São números que impressionam: 68% da população portuguesa tem excesso de peso ou obesidade e esta prevalência tem uma fatura de 1,14 mil milhões de euros, por ano. São cerca de 0,6% do produto interno bruto e 6% do total dos gastos com saúde no país.
As conclusões pertencem ao estudo “O custo e a carga do excesso de peso e obesidade em Portugal”, que vem fazer luz sobre a dimensão da despesa direta associada a esta ‘epidemia’, pois não existia, até ao momento, uma contabilização.
Realizado pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e pela consultora Evigrade-IQVIA, com o apoio científico da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), trata-se de uma investigação coordenada pela médica Margarida Borges que, ao Expresso, indica que este é um retrato de 2018, o último ano para o qual existem os dados necessários para a análise – embora no caso dos gastos tenham sido utilizados números mais recentes.
“Encontrámos uma coisa gigantesca em termos nacionais”, afirma a investigadora, lembrando que o Inquérito Nacional de Saúde traduz uma realidade de dois terços da população com excesso de peso ou obesidade, ou seja, os gastos associados ao tratamento não podiam ser desprezíveis. A cientista diz mesmo que estamos perante uma “pandemia não transmissível”.
Os 1,14 mil milhões de euros representam um patamar de tal forma elevado que deviam fazer “qualquer governo pensar duas vezes”, considera o presidente da SPEO, o médico José Silva Nunes, apontando para as implicações de saúde que vêm a reboque de uma massa corporal superior ao recomendado como saudável. E sublinha, “o facto de estarmos a falar de dois terços da população, até questiona o conceito de normalidade, estamos a falar da maioria dos portugueses”.
“Há várias comorbilidades (patologias associadas à obesidade) que estão ligadas a este problema, das quais a diabetes é a mais significativa, mas onde se incluem muitas outras, não menos graves”, assevera o responsável. Estão, entre elas, a doença cardíaca isquémica, a fibrilhação auricular, a doença cardíaca hipertensiva, asma, apneia do sono, doença renal crónica, gota e patologias do sistema nervoso, como a depressão e a demência. Ter um índice de massa corporal acima dos padrões considerados normais traz, igualmente, um risco acrescido de neoplasias, incluindo o cancro da mama, do pâncreas, do esófago e cancros hematológicos (como a leucemia e o mieloma múltiplo).
O montante da despesa reporta a “custos diretos para o sistema de saúde”, especifica o documento, detalhando que cerca de 130 milhões de euros correspondem a custos gerados em internamento, 485 milhões de euros em despesas em ambulatório e 533 milhões de euros na fatura dos tratamentos farmacológicos.
“É uma verba absolutamente astronómica que daria para pagar o funcionamento durante um ano dos principais hospitais do país, ou seja, de Santa Maria, São João e Centro Hospitalar Universitário de Coimbra”, faz notar a coordenadora do estudo. Porém, “na realidade, apenas 13 milhões de euros dizem respeito à obesidade e são despesas com cirurgias [bariátricas], alguns internamentos, consultas e um gasto mínimo de medicamentos”. Isto quer dizer que “o grande problema é o conjunto de doenças que lhe estão relacionadas e estas são muito díspares, vão desde a diabetes até vários tipos de neoplasias”, reforça.
Há ainda que ter presente que o total dos 1,14 mil milhões de euros “dizem respeito ao Serviço Nacional de Saúde (e alguma parte vem das famílias porque nos medicamentos contabilizámos o preço de venda ao público)”. O que quer dizer que não foram aferidos os gastos em hospitais privados, “que hoje representam próximo de um terço da assistência”.
Por isso, “é um estudo bastante conservador, não obstante a despesa astronómica que encontrámos”.
1,4 milhões de anos perdidos
Margarida Borges acrescenta outra perspetiva à equação: a “carga da doença, ou seja, anos de vida perdidos por causa desta condição. Em Portugal somam quase 1,4 milhões, dos quais 38% se devem a doenças relacionadas com a obesidade e quase 19% são atribuíveis à obesidade”.
Assim, indica o relatório, para 2018, foram estimadas 25.511 mortes por doenças relacionadas com a obesidade, “que geraram a perda de 533.904 anos por morte prematura, dos quais 100.929 anos (18,9%) são atribuíveis ao excesso de peso e obesidade”. Há que somar ainda 406.499 anos perdidos por incapacidade, “dos quais 96.654 anos (23,8%) são atribuíveis ao excesso de peso e obesidade”.
A coordenadora Margarida Borges salienta que, fruto da colaboração com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, foi possível ter acesso aos micro dados do Inquérito Nacional de Saúde. “Esta é a verdadeira caracterização da população portuguesa, o que dará uma enorme robustez ao estudo. Não são estimativas, nem extrapolações”.
Para José Silva Nunes é incompreensível que para a doença, considerada crónica desde 2004, não exista comparticipação dos fármacos necessários ao tratamento, não passando de um estatuto que figura apenas “no papel”. “É necessária uma abordagem holística ao doente, que inclui o médico [endocrinologista, na maioria das vezes], nutricionista e especialista em exercício físico”, explica o especialista, que integra o Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo – Unidade de Tratamento Cirúrgico de Obesidade e Doenças Metabólicas do Centro Hospitalar Lisboa Central. No entanto, os medicamentos são uma ajuda importante, considera o especialista, mas os custos mensais para o doente podem ir de um gasto de 50 euros (genéricos) a 250 euros (inovadores). O presidente da SPEO menciona igualmente o trabalho que ainda é necessário fazer ao nível da literacia sobre saúde.
Na sua opinião, “só com uma solução de compromisso entre as maiores forças políticas” é que este ‘flagelo’ pode ser combatido. “É necessária uma ação conjunta” que vá além da legislatura.
Outro trabalho em que é importante investir é no combate “à estigmatização da obesidade”. “Não é raro, em entrevistas de emprego, as pessoas com excesso de peso serem discriminadas porque aos olhos do empregador serão preguiçosas”, lamenta José Silva Nunes.
O médico explica que em muitos casos está subjacente uma condição genética que faz com que algumas pessoas gastem menos energia para executar as mesmas tarefas do que outras. “Isso implica que tenham de comer porções menores” e esse ajