Francisco Serra é o rosto da Europa na região mais multicultural de Portugal: a região algarvia.
É presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR Algarve) e, por inerência, gestor do programa operacional regional (CRESC Algarve 2020), no âmbito do Portugal 2020.
Desde a nossa adesão à União Europeia até ao final deste programa quadro, o Gestor Europa na região diz que o Algarve tem tido apoios que somarão cerca de cinco mil milhões de euros de investimento, incluindo a contrapartida nacional.
Porque é que, na sua opinião, é essencial a participação nestas eleições europeias?
Qualquer cidadão deve interessar-se pelo processo eleitoral para as europeias, no sentido de que a Europa foi perspetivada com o objetivo de união dos povos, de evitar conflitos regionais e, de alguma maneira, ser motor do progresso e de paz.
Nós, com todas as vicissitudes, temos conseguido esse progresso e essa paz. Depois da Segunda Guerra Mundial, com altos e baixos, temos conseguido dar passos significativos no sentido da consolidação de uma ideia da Europa, respeitando os valores fundamentais dos direitos humanos, o pilar dos direitos sociais e das políticas sociais e da coesão.
Como distinguiria o processo construtivo da União Europeia de outras realidades?
Se compararmos o processo evolutivo da construção europeia com outros processos, como os Estados Unidos da América, os Estados Unidos do México ou mesmo com o Brasil, são projetos que já estão consolidados e que, tendo as suas particularidades de organização supranacional, conseguiram de alguma maneira afirmar a ideia, não só interna, mas também para a comunidade internacional, de uma identidade unitária, apesar de serem constituídos por vários Estados.
“A construção europeia atual não resultou da desagregação de uma identidade anterior”
No caso da Europa, nós temos alicerçada a base do processo de construção europeia, não só no respeito pelos países, como também pelas suas tradições, pela sua língua e pelo respeito pelas suas autonomias. A construção europeia é um processo de construção de uma nova identidade que, contrariamente a outros processos, não resulta da desagregação de um sistema identitário anterior, resulta de uma vontade agregadora de identidades já constituídas, cada uma delas com forte identidade própria.
E o caso do Reino Unido?
No caso do Reino Unido, estamos perante uma intenção, ainda não concretizada, mas que está formalizada pelo menos na vontade do povo britânico, de sair da União Europeia, talvez ainda por uma questão de identidade muito marcada pelo passado imperial, pelo passado que, de alguma maneira, ainda não se esbateu o suficiente para participar ativamente numa construção identitária diferente.
O que distingue a União Europeia de processos históricos de agregação territorial ocorridos no passado?
O caso da construção europeia atual não resultou da desagregação de uma identidade anterior. É um processo que assenta muito na vontade, no empenhamento diário para ultrapassar algumas dificuldades, que ainda resultam da forte identidade de cada um dos países, para nos conseguirmos juntar em objetivos de maior importância e impacto, para podermos resolver problemas de dimensão superior à nossa escala nacional.
Temos várias instituições na Europa. Desde logo, o Parlamento Europeu, a Comissão, as direções gerais e os restantes de instrumentos de gestão, não só política, mas também gestionária, para resolver os problemas desta construção que estávamos a falar, desta identidade.
Quais as iniciativas europeias que mais destacaria?
Além de todas as iniciativas a nível empresarial, destacaria as iniciativas ao nível social e, muito particularmente, algumas iniciativas europeias que não têm a ver propriamente com instituições, mas que tem a ver com ações concretas, como por exemplo o Erasmus. O Erasmus, num primeiro momento, era um movimento de mobilidade de jovens estudantes, que agora se tornou num movimento massivo, alargado a outros participantes, como por exemplo, professores e funcionários.
A Europa é construída de acordo com a lógica de que cada um é autónomo, mas o que importa é agregar vontades e trabalhar para um determinado objetivo que é, neste caso, o da mobilidade, da interculturalidade, de estarmos permeáveis a experiências de vida diferentes, e que isso seja, ou tenha como resultado, uma nova visão, uma nova experiência, uma nova sabedoria.
