Num primeiro olhar, poderemos ser levados a questionar-nos em quê a alfarroba se cruza com Cultura.
A paisagem cultural cruza Natureza com Cultura, uma intervenção do Homem que modifica o território de forma a que produza meios de subsistência para a sua sobrevivência. Em cada região, encontramos uma paisagem que lhe é tradicional, respondendo às condições climatéricas, aos solos e às formas de vida humana que se ajustam ao espaço que ocupam.
O Homem não aceita o espaço natural, mas modifica-o, para que, em simbiose, ambos possam ter uma relação de sobrevivência e coexistência.
Se este paradigma se ajusta à vida fora das grandes cidades, o certo é que o espaço natural vai ficando cada vez mais ocupado pela civilização.
No Algarve, deparamo-nos, assim, com uma alteração da paisagem tradicional, em que o pomar de sequeiro, tão tipicamente algarvio, se substitui por ocupação humana intensiva, com o crescimento das cidades e lugares, mas também com a ocupação de novas culturas que o espaço e os locais não reconhecem.
Pensar na Alfarroba, como uma identidade cultural da região, leva-nos a diversos olhares.
– um olhar enquanto aliada nas alterações climáticas: uma árvore que sobrevive com poucos recursos hídricos, adaptando-se naturalmente ao terreno que ocupa e com capacidade para captar e processar o dióxido de carbono da atmosfera;
– um olhar afetivo de memórias familiares, no espaço de família e na tradição de reunião para a apanha do seu fruto;
– um olhar de subsistência, por ser ainda para muitos uma ajuda na economia familiar a que associamos, ainda, um olhar económico mais industrial, pois permite também desenvolver a economia da região como matéria-prima de uma indústria local, única a nível nacional, em que a alfarroba e os seus derivados têm um papel importante na exportação de produtos regionais, levando-a aos quatro cantos do Mundo;
– um olhar gastronómico, pois a alfarroba deixou de ser um produto destinado exclusivamente à alimentação animal para fazer parte dos produtos utilizados na alimentação humana, integrando a doçaria regional, num espaço que se relaciona com a Dieta Mediterrânica;
– um olhar para as suas características intrínsecas, por exemplo, enquanto aglutinante utilizado nos gelados que tão bem nos sabem no calor do verão da região;
– um olhar mais científico, com a investigação à volta da múltipla aplicação dos seus produtos e subprodutos, que nos chegam de outras paragens;
– um olhar que nos transporta para a visão de que o natural e tradicional se transformam num produto turístico muito procurado, uma identidade única que nos distingue de outros lugares e que traz até nós muitos que querem ter a experiência Algarve, para além do Sol e Mar;
– Por fim, um olhar artístico, registado pelas imagens que muitos partilham nas redes sociais e que a exposição de fotografia de Luísa Melão «Alfarroba – memória(s) de uma vida» (a visitar no Museu Regional do Algarve, de 31 de janeiro a 11 de abril) – uma parceria da DRCAlg com o Museu Municipal de Faro – pretende valorizar, registando um espaço industrial (desaparecido) que depende deste produto.
Atenta ao mérito de se fazerem registos deste património imaterial, materializado de tantas formas, a DRCAlg promove a sua salvaguarda, estudo e valorização incentivando a sua divulgação.
Cristina Fé Santos
(Direção Regional de Cultura do Algarve)
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de fevereiro)