“O homem não nasce
para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta”
Agostinho da Silva
Por se comemorar no próximo dia 13 de Fevereiro os 112 anos do nascimento de Agostinho da Silva, gostaria de assinalar esta efeméride partilhando a sua ligação ao Algarve e um pouco do seu interessante percurso.
Agostinho da Silva, cujo nome completo é George Agostinho Baptista da Silva, nasceu no Porto em 1906, sendo o primeiro filho de um casal natural de Lisboa: Francisco José Agostinho da Silva, 3.º Aspirante da Alfândega do Porto e de Georgina do Carmo Baptista da Silva, doméstica. Os seus avós maternos eram do Algarve, concretamente da Fuzeta (Olhão).
No ano passado, em comemoração desta data, fui convidada a fazer uma palestra sobre Agostinho da Silva, precisamente em Olhão. O importante não foi o que eu disse, mas sim o facto de entre o público se encontrarem pessoas que conheceram familiares da mãe de Agostinho da Silva e estarem presentes algumas pessoas que conviveram com ele pessoalmente. Estes testemunhos são sempre relevantes e valiosos.
O outro palestrante dessa tarde, Renato Epifânio, é um dos maiores conhecedores do pensamento e obra de Agostinho da Silva, autor de importantes estudos académicos e com obra publicada sobre Agostinho da Silva.
Conjuntamente com Renato Epifânio integro a direcção da Revista Nova Águia. Esta revista surgiu em 2008 procurando recriar o “espírito” da Revista Águia que nasceu em 1910, sendo publicada até 1932. Foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal, e a Revista Nova Águia, segue esse espírito, mas adaptado ao século XXI.
Agostinho da Silva e Fernando Pessoa
Algumas das mais relevantes figuras da nossa Cultura, como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Raul Proença, Leonardo Coimbra, António Sérgio, Agostinho da Silva e Fernando Pessoa colaboraram na Revista Águia.
Esta publicação funcionou como órgão oficial de comunicação do Movimento da Renascença Portuguesa.
Agostinho da Silva foi um colaborador muito regular da revista entre 1926 e 1929. Altura em que frequentava o ensino superior. Teve um percurso académico notável, de 1924 a 1928, frequentou Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo concluído a licenciatura com 20 valores. Continuou a estudar e defendeu a sua tese de doutoramento “O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas”, doutorando-se “com louvor” na mesma Faculdade. Nos anos 30 parte para Paris, como bolseiro, e estuda na Sorbonne e no Collége de France.
Fernando Pessoa publicou os seus primeiros textos nesta revista em 1912, ou seja, pode dizer-se que Fernando Pessoa nasceu na Águia.
Agostinho da Silva tinha 29 anos quando Fernando Pessoa morreu. Este poeta marcou significativamente Agostinho da Silva, tanto que lhe dedicou duas obras: Um Fernando Pessoa, Porto Alegre, Instituto Estadual do Livro, 1959, e também Do Agostinho em torno do Pessoa, Lisboa, Ulmeiro, 1990 e 1997 (2ª edição).
A única obra de Fernando Pessoa publicada em vida foi a Mensagem, que está dividida em três partes: Brazão, Mar Português e O Encoberto. Ao longo da obra poética está presente a ideia de que Portugal tem um destino espiritual por cumprir.
No poema “O Infante”, o primeiro poema da segunda parte da Mensagem, há um apelo ao cumprimento desse destino de Portugal: uma missão espiritual, o apelo a um novo sonho, sempre de cariz espiritual, ou seja, que Portugal se cumpra como pátria e entidade nacional:
“Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!”
As mensagens, quer de Fernando Pessoa, quer de Agostinho da Silva, partem da ideia de que Portugal ainda não terá cumprido o seu destino de difundir uma cultura espiritual.
A dimensão profética de Portugal como divulgador do império da fé cristã está presente em toda a epopeia dos Descobrimentos. Refere o historiador Jaime Cortesão, que foi durante os séculos XIV e XV que o culto do Espírito Santo, ligado à festa do Império, ganhou maior desenvolvimento em Portugal, celebrando-se a bordo das naus e espalhando-se pela África portuguesa, a Índia e, principalmente, os arquipélagos da Madeira e dos Açores, tendo passado mais tarde, em grande parte por empenho dos açorianos, ao Brasil e à América do Norte.
A simbologia do culto do Espírito Santo virá a ser retomada por Fernando Pessoa, Agostinho da Silva e Natália Correia, entre outros pensadores, poetas ou filósofos portugueses.
Na dimensão ético-metafísica do seu pensamento, Agostinho da Silva mostra que a plenitude humana só se cumpre na medida em que o homem se cumpre espiritualmente.
Era um espírito livre, um homem com uma visão muito à frente do seu tempo. Agostinho da Silva viajou por variadíssimos países, tendo estado no Japão como bolseiro, onde ensinou português. No Brasil, Argentina e Uruguai teve um papel importante no ensino.
Agostinho da Silva consegue, ainda hoje, 24 anos após a sua morte, congregar pessoas das mais diversas proveniências geográficas, filosóficas, religiosas e ideológicas, etc.
Considerado por muitos um filósofo demasiado optimista e demasiado ingénuo, principalmente pela imagem que transpareceu nas suas imensas intervenções televisivas, sobretudo na série “Conversas Vadias” na RTP1, alcançou uma notoriedade incomum entre filósofos e que lhe trouxe alguns desgostos.
Agostinho da Silva viveu o que propôs. Praticou o despojamento o que é uma verdadeira “atitude franciscana”. Foi conselheiro do presidente do Brasil, professor e poeta, pediu uma barraca para viver em vez do apartamento luxuoso que lhe quiseram dar. Recusou direitos de autor e distribuiu o ordenado de professor universitário por alunos e funcionários necessitados. Não foi uma utopia. Realizou aquilo em que acreditava, como refere Paulo Borges.
Agostinho da Silva colaborador do Jornal Postal do Algarve
Há cerca de 25 anos Agostinho da Silva fez uma palestra em Tavira, cidade onde está sediado o Jornal Postal do Algarve. Este jornal publicou nessa altura a palestra do Professor Agostinho da Silva, que por ser um texto extenso, foi publicado em duas edições.
Agostinho da Silva recebeu o jornal e passou a enviar crónicas para o Postal do Algarve.
Agostinho da Silva viveu na Praia da Rocha em Portimão, após ter estado preso no Aljube em 1943. Depois de libertado foi-lhe imposta a pena de residência fixa que cumpriu no Algarve, na Praia da Rocha.
Publicou ensaios filosóficos mas a situação era insustentável. Em 1944 partiu com a mulher e os filhos para o exílio, na América latina.
Na toponímia do Algarve existem três ruas dedicadas a Agostinho da Silva: Albufeira, Portimão e Praia da Luz. Fica a sugestão para eventualmente ser dedicada uma rua a Agostinho da Silva em Olhão ou Fuzeta.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Fevereiro)