O Café Filosófico teve o seu início na Casa Álvaro de Campos em Tavira em Maio de 2015. Cumpre agora 5 anos, é um marco!
Os participantes deslocam-se de várias localidades algarvias para estes encontros mensais que se realizam em Tavira ou Faro. Por que se darão a tanto trabalho? Que traz o Café Filosófico às suas vidas? Para esta edição do quinto aniversário resolvi recolher alguns testemunhos:
“Participar nos encontros do Café Filosófico foi como um convite à visitar áreas do conhecimento que minha vida académica e profissional ainda não haviam me propiciado. Visitar a História, Lugares e Ideias que formaram (e continuam formando) nossa civilização, com este grupo eclético, é ter a oportunidade de, ao menos uma vez por mês, sair do quotidiano e saltar para outro tempo/espaço. São Textos, Poemas, Música, e tantas outras expressões que ampliam os horizontes humanos, há milénios!
Fui cativado logo no meu primeiro evento. Não buscamos a essência académica como poder-se-ia inferir. Ao contrário, estendemos o convite a qualquer interessado e praticamos a diversidade. Seja das ideias que discutimos, seja das opiniões que temos. O que podemos aprender e ensinar?
Mensalmente recebemos a inspiração através desta coluna, publicada pela Doutora Maria João Neves jornal Postal do Algarve/ Cultura.Sul; e frequentemente inspiramos a matéria a explorar no mês seguinte. Dos Gregos aos Millenials, não há restrições à contribuição. Ao contrário, a sua narrativa é o ponto alto de nossos encontros !
Aos 60 anos, já não sou mais menino. Tive oportunidade estudar agronomia, químicos de engenharia e até finanças, posto que minha vida profissional foi generosa em oportunidades. Aliás, já nasci Alemão no Brasil, com o improvável nome Ingo, e fui Brasileiro na Alemanha. Vivi na Europa e nas Américas, passei períodos na Asia. Na diversidade busco o caminho para tolerância e solidariedade. O Café Filosófico permite praticar isto aqui mesmo, no Algarve.” Ingo Lipkau, empresário, Albufeira.
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“Vivemos um momento ‘intrinsecamente filosófico’ de paragem colectiva e reflexão (que bom se, também ela, fosse colectiva!).
‘Se nada fizermos, somos como prisioneiros. Se nos pusermos a pensar, poderemos seja criar maravilhas e inventar uma outra maneira de viver, seja criar bodes expiatórios e, nesse caso, adicionamos infelicidade à infelicidade’, disse há dias o neuropsiquiatra francês Boris Cyrulnik.
Pensamento crítico e liberdade. Lucidez e cidadania.
Procura para o sentido da vida. Livre. Lúcida.
Que magnífica ideia, professor Marc Sautet! Desde há quase trinta anos, às 11h00 dos domingos no Café des Phares, em Paris. Procura e encontro no ‘café-philo’. Não por diletantismo, nem entretenimento – a necessidade de ser!
Assim esta Ria Formosa (para onde a vida me trouxe após o exercício do último posto como diplomata da União Europeia em ilhas do Oceano Índico – umas descobertas pelo português Pedro de Mascarenhas em 1513 e outras, muito antes, pelos fenícios) favoreça a criação de maravilhas, a invenção de outra maneira de viver.
Que magnífica ideia, professora Maria João! Desde há cinco anos, um final de tarde por mês entre Tavira e Faro (também por cá andaram os fenícios …).
Longa vida ao Café Filosófico!” Eduardo Vaz, diplomata, Tavira.
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“Ao abeirar-me dos 72 anos, a grande maioria usados a estudar e a cuidar, com intervalos de meditação sobre o que observo, lembrei-me de que fui tocado pela análise atenta das moedas de 10$00 emitidas, creio que, entre 1971 e 1974. Aprendi que todas as medalhas/moedas têm duas faces e um bordo e que neste pode estar a mensagem mais importante, como pude mostrar a alguns dos participantes nos cafés.
Os cafés permitem desviarmos o olhar das faces da rotina e centrá-lo nas mensagens que tendemos a desvalorizar.” Herberto Neves, médico, Faro.
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“Frequento o Café Filosófico da Doutora Maria João Neves desde o primeiro dos seus cinco anos de existência, em Tavira. Desloquei-me os 45 Km de distância desde Loulé, onde vivo, até aquela cidade para experimentar este espaço aberto de reflexão, que é o Café Filosófico. Por vezes, nessa viagem, tinha a companhia de outras pessoas amigas. Era uma óptima oportunidade para conversarmos um pouco sobre o tema do texto que a Maria João nos tinha enviado, ou publicado no jornal.
O Café Filosófico andou, pela cidade de Faro, um pouco como o Fado Vadio. De café em café, sempre à procura de condições ideais para a sua realização, que nunca apareceram. Esta busca fez parte da experiência e, para mim, ainda hoje, me serve de tema de reflexão.
No ano passado houve sessões em que saímos do espaço físico do próprio Café Filosófico que me agradaram especialmente: a sessão no motoclube com a presença e testemunho do seu presidente José Amaro, e a sessão no Teatro Lethes em que assistimos à peça de teatro sobre o poeta e filósofo sufi Ibn Qasi. A sessão de Verão, no jardim da casa da Maria João foi outra experiência muito interessante.” Isabel Pereira, engenheira mecânica e escritora, Loulé.
Café Filosófico aconteceu em muitos espaços nas cidades de Tavira e Faro
Durante este anos o Café Filosófico aconteceu em muitos espaços nas cidades de Tavira e Faro. Os cafés frequentemente com eventos musicais cujo volume impede uma conversa à mesa; os jardins públicos com algum desconforto de vento, insectos ou ausência de casas de banho em boas condições; os espaços culturais por vezes com clientela demasiado ruidosa… A tudo isto o Café Filosófico resistiu, adaptou-se, encontrou alternativas mostrando grande flexibilidade e resiliência. Agora, devido à pandemia, o Café Filosófico enfrenta um novo desafio: estabelecer-se num espaço on-line.
Muitos resistem ainda às actividades on-line. Seja pela aversão à tecnologia, seja pelo facto de o encontro pessoal ser um ingrediente muito apelativo destes encontros. Contudo, o espaço virtual apesar de topologicamente distante permite uma elevada intensidade na interacção dos participantes. Constrói-se um universo comunicacional para o qual são transferidas uma grande parte das interacções sociais. Há até, poderia dizer-se, um quase roçar da experiência da ubiquidade, um transcendermo-nos ao sentirmo-nos próximos apesar de estarmos geograficamente longe.
O primeiro Café Filosófico surgiu em França em 1992 no Café de Pharesem Paris, iniciativa do filósofo Marc Sautet(1947-1998), autor do livro Um Café para Sócrates publicado em 1995. A sua ideia de trazer a filosofia de volta às suas origens, isto é, para a rua, levando o cidadão comum a reflectir sobre as experiências quotidianas em vez de simplesmente passar pela vida, rapidamente conquistou o mundo. Existem múltiplas variantes das mais às menos estruturadas, mas há alguns elementos comuns: o exercício das capacidades intelectuais, a procura de rigor apesar do ambiente relaxado. O foco coloca-se no entendimento do ponto de vista do outro em vez de se argumentar para ganhar uma discussão. Como já tive ocasião de referir num artigo publicado nesta coluna em 2017 intitulado “Bica, galão ou Café Filosófico?”, esta não é uma simples “conversa de café” a bem do rigor, o Café Filosófico exige um moderador qualificado que seja, pelo menos, licenciado em filosofia. O moderadortenta que os participantes vão além doxa, o mero discurso opinativo ou das ideias mal alicerçadas,promovendo a gestação de um pensamento fundamentado, lúcido e responsável.
Nestes 5 anos a propor, a escrever e a moderar o Café Filosófico talvez tenha chegado o momento de também eu partilhar o que é que este significa para mim. Encontro em Nietzsche a forma sintética de o expressar: o Café Filosófico é o circulo que eu escolhi!
“Escolha o seu circulo ―Livremo-nos de viver num circulo no qual não é possível calarmo-nos dignamente nem comunicar o que temos em mais alta conta, de tal modo que não nos restam para comunicar senão as queixas, as necessidades e toda a história da nossa miséria.” (F. Nietzsche, Aurora) Pelo contrário, no circulo do Café Filosófico não existe essa necessidade nem tendência lamurienta. As experiências pessoais apenas surgem para servir de trampolim no diálogo permanente entre aquilo que é particular e o universal que a todos diz respeito. Aqui encontro as condições de calma, dignidade, empenho e respeito que são ideais para que o pensamento floresça. Também na solidão ou no diálogo que se estabelece com um livro o pensamento prospera. Porém, o Café Filosófico possibilita o pensar em conjunto! Obrigada a todos vós que há tantos anos me acompanham nesta aventura por me propiciarem esta experiência preciosa!
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de maio)