A Outra Filha, de Annie Ernaux, o mais recente título da vencedora do Nobel de 2022, publicado pela Livros do Brasil, na coleção Dois Mundos, é um livro inédito que chega a Portugal com tradução de Tânia Ganho. Como é habitual, trata-se de um testemunho íntimo da autora e que consiste numa narrativa breve, com cerca de 70 páginas.
«Quando era pequena, pensava – de certeza que mo disseram – que era eu. Não sou eu, és tu.»
Annie Ernaux começa por evocar uma fotografia em tom sépia, oval, colada num cartão, mostrando um bebé empoleirado, de través, em almofadas sobrepostas, com rebordo.
Em 2010, Annie Ernaux recebeu um convite da editora NiL para participar na coleção Les Affranchis, construída a partir de um desafio aos autores: escrever uma carta a alguém a quem nunca se escreveu. A autora-narradora decide então escrever uma carta à outra filha dos seus pais, a irmã que já entrou morta na sua vida, e que a assombrou…
Uma memória recuperada pela escrita que, ao ressuscitar a irmã que nunca conheceu e que não viveu, permite à autora mergulhar e reconstruir o seu passado, passado esse feito de silêncios, pois os pais instituíram um denso silêncio e nunca falaram dessa outra filha, morta aos 6 anos de difteria, na presença da filha.
«És a menina que foi para o céu, a menina invisível de quem nunca se falava, a ausente de todas as conversas. O segredo.»
A descoberta deu-se num domingo de agosto de 1950, em Yvetot, quando, aos dez anos, ouve acidentalmente, e em segredo, uma conversa entre a mãe e uma cliente. A partir daí cria-se um jogo de espelhos, que reflecte também uma crise de identidade – qual delas é afinal a verdadeira filha, qual delas a pálida cópia?
É pela escrita que, como sempre, Ernaux se tenta desembaraçar desses nós de silêncios e de expectativas – pois é difícil superar uma menina perfeita que sobrevive apenas na memória.
Annie Ernaux nasceu em Lillebonne, na Normandia, em 1940, e estudou nas universidades de Rouen e de Bordéus, sendo formada em Letras Modernas. É atualmente uma das vozes mais importantes da literatura francesa, destacando-se por uma escrita onde se fundem a autobiografia e a sociologia, a memória e a história dos eventos recentes. Galardoada com o Prémio de Língua Francesa (2008), o Prémio Marguerite Yourcenar (2017), o Prémio Formentor de las Letras (2019) e o Prémio Prince Pierre do Mónaco (2021) pelo conjunto da sua obra, destacam-se os seus livros Um Lugar ao Sol (1984), vencedor do Prémio Renaudot, e Os Anos (2008), vencedor do Prémio Marguerite Duras e finalista do Prémio Man Booker Internacional. Annie Ernaux foi distinguida com o Prémio Nobel de Literatura em 2022.
Leia também: Leitura da Semana: O Gigante Verde, de Katie Cottle | Por Paulo Serra