O Algarve recebe anualmente milhões de turistas que garantem à região receitas que a colocam no primeiro lugar dos destinos turísticos nacionais e ao país um desempenho notório ao nível do sector do turismo, das exportações e da entrada de divisas, contribuindo ainda de forma notável para a diminuição, ainda que sazonal, do desemprego e para a geração de riqueza e de melhores desempenhos quanto ao produto interno bruto nacional.
Parece muito, mas não é. Pelo menos a julgar pelo tratamento de menorização e ignorância que os vários Governos destinam à região e que nos últimos anos tem assumido extremos notáveis.
Este Verão – aquele em que empresários do turismo falam de um “crescimento substancial da procura” e algumas entidades públicas referem como um ano muito positivo com aumentos da procura “a rondar os 20%” – o Algarve prepara-se para entrar na época alta do Verão num caos como há muito se não via.
As obras na rede viária: da Estrada Nacional (EN) 125 ao acesso à Praia de Faro
As obras na rede viária algarvia proliferam desgovernadas a despeito do respectivo impacto na circulação e acolhimento dos turistas, atingem em particular a via arterial do Algarve, a EN 125 (ver caixa abaixo), e são o espelho de um desdém total pela região e pelo seu sector primordial na economia, o turismo,mas e acima de tudo pelos algarvios.
Ao caos das obras na EN 125, ou do acesso à Praia de Faro ou, ainda, da inacção na requalificação do troço Olhão / Vila Real de Santo António da EN125 o Governo diz pouco ou nada, enquanto a Infraestruturas de Portugal (IP) pretende suspender as obras em final de Julho e Agosto, sem esclarecer o que vai ficar pronto ou não e em que termos se fará a suspensão dos trabalhos.
[sws_grey_box box_size=”100″]Obras na EN 125 transformam viajar na região num calvário
As obras de requalificação da EN 125, lançadas em 2008 pelo Governo de José Sócrates para estarem concluídas em 2011, sofreram desde o início sucessivos atrasos.
Paradas em meados do ano da sua suposta finalização devido à convulsão política que levou Passos Coelho ao poder e, posteriormente, devido à incapacidade financeira do consórcio que constituiu a concessionária Rotas do Algarve Litoral (RAL) e à renegociação da concessão, só em meados de 2014 recomeçaram os trabalhos que levariam à execução de parte da intervenção global prevista inicialmente.
Do novo contrato de concessão entre a Infraestruturas de Portugal (IP) e a RAL, ainda à espera de visto do Tribunal de Contas para ser válido, apenas ficaram a fazer parte das obras integradas na concessão os trabalhos a realizar entre Vila do Bispo e Faro. De fora da concessão, sob alçada da IP e sem data concreta de arranque das obras está o troço Faro / Vila Real de Santo António.
No troço a cargo da RAL, as obras arrancaram no final de 2014 e num ritmo tudo menos constante e acelerado e, de soluço construtivo em soluço construtivo, a situação actual é a de extensos lanços da EN 125 completamente ‘virados do avesso’, com obras, paragens, trânsito alternado e mil e uma peripécias a cada curva da estrada mais concorrida da região.
Entre o limite do concelho de Portimão com Lagos e a Figueira, a EN 125 está em obras e a Ponte sobre o Rio Arade também se encontra em trabalhos de conservação.
Lagoa não escapa aos trabalhos na via longitudinal litoral do Algarve e quando se chega a Albufeira o caos é total até à fronteira com Loulé.
Em Loulé os acessos a algumas das jóias da coroa do turismo regional estão transformados numa gincana digna de ases do volante e a variante do Troto, quase concluída, avança arrastada para a conclusão e abertura ao trânsito.
Também na variante a Faro a EN 125 não está concluída, falta abrir o nó com a EN 2 e o acesso ao Areal Gordo, no sentido Olhão / Faro, bem como o viaduto sobre a EN 125 entre a cidade de Faro e aquela localidade.
Num desprezo histórico pelos algarvios, pelas entidades locais e regionais do poder público e político e pelo turismo, pão de milhares de algarvios e sustento importante das contas públicas nacionais, quer a RAL, quer a IP, nada dizem sobre as obras que desenvolvem a seu bel-prazer, a despeito da falta de visto do actual contrato de concessão.
Calendário de execução não há – há o do anterior concessão, que de nada serve – e de todos os presidentes de Câmara com quem o POSTAL falou a ideia que fica é a de que as duas entidades ‘fazem o que querem’.
Quanto aos que cá trabalham todos os dias e que precisam inevitavelmente de usar a EN 125, em particular nos meses de Verão, nada parece estar previsto para minorar os efeitos deste caos que arrasta o trânsito por horas em distâncias de minutos. E se deste mal padecerão os que cá vivem, que dizer-se dos turistas perante uma estrada que – use-se ou não a A22 – é a via distribuidora de trânsito na região e que mais parece propícia a provas de perícia em automóvel.
