A inscrição num centro de saúde não pode ser rejeitada, sublinhou há pouco mais de 15 dias o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, mas o Expresso recolheu testemunhos de casos em que é isso mesmo que está a acontecer, acabando os utentes ‘empurrados’ para unidades fora das suas áreas de residência. Aos jornalistas, António Lacerda Sales disse na altura desconhecer a existência de situações desta natureza, mas foi claro: “Se aconteceu é uma irresponsabilidade e deve ser comunicado”.
Fernando Campos, 70 anos, não reclamou perante nenhuma entidade, mas passou pela experiência ao acabar inscrito no Centro de Saúde de Sete Rios, apesar de o mais próximo da sua morada ser o de Benfica. Foi aí que começou por tentar registar-se. “Não são aceites nem mais uma inscrição de utentes neste Centro de Saúde por limite, são as ordens superiores”, foi a resposta que lhe deram ao balcão, já este ano.
No caso de Fernando, a necessidade de inscrição prendeu-se com uma alteração de residência, por vir morar para Lisboa, explicou ao Expresso. Os filhos, maiores de idade, têm o mesmo endereço fiscal (e já eram utentes de Benfica, onde têm médico de família), mas perante tão taxativa recusa o pai aceitou a indicação de ir inscrever-se em Sete Rios – e ainda não tem médico de família, está em lista de espera.
“Para agravar a situação, o meu histórico clínico desapareceu na passagem de uns centros de saúde para os outros”, queixa-se. “Já devia ter feito uma nova endoscopia há quase um ano, e a médica que me atende neste novo Centro de Saúde diz não ter essa informação na minha ficha”, explica.
Também em Lisboa, um casal – ele com 74 anos, ela com 62 – acabou associado a centros de saúde diferentes. A história segue sem nomes reais, a pedido de ambos, mas resulta de terem voltado em definitivo para Portugal, após vários anos emigrados. ‘João’ estava inscrito no Centro de Saúde de Alvalade – área da residência atual –, por ter antes passado vários meses no país por causa de uma situação familiar, mas ‘Maria’ não conseguiu inscrever-se.
“Comecei por ir ao Centro de Saúde de Alvalade e perceber que tinha de atualizar oficialmente a minha morada” – o que acabou por fazer. Quando voltou – há cerca de um mês – disseram-lhe que “não era possível” inscrever-se. Remeteram-na para a unidade de saúde do Lumiar, onde não tem médico de família e cujos serviços não procurou ainda: “Estou lá inscrita, mas fica um bocado longe”. O que lhe disseram é que “eventualmente” será avisada quando houver médico de família disponível em Alvalade.
UTENTES PODEM ESCOLHER
O Expresso perguntou ao Ministério da Saúde se há conhecimento de casos como estes e se, existindo relatos, há intenção de os averiguar, o que não foi esclarecido. A resposta incidiu apenas nos aspetos formais que enquadram as inscrições no Registo Nacional de Utentes (RNU)
Começando por adiantar que, “no contexto atual, o Serviço Nacional de Saúde ainda apresenta carência de Médicos Especialistas em Medicina Geral e Familiar, que permitam assegurar a atribuição de médico de família a toda a população inscrita nos Cuidados de Saúde Primários”, o Ministério sublinha que “poderão ocorrer situações de carência de vagas em determinadas Unidades de Saúde ou em determinadas listas de Médicos de Medicina Geral e Familiar”.
Uma situação que, detalham, não significa “que os utentes não se encontrem inscritos nos Cuidados de Saúde Primários”. Quanto à inscrição, lembra a resposta, pode ser efetuada de três formas, sendo uma delas “através do portal do RNU, nas unidades de saúde do ACeS [Agrupamento de Centros de Saúde] onde o utente se pretende inscrever”.
Estabelece o artigo 5º do Despacho n.º 1774-A/2017 que, não havendo possibilidade de atribuição de médico de família, “o utente fica inscrito numa lista de espera do AceS”, podendo “manifestar a opção pela unidade funcional onde pretende vir a ter o seu médico de família”.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL