Proibido pelo Governo Civil de Faro em 1892, o bioco, capa preta que cobria então as algarvias da cabeça aos pés, foi reinventado por Lurdes Silva, que espera que a peça volte a ser usada.
“O objectivo é recriar peças do passado aliando o design. Peças com identidade, com história, com tradição”, contou à Lusa a empresária, que lançou no início do ano uma nova linha de biocos para Inverno e Verão, agora recheados de cor.
O Museu do Trajo de São Brás de Alportel tem uma réplica que o director do Museu, Emanuel Sancho, mostrou à Lusa enquanto recordou as polémicas que levaram à proibição dos biocos na região.
“É uma das peças mais carismáticas do Algarve”, comentou, acrescentando que ainda que alguns liguem a peça à influência árabe, os biocos eram muito utilizados em toda a Europa até ao século XIX.
A moda foi ditando o desuso da peça pela Europa e a sua permanência no Algarve acabou por ser encarada pelos “modernistas da época” como um sinal de subdesenvolvimento da região, explicou Emanuel Sancho.
O bioco também não saiu beneficiado com relatos de que era usado para o contrabando e furtos, para a prostituição e até por homens que queriam ridicularizar pessoas saindo impunes por não serem identificados.
A sua proibição deu-lhe notoriedade e suscitou polémica entre quem defendia e criticava, e, à medida que o negro do bioco desaparecia das ruas algarvias com acção atenta da polícia, poetas, jornalistas, escritores e muitos mais transferiram o negro do bioco para as páginas dos jornais.
Maria Veleda defendeu o bioco em nome da liberdade feminina
Emanuel Sancho observou que a algarvia Maria Veleda, “feminista notável”, escreveu um artigo em 1901 “defendendo o bioco em nome da liberdade feminina”.
“Isto é surpreendente e obriga-nos a compreender a mentalidade daquele tempo”, acrescentou, recordando que enquanto o bioco era usado as mulheres tinham liberdade para sair a qualquer hora sem companhia e quando foi proibido passaram a ter de sair sempre acompanhadas.
O director do Museu contou que ainda existem pessoas que se recordam de ver mulheres a usarem o bioco em Olhão entre 1920 e 1930.
Lurdes Silva faz questão de que quem compre um bioco saiba que ele é mais do que uma peça de roupa – é uma peça com história e tradição.
“Todas as peças contam a história em português e em inglês, ou no forro ou na parte exterior, como é o caso da peça de Verão”, explicou a empresária.
As peças têm suscitado interesse e encomendas tanto no modelo “Bioco Mistério”, na versão de Verão (em algodão) e na versão de Inverno (em lã), como no modelo “Bioco Paixão”, com três capas e que também tem uma versão de meia estação em ganga.
“A tradição deverá ser algo muito mais dinâmico, por isso, o facto de o museu ter colaborado com este projecto do Bioco Tradition deixa-nos muito orgulhoso de ver o bioco traçar novos caminhos de modernidade”, disse Emanuel Sancho, que dirige o Museu do Trajo de São Brás de Alportel, cujo inventário ultrapassa as 15 mil peças desde finais do século XVIII.
As encomendas chegam através do portal electrónico da marca e da sua página de facebook ou em eventos em que os biocos são apresentados em público, mas Lurdes Silva espera em breve poder divulgar alguns locais onde as peças, totalmente feitas em Portugal, vão estar à venda.
(Agência Lusa)