Ainda lá está, em Quelfes, pequena aldeola do concelho de Olhão. Era a casa de Verão* da Florbela. Em contraste com a vida atribulada da poetisa, a casa, igual entre iguais e discreta, não se dá por ela. Fica ao passar, rentinha à estrada. E nas suas paredes brancas com barras azuis, adivinham-se, impregnadas, rimas dispersas, carregadas de sentimentos fortes e emoções ardentes que marcam toda a sua obra poética. Como a sua vida! E que ela mesma explica:
“Eu sou insaciável! Mal um desejo surge, outro desponta, e em mim há sempre latente a febre do sonho e do desejo, e quando possuo alguma coisa de in nitamente consolador, como é a sua amizade, desejo mais, mais ainda, mais sempre!
Conhece-se em mim o afecto, o amor, a ternura por um egoismo implacável que quer tornar muitos meus e só meus, os corações que se me dedicam um pouco.” (in correspondência, 1921).
Sobre a poetisa/poeta, diz, Teresa Rita Lopes: “Não me ocorre nenhuma ( poetisa) que a ela se iguale, nessa sua divina promiscuidade do corpo com a alma, da vida com a morte. Florbela, que cantou o seu “divino corpo de mulher”, foi mais alma que corpo… O que ilimita estas sensações é que elas são fruto de mais do que os cinco sentidos, pelo menos de mais um outro a que apetece chamar cósmico!”
Citando de cor, Teresa Rita Lopes diz mais ou menos isto: a dimensão tragicamente bela, da vida e obra de Florbela Espanca, reduz – neste plano do amor sofrido – Sophia e Natália Correia, a duas carochinhas à janela do verso!
* Devido a problemas de saúde, aqui passou Florbela Espanca um curto período da sua vida, a conselho médico. Nasceu em Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894 – Faleceu em Matosinhos, 8 de Dezembro 1930, com 36 anos.
Dois quartetos de dois sonetos diferentes de Florbela Espanca:
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas
Há dias sem calor, beirais sem ninhos
* * * * *
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços.
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