“Os jovens de hoje são cidadãos do mundo no contexto europeu”
Uma parte significativa dos nossos jovens têm hoje oportunidade de fazer mobilidade. Veem o contexto da vida e da mobilidade, de uma forma geral, muito mais aberta e descomplexada do que nas gerações anteriores. Desde logo porque havia toda a questão das fronteiras e dos passaportes. O leque de oportunidades para trabalhar noutros países também era reduzido.
Todos esses movimentos, hoje em dia, levaram a que de uma forma geral, os jovens na Europa se sintam cidadãos do mundo, no contexto europeu. A questão do estudo e do trabalho é hoje encarado pelo jovem europeu de uma forma completamente diferente do que era anteriormente.
“Temos uma região europeia que é a Região AAA, aqui no sul peninsular”
Como são as nossas relações com a Andaluzia no contexto europeu?
Falando da questão de Portugal e Espanha, temos no sul peninsular uma região europeia que é a Região AAA – Região Algarve, Alentejo e Andaluzia, que nós até presidimos nesta altura. É uma região que, não tendo o formalismo de uma região administrativa ou de um governo regional europeu, nada desse género, tem mecanismos de cooperação suficientemente afinados para uma cooperação permanente em termos culturais, de intercâmbio económico e de participação em projetos transfronteiriços com o apoio de fundos comunitários do Interreg.
Por exemplo, a gestão ecológica no sul peninsular, do Golfo de Cádis até à nossa Ria Formosa, é uma questão supranacional que tem que encontrar mecanismos inter-regionais e transfronteiriços, para poder ser gerida como um ecossistema natural muito específico. Esse ecossistema é ele próprio uma identidade que importa preservar e valorizar. E isso pode-se fazer cada vez melhor ao nível das regiões se nós todos tivermos não só as competências e os instrumentos, mas também a vontade.
A tal construção europeia como projeto de vontade…
Nós só conseguimos levar esta identidade supranacional, a que nós chamamos União Europeia, a patamares muito elevados de identidade no contexto do planeta, relativamente a outras realidades no mundo, através da capacidade de afirmação cultural, de afirmação civilizacional, para além dos fatores de inovação e competitividade no domínios da economia e todos nós que estamos cá dentro somos parte e contribuímos para essa identidade mais global que é a União Europeia.
Portanto, como cidadão europeu, embora completamente comprometido com a minha cidadania portuguesa, não vejo outra maneira de progredirmos no sentido que os nossos avós, os nossos pais, pensaram a Europa, que não seja interessando-nos pela sua continuidade e reforço.
“O que se pede aos cidadãos europeus é que participem”
Como acha que devemos encarar as próximas eleições europeias?
É aqui que entramos num capítulo que é comum a todas as outras realidades: a construção de qualquer identidade, mesmo em Portugal, mesmo no Algarve, mesmo no nosso município ou na nossa casa, depende sempre dos projetos de vida que nós temos, da forma como nós encaramos as coisas. Se encaramos as coisas de maneira positiva, tentamos ultrapassar as dificuldades, não voltando a cara à luta! Se algumas coisas não nos agradam, tentamos intervir para que “as coisas entrem nos eixos”, como se costuma dizer. Mas se as coisas me agradam, então eu também não posso deixar de me interessar para continuar num bom caminho.
O que significa que a intervenção dos cidadãos, por um lado na construção do projeto europeu, mas também na sua responsabilidade para com este projecto, tenha as consequências que nós queremos para nós: de bem-estar, de respeito pelos direitos humanos e pelo ambiente que traz qualidade de vida e prosperidade.
O que se espera dos cidadãos europeus é que participem, pelo menos do ponto de vista da intensidade que colocam no seu trabalho e, nomeadamente, nos atos formais da democracia, que foram instituídos ao nível da união, que são as eleições europeias, as eleições para o parlamento, que depois têm consequências, como sabemos, ao nível da Comissão Europeia. Por vezes, não há sintonia entre aquilo que pensamos sobre a identidade europeia e o que reconhecemos de benefício por estar na União Europeia e por isso faço um apelo para nos empenharmos na construção europeia, convicto de que este é o caminho mais certo.
É uma mensagem de apelo ao voto nestas próximas eleições europeias?
