O grande acontecimento cultural de 1974 foi a liberdade.
A abolição da censura e do exame prévio foram as primeiras medidas do Movimento das Forças Armadas-MFA, inscritas no programa apresentado ao País logo após o derrube da ditadura, simultaneamente foram tomadas medidas em relação à liberdade de informação. O Programa do MFA assentava nos três D: Democratizar, Descolonizar e Desenvolver.
Nesta primeira fase verificou-se uma estreita ligação de cultura e educação, também a estruturação dos domínios culturais em cinco áreas: literatura, música, teatro, cinema e artes plásticas. Relevada pelo novo poder democrático a importancia da comunicação social na difusão da língua portuguesa no mundo.
A preocupação do acesso à cultura nas regiões periféricas e do interior do País originou as “Campanhas de Dinamização Cultural”, impregnadas de voluntarismo e romantismo revolucionário, mas que estiveram longe de ser aceites pelos destinatários, dada a ideia paternalista que estava na base da sua formulação.
Nas zonas urbanas do País dá-se a explosão das artes públicas, surgem os grandes murais políticos realizados por colectivos de artistas, mas também se verifica crescimento exponencial das frequências aos cinemas e aos espectáculos em geral, nomeadamente de teatro. As populações surgem desejosas de conhecer e de usufruir das liberdades cívicas. A cultura está na rua.
O Poder Local deu com as eleições de 1976 os primeiros passos para a democracia local e em 1979 a Lei das Finanças locais permitiria o acesso a recursos financeiros, o início da estruturação dos serviços municipais e dos reequipamentos. Foi o período de trabalho intenso nas obras de saneamento básico, rede viária e electrificações, planeamento urbano e habitação social, também na saúde com o serviço médico à periferia e na habitação o SAAL. Em relação à cultura predominava nas autarquias a ideia de animação cultural, mas a construção/reabilitação de infraestruturas culturais (bibliotecas, museus, arquivos, teatros…) necessitava de gestão e trabalho quotidiano especializados.
Em 1976 surge o I Governo Constitucional e a Secretaria de Estado da Cultura e na política cultural como áreas estratégicas: o património cultural, a investigação e fomento cultural. Publica-se uma actualização do Código do Direito de Autor e o Estatuto do Profissional Intelectual.
No programa do III Governo Constitucional (Nobre da Costa) faz-se uma teorização da cultura que a subdivide em cultura erudita, de massas e popular, sendo objectivo da tutela diminuir as distâncias entre elas. Este governo e os seguintes, seriam de curta duração, tendo como Primeiros Ministros Mota Pinto (IV GC), que defende a valorização da cultura humanista portuguesa no mundo e Maria de Lurdes Pintassilgo (V GC), que se orienta para a maior participação cívica dos movimentos culturais, cria um Ministério da Coordenação Cultural e da Cultura e Ciência.
Regista-se neste Governo, único presidido por uma mulher em todo século XX republicano, o abandono da visão mais conservadora de património e abertura às novas formas de criação contemporânea.
Nos governos dos anos 80, de predominio da Aliança Democrática (PSD, CDS e PPM) e bloco central com o PS, dá-se maior enfase à preservação do património e em 1983 (VIII GC) foi criado o Ministério da Cultura e da Coordenação Científica, tutelado por Francisco Lucas Pires e no governo seguinte (IX GC) surge pela primeira vez um Ministério da Cultura tendo como ministro Coimbra Martins.
A ideia da intervenção mais destacada do sector privado na cultura originou a Lei do Mecenato. O Decreto-Lei nº 258/86 foi objecto de debate político baseado na possibilidade do Estado se demitir gradualmente das obrigações e responsabilidades culturais e educativas.
Nesta década de 80 são publicados importantes diplomas como a Lei de Bases do Património Cultural Português (1985), que não chegou a ser regulamentada, e em 1987 a Rede de Leitura Pública com avanço na nova rede de bibliotecas municipais e escolares.
Todo este processo se desenrola no contexto da integração de Portugal na CEE ocorrida em 1986, a qual provocou nos anos seguintes grandes alterações, em particular no tecido económico nacional mas também da visão instrumental para a cultura nacional. A ideia da marca “Portugal” surgirá no princípio da década de 90.
As políticas culturais acompanham a visão de fim de ciclo de 500 anos do Império, acompanharão a renovação de discursos e práticas, de forma mais visível na Europália-91 coincidindo com o semestre da presidência portuguesa da UE (1991).
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de junho)