A imagem do Algarve só pode sair manchada desta vergonha que se apresenta aos turistas em nome da mais importante região turística do país. Decerto não é à ‘via dolorosa’ da EN 125 actual que se referem os especialistas em nichos de mercado no turismo quando propõem uma aposta na oferta ‘slow cities’. [/sws_grey_box]
Quanto às obras no acesso à Praia de Faro, prometidas pela Sociedade Polis Ria Formosa para o início da época balnear a 15 de Junho – em declarações ao POSTAL realizadas recentemente pelo respectivo responsável, Sebastião Teixeira – estão a avançar, mas não deixam de causar já sérios engarrafamentos e os demais constrangimentos no acesso àquela zona balnear.
A ideia de que o Algarve apenas tem turismo em Julho e Agosto é uma falácia que só é invocável a um de dois títulos, por absoluto – e inadmissível – desconhecimento da realidade do turismo regional ou por desonestidade intelectual da argumentação.
Por outro lado, a invocação de dificuldades de realização de obras durante os meses de Inverno também não colhe. Portugal tem um clima ameno e no Algarve menos rigoroso ainda é o Inverno, bastando para que esta ideia caia por terra, pensar em como se fazem obras em países onde a invernia é realmente rigorosa e o Verão uma pequena miragem. Também ali há que fazer obras e se fazem independentemente das condições climatéricas.
Aeroporto de Faro: maior porta de entrada do turismo regional em obras até 2017
Ainda nas obras, mas desta vez na principal infra-estrutura ligada ao turismo na região, o aeroporto apresenta-se completamente tomado pelas intervenções para aumento de capacidade (ver caixa abaixo).
Absolutamente necessárias e prementes face ao esgotamento da capacidade de operação do aeroporto internacional, estas obras reivindicadas pela região são aquelas que apesar do transtorno potencial da sua execução melhor estão a decorrer.
Como referiu ao POSTAL o presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Vigas, “as obras do aeroporto são naturalmente uma preocupação, mas não temos conhecimento de queixas ou impactos substanciais das mesmas na operação turística até ao momento”.
“Trata-se de uma empresa privada e onde a operação é cuidadosamente calculada para que as obras não ponham em causa a capacidade de operação do aeroporto e não proporcionem às empresas de aviação razões para invocarem indemnizações ou compensações pelas obras que decorrem”, recorda Elidérico Viegas, sublinhando que, “o mesmo se deveria esperar do Estado e das empresas ligadas à EN125 e às obras que ali decorrem, mas não é assim neste caso”.
[sws_grey_box box_size=”100″]Aeroporto de Faro com obras na gare até 2017
As obras do Aeroporto de Faro foram talvez as mais programadas de todas as que estão a ser realizadas na região e foram faseadas de acordo com um plano que apesar de acertos foi cumprido.
Em vez de começar em todas as frentes de obra em simultâneo, a ANA – Aeroportos de Portugal, actualmente detida pela Vinci, optou por modificar por módulos a estrutura aeroportuária mais importante do sul do país e a maior porta de entrada para o turismo algarvio.
Só depois de concluídas as intervenções na área de estacionamentos e acessos é que a empresa concessionária do aeroporto iniciou as obras na gare, que pela sua complexidade não seriam passíveis de terminar antes do início do Verão IATA (época alta da aviação).
Apesar de não conseguir evitar os transtornos provocados aos utilizadores do aeroporto este Verão, nomeadamente aos turistas, a ANA tem uma obra devidamente isolada dos clientes do aeroporto, bem assinalada e com áreas de trabalho devidamente compartimentadas, evitando assim o caos em que a empreitada poderia facilmente ter-se tornado.
As obras do aeroporto vão durar até meados de 2017, mas se se cumprirem as previsões os trabalhos estarão concluídos a tempo do próximo Verão.
Entretanto, a gare é hoje uma ‘microgare’, estando grande parte da infra-estrutura vedada ao público. Veremos como decorrerá o Verão no aeroporto debaixo das fortes limitações que as tão necessárias obras impõem. [/sws_grey_box]
A saúde: depois da desarticulação do serviço hospitalar regional além das medidas de recuperação requerem-se intervenções de efeito imediato para responder ao Verão
Na saúde, a incapaz oferta de cuidados hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em algumas áreas de especialidade é notória (ver caixa) e apesar dos esforços do actual Governo uma resposta capaz de sanar a questão no Verão parece inexistente.
Medidas de médio e longo prazo para recuperar o muito que se destruiu nesta área na região estão a ser tomadas pelo actual executivo, mas a questão é que recuperar o serviço público hospitalar do Algarve demorará muito tempo.
As soluções de curto prazo entretanto encontradas não são resposta para uma situação de Verão com picos de entrada de turistas de vários centenas de milhares de pessoas. Quanto a este tipo de necessidade as medidas faltam capazes de responder a uma das peças fundamentais de qualificação da oferta turística do Algarve enquanto destino.
[sws_grey_box box_size=”100″]Saúde sem ‘pedalada’ para um Verão quente
O estado de desarticulação e degradação a que chegou a prestação de cuidados de saúde no Algarve, em particular ao nível hospitalar e de urgências básicas [do Serviço Nacional de Saúde (SNS)], é certamente o caso mais grave de um Algarve abandonado à sua sorte para um Verão que todos querem seja escaldante em termos turísticos.
A gravidade da questão que aqui analisamos do ponto de vista da preparação da época alta do turismo não pode, nem deve, escamotear que a saúde é um direito dos portugueses constitucionalmente protegido e que cabe ao Estado garantir, tendo o mesmo falhado rotundamente nesta matéria no que toca à população residente.
E se a situação é assim para os habitantes como será para os turistas e perante a multidão que todos os Verões chega à região? A pergunta é quase retórica quando os factos nos confrontam com uma ortopedia e uma oftalmologia quase inexistentes no SNS algarvio, a par de carências evidentes – e reconhecidas – em áreas como a anestesiologia, a pediatria ou a radiologia.
Razões para que a a oferta de cuidados de saúde na região passe cada vez mais pelo sector privado, a quem se deixou abrir uma miríade de hospitais a cobro do nicho do turismo de saúde sem analisar como trabalhariam a longo prazo estas unidades se não há médicos suficientes para as garantirem em conjunto com o SNS na região.
Aos algarvios como aos turistas a resposta do Governo parece ser a de uma saúde à distância de uma viagem de helicóptero ou de ambulância, consoante a urgência e a disponibilidade de meios de transporte, para os hospitais de Lisboa em regime de reforço da oferta inexplicavelmente parca da região.
Quanto a um plano de resposta para o Algarve durante a época alta nesta matéria, desviando recursos de regiões onde os mesmos possam sobejar, parece não haver meios, disponibilidade e/ou vontade política para o efeito e neste patamar nos dirigimos a mais um Verão, momento em que grande parte dos mais de seis milhões de turistas que o Algarve recebe em nome do país por ano chegam a terras algarvias. [/sws_grey_box]
As portagens: da promessa da redução incógnita, até ao não da esquerda à suspensão durante as obras na EN 125
Se o panorama até aqui é mau, não será a questão das portagens na A22 a ajudar a resolver os problemas na área da circulação rodoviária este Verão.
Nesta matéria, a esquerda uniu-se e contou com a abstenção da direita parlamentar para dar aval a uma necessária redução – sem data certa nem valor quantificado e portanto uma verdadeira incógnita – uma medida que a mesma direita direita nunca assumiu enquanto esteve no Governo.
Mas essa mesma união de esquerda ditou o chumbo do projecto do PSD que levaria à suspensão das portagens enquanto durassem as obras na EN 125 (ver caixa).
Duas faces de uma realidade que em pouco ajudarão o Algarve durante o Verão deste ano e, uma vez mais, é desta forma que o poder central lida com as questões mais candentes da região. Ao Algarve nada se diz – ou pouco – e por ele pouco – ou nada – se faz, já que parece ser encarado uma galinha dos ovos de ouro de produção garantida.
[sws_grey_box box_size=”100″]As portagens de todos os descontentamentos
As portagens na A22 são um tema recorrente e sobejamente analisado e perante uma luta de anos os algarvios alcançaram no palamento a confirmação da redução das portagens na Via do Infante prometida pelo Governo para “até ao Verão”.
Quando é que o Governo entende ser o dito Verão, se no início da época balnear nacional, 15 de Junho o mais tardar, se a 20 de Junho, data do solstício de Verão, ou noutro qualquer momento, mais ou menos tardio, é questão ainda sem resposta.
Nem mesmo esclarecidos os algarvios foram nesta ‘vitória’ sobre qual o quantitativo da redução das taxas de portagens, o que deixa espaço para avisar que uma descida não substancial poucos ou nenhuns efeitos trará.
