a questão é procurar ajuda ou denunciar, já que “ainda existe muito a crença de que homem que é homem não pode ser vítima de violência sexual”, disse.
Muitas situações acontecem em contexto de relações de intimidade
O presidente da associação explicou que muitas das situações acontecem em contexto de relações de intimidade, em que o abuso é levado a cabo por uma pessoa próxima e de confiança da vítima, salientando que há também denúncias de abusos em contexto de serviços de saúde, por exemplo, em consultas ou tratamentos.
Foi o que aconteceu a João (nome fictício), 37 anos, que conta como, durante várias consultas de osteopatia, se viu obrigado a ficar nu em todas as sessões e era alvo de toques inapropriados por parte do osteopata.
“Era um cenário muito estranho”, recorda, admitindo que nunca apresentou queixa junto das autoridades e que a procura de ajuda tem sido uma jornada que, com o apoio da Quebrar o Silêncio, tornou possível falar sobre o assunto.
João compreende como o seu caso pode causar estranheza a quem ouve, que não compreenderá como se sujeitou várias vezes à situação e não reagiu no imediato, mas tem para si a convicção de que o facto de ter também sido abusado ainda em criança e de ter guardado para si esse episódio pode ajudar a explicar, desde logo na reação de pânico de quem se vê a passar novamente por um trauma que achava esquecido.
Já António (nome fictício), 46 anos, que dá o seu testemunho por escrito, relata como nunca esperou ser vítima de abusos sexuais “numa aula de grupo de ginásio, onde estão várias pessoas presentes”.
“Foi exatamente isso que me aconteceu. (…) A meio da aula, num exercício de alongamentos, o professor veio corrigir a minha postura. (…) O problema foi que ele começou a tocar-me mais do que era esperado e a posicionar-se atrás de mim. (…) Achei estranho pois não era necessário ele estar cada vez mais colado ao meu corpo. (…) Aos poucos fui tentando afastar a minha cara da dele, mas isso só fez com que ele forçasse a sua pélvis contra as minhas nádegas. Não sabia o que mais podia fazer”, contou, acrescentando que “as outras pessoas na aula não disseram nada”.
Ginásio “não demonstrou abertura” para o escutar “nem qualquer tipo de empatia”
Refere ainda que decidiu contactar a Quebrar o Silêncio para pedir ajuda e depois de ter tentado denunciar a situação junto do ginásio, que diz que “não demonstrou abertura” para o escutar “nem qualquer tipo de empatia”.
Ângelo Fernandes explicou que nestes, como em casos semelhantes, o abusador faz-se valer do seu estatuto e do seu poder para abusar, partilhando de um sentimento de impunidade e de segurança bastante alto, chamando a atenção para a necessidade de “cada vez mais trabalhar a empatia”.
“A esmagadora maioria das vítimas numa situação destas paralisa, congela. Ou seja, as pessoas muitas vezes têm expectativa de que a vítima pode reagir ou fugir dizendo alguma coisa ou até mesmo lutar fisicamente para tentar parar o abuso, mas a maioria congela”, apontou.
O responsável sublinha que o facto de a vítima não reagir não representa qualquer forma de consentimento: “Estamos a falar de uma reação natural do cérebro, que faz com que as pessoas paralisem”.
Segundo Ângelo Fernandes, os pedidos de ajuda que chegam à associação por parte de homens vítimas de abusos em idade adulta representam já cerca de 10% do total de apoios e acredita que vão continuar a aumentar.
Sustenta a sua convicção no facto de em 2020 a associação ter registado apenas dois casos, número que aumentou para 12 em 2023.
Acrescentou que é um dos objetivos para 2024 trabalhar no sentido de “desocultar esta realidade”, demonstrando que estes casos também acontecem a homens adultos e que é preciso que consigam reconhecer o abuso e que peçam ajuda.
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