Sim, é uma mensagem de apelo à participação cívica, através do voto. A CCDR Algarve tem uma missão diversificada, muito relacionada com o processo de construção europeia, desde a cooperação transfronteiriça e à gestão de fundos comunitários transfronteiriços, como é o caso do Interreg, à divulgação da ideia da Europa através da agência EuropeDirect Algarve e do European Enterprise Network, que é uma rede europeia de cooperação entre empresas, que funcionam nas instalações da CCDR, até ao Programa Operacional do Algarve que gere fundos comunitários (Fundo Social Europeu e FEDER). Daí ser nossa responsabilidade divulgar o papel da União Europeia em todos os domínios da nossa atividade e participar ativamente no processo de construção europeia.
“A construção da União Europeia é baseada nos pilares dos direitos humanos, da prosperidade e da paz”
Qual foi o valor que o Algarve recebeu diretamente da União Europeia?
Desde a nossa adesão à União Europeia até ao final deste programa quadro, o Algarve irá receber o equivalente a cerca de três mil milhões de euros de fundos regionalizados colocados diretamente à disposição do Algarve. Estes fundos, alavancados com a contrapartida nacional, dão à volta de cinco mil milhões de euros de investimento.
Estes cinco mil milhões de euros permitiram que o Algarve, desde os anos 80 até agora, fizesse uma reconversão quase total dos sistemas de saneamento básico, abastecimento de água, infraestruturas viárias e ferroviárias, rede de escolas, universidade e toda a espécie de equipamentos coletivos das câmaras municipais que, em 80% dos casos (falando de investimento público e privado), foram alavancados com fundos de investimento comunitário.
Eu diria que, olhando para esses anos 80 retrospetivamente, todos reconhecemos que temos um conjunto de infraestruturas e de equipamentos coletivos que são reais e se veem todos os dias, tal como já aqui citei alguns que, de outra maneira, estou convencido que não teríamos possibilidade de ter ou, pelo menos, não com a qualidade ou a quantidade que temos. Essa é a realidade.
Como combater a elevada taxa de abstenção?
O que me parece que é relevante para esta temática, e agora que estamos em momento de eleições, é que o projeto europeu tem determinados objetivos que devem ser amplamente divulgados e valorizados. Há pessoas que são apoiantes e se mobilizam para esse projeto de construção europeia, baseado nos pilares dos direitos humanos, da prosperidade e da paz, com a vontade de construir uma realidade melhor. Todos nós temos uma obrigação de divulgar o que a União Europeia faz, não estando aqui presente a ideia de subserviência. O que está subjacente é a convicção de que é um bom caminho, e se existe a convicção de que é um bom caminho, então devemos ser consequentes. Não devemos deixar para terceiros a decisão sobre se é um bom caminho ou não, porque todos somos parte interessada.
“Devemos produzir mais energia que aquela que consumimos”
Conclusão, urge a mobilização de todos na construção da União Europeia?
Como já se disse, não é nada indiferente termos União Europeia, termos políticas de coesão, termos políticas de mobilidade interna, termos valores ambientais a defender, valores de paz e uma sociedade desenvolvida ou, pelo contrário, sermos uma região do globo, já nem digo uma identidade, onde tensões bélicas ou ameaças à segurança ou a pobreza ou as doenças venham a ser, novamente, uma realidade que já considerávamos residual ou extinta. Os sistemas só se fortalecem se os seus elementos trabalharem e convergirem para ser socialmente úteis, ou seja, produzirem mais energia que aquela que consomem. Se não for assim é possível que um dia sejamos afetados por “elementos patogénicos” e que venhamos a ter, no futuro, saudade e arrependimento por não termos sido mais proactivos e diligentes.
Qual a grande mensagem que aqui deixaria?
A minha mensagem é uma mensagem de otimismo relativamente à construção do projeto europeu, mas é também uma mensagem de encorajamento aos cidadãos para participarem e decidirem, porque só assim podemos fortalecê-lo. É fundamental que se demonstre e se divulgue que o projeto europeu é muito mais acerca de bem-estar e união do que dificuldades e egoísmo.