Por fim, a derrota pela esquerda parlamentar da proposta de suspensão das portagens enquanto durarem as obras da EN125 é no mínimo lastimável, uma vez que a propósito do não branqueamento da posição do PSD favorável às portagens se prejudicaram todos os algarvios. [/sws_grey_box]
As vozes de uma região à beira de Verão quente, em todos os aspectos
É este o quadro que, de acordo com Jorge Botelho, leva os autarcas a classificarem a situação como “muito grave” e a manifestarem – “já por diversas vezes” – junto das diversas tutelas do Governo e mesmo do primeiro-ministro “estarem preocupadíssimos com a forma como a região vai entrar na época alta do turismo”.
Jorge Botelho realça que no caso da EN 125, “a notícia de que as obras serão suspensas em Julho e Agosto é o mínimo que se poderia fazer perante o caos a que chegou aquela via “, mas a questão não está resolvida.
Por outro lado, na saúde o também autarca de Tavira realça que “após o estado de degradação a que o anterior Governo levou o SNS na região a recuperação do padrão de serviços anterior poderá demorar bastante tempo”.
“Mas esta resposta tem sido antecipada de alguma maneira com medidas que o actual Governo já pôs em prática”, refere, admitindo que, no entanto, “estas medidas são manifestamente insuficientes para uma resposta imediata à questão do turismo no Algarve durante os próximos meses”.
Para o líder dos autarcas algarvios “a questão é que medidas de resposta imediata aos problemas do Algarve para este Verão terão de ser tomadas no imediato para que se possam minorar os efeitos da situação grave da região nesta matéria”.
“Temos feito notar ao Governo em todos os momentos que as obras que estão a decorrer e que foram muito desejadas pelos algarvios não podem pôr em causa a capacidade da região em termos turísticos” e que “o facto da região ter insistido na necessidade destas intervenções não pode justificar que as mesmas não se façam enquadradas na realidade turística do Algarve e da suas especificidades próprias”, refere o autarca.
“Não basta dizer que o turismo e o Algarve é importante para o país, é preciso fazer conformar as acções com o discurso político”, realça Jorge Botelho.
“Este ano o Verão vai ser seguramente um problema”, diz Jorge Botelho
“Há uma imagem a defender junto dos turistas que já conhecem o Algarve e muito em particular junto daqueles que nos visitam pela primeira vez e que a confirmarem-se as expectativas serão muito este ano”, diz o também presidente da Câmara de Tavira que reconhece que “este ano o Verão vai ser seguramente um problema”.
Com os autarcas “preocupadíssimos” Jorge Botelho alerta que “minimizar os impactos da situação deste ano é matéria para ser tratada este ano e não com medidas de médio prazo que embora necessárias no quadro geral não respondem à situação actual e imediata”.
Elidérico Viegas destaca “em 40 anos de utilização diária da EN125 não me lembro de um caos semelhante”
Para o líder dos empresários hoteleiros da região a EN 125 e as obras naquela via são o principal problema da região neste momento a par da saúde.
“Em 40 anos de utilização diária da EN125 não me lembro de um caos semelhante”, diz, sublinhando que “as obras estão a gerar dificuldades extremas na circulação que só tenderão a aumentar com a chegada dos meses mais fortes do turismo, afectando turistas e todos os serviços conexos com o turismo”.
“Sem sequer falar nas soluções encontradas para a alteração de traçados da EN125, que não respondem às necessidades da região – com rotundas onde não há cruzamentos e cruzamentos perigosos onde não se fizeram rotundas, ou zonas de cariz absolutamente urbano na principal via distribuidora doe trânsito na região como acontece em Boliqueime, a título de exemplo – as variantes programadas em parte não estão previstas na nova concessão e as obras de requalificação entre Faro e Vila Real de Santo António são ainda uma incógnita”, recorda o dirigente associativo.
Assim se confirma o tratamento de desfavor de os sucessivos governos têm dado à região”, conclui Elidérico Viegas.
AHETA promete “chamar à responsabilidade quem ignorar a situação seja por acção, seja por omissão”
“O discurso da importância do Algarve e do turismo tem de passar das palavras aos actos quer para o poder central, quer para os actores locais”, refere, reforçando que “a AHETA não deixará de chamar à responsabilidade todas as entidades nacionais e regionais que perante a situação actual não tomarem as medidas necessárias a minimizar os impactos no turismo e na economia do Algarve , seja por acção, seja por omissão”.
Sem ignorar “o muito que se fez nas últimas décadas pela saúde no Algarve”, Elidérico Viegas realça que “este que é um serviço conexo fundamental para o turismo está hoje ‘mutilado’ na sua capacidade de resposta, pondo em causa a competitividade e segurança do destino”.
“Não há memória de uma situação assim”, remata o responsável da AHETA, que defende que esta deve ser uma causa e um problema para o qual todas as entidades regionais públicas e privadas têm de se unir na procura de soluções e exigindo ao Governo e ao Estado uma actuação capaz de responder às questões que se colocam”.