A noite das eleições será mais do que a definição do voto dos portugueses, será o ponto de partida para um processo de formação de Governo que se pode tornar difícil. Cabe a Aníbal Cavaco Silva perceber o eleitorado e o país e ouvir atentamente os partidos e as suas posições nos dias seguintes para decidir o que fazer.
Em Portugal a Constituição da República impõe que o Presidente nomeie o primeiro-ministro depois de ouvidos os partidos representados na Assembleia e tendo em conta os resultados eleitorais, mas nada na lei determina que o nomeado seja o líder do partido mais votado.
A tradição em eleições legislativas em Portugal tem sido a de o Chefe de Estado chamar a formar Governo o líder do partido com maior grupo parlamentar, em princípio o mais votado.
As sondagens antes das eleições indicavam que nenhum partido terá maioria absoluta, nem o PS, nem a coligação PSD / CDS-PP, um cenário indesejado por Cavaco Silva, Presidente da República, que sempre falou na necessidade de um Governo estável, que seria mais facilmente atingível com um Governo suportado por uma maioria parlamentar.
Coligação vence eleições com minoria
Se as eleições ditarem a vitória da coligação Portugal à Frente (PSD / CDS-PP) com uma minoria de assentos parlamentares, Cavaco Silva pode convidar – cumprindo a tradição – Passos Coelho a formar Governo.
Formado o Governo minoritário, a coligação de direita tem de fazer passar na Assembleia da República o seu programa de Governo e logo de seguida o orçamento de Estado. Duas provas de fogo iniciais que podem ser votadas ao fracasso se tivermos em atenção que num cenário de minoria da coligação há necessariamente uma situação de maioria de partidos de esquerda.
Tudo se complica ainda mais quando António Costa afirmou durante a campanha que poderia não deixar passar um programa de governo e o orçamento do estado de uma direita minoritária no Parlamento.
O programa de governo é votado pela Assembleia da República no máximo até dez dias depois da nomeação do executivo pelo Presidente da República e a sua discussão não pode exceder três dias. A rejeição do programa do governo exige maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.
Até ao fim da discussão do programa pode qualquer grupo parlamentar propor a rejeição do programa ou o Governo solicitar a aprovação de um voto de confiança.
A rejeição do programa de governo implica, de acordo com a Constituição da República, a demissão do executivo.
Recorde-se, no entanto, que não podem haver eleições legislativas no prazo de seis meses. Diz a Constituição da República que a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, bem como, no último semestre do mandato do Presidente da República, situações que se verificam cumulativamente no presente momento político do país. É por esta razão que do Parlamento eleito hoje e ainda que se verificasse a rejeição do programa de Governo e a consequente queda do executivo teria de sair um novo Governo para o país.
O Orçamento de Estado é apresentado à Assembleia da república de acordo com a lei de enquadramento do orçamento de estado e deve ser votado no prazo de 45 dias após a data da sua admissão no Parlamento.
A não aprovação do Orçamento de Estado não implica a queda do Governo que poderá governar o país com recurso ao anterior orçamento aplicando-o por duodécimos.
PS com minoria, mas esquerda maioritária pode formar Governo?
Havendo uma maioria de esquerda com o PS como partido mais votado nada impediria – muito embora fugisse à tradição – que o Presidente decretasse a nomeação de António Costa para primeiro-ministro do país.
Este cenário difícil, mas possível, poderia resultar de uma coligação de partidos à esquerda capaz de garantir a estabilidade do Governo que fosse apresentada a Cavaco Silva.
Não obstante, os partidos de esquerda em Portugal têm-se mostrado ao longo da história pós-25 de Abril incapazes de se unirem dadas as acentuadas diferenças de ideologia política nomeadamente quanto à União Europeia e ao Euro, entre outras matérias.
O PS poderia unir-se ao CDS-PP
Depois das eleições e não obstante as coligações, os partidos têm grupos parlamentares autónomos, muito embora possam de acordo com a lei juntar-se grupos parlamentares.
O CDS-PP poderia à luz da lei coligar-se com o PS depois de se ter candidatado a eleições numa coligação com o PSD, mas este cenário é improvável e deixaria Paulo Portas à beira de uma situação política tão grave, ou mais, do que aquela que resultou da famosa “demissão irrevogável”.
Neste cenário importaria ainda saber se PS e CDS-PP unidos teriam uma maioria capaz de formar Governo ou em que medida um Governo minoritário assim formado teria estabilidade.
O bloco central
PS e PSD poderiam unir-se numa coligação pós-eleitoral e nada na lei se opõe a tal solução que poderia, previsivelmente, facilmente gerar um Governo com apoio maioritário.
Não obstante e dada a campanha eleitoral a formação de um Governo de bloco central seria de difícil gestão política quer para Passos Coelho, quer para António Costa.
Tudo em aberto, nestes que são alguns dos cenários possíveis em resultado das eleições de hoje, e nas mão de um único homem Cavaco Silva que terá muito que decidir nos próximos dias quando se encontra no fim do seu último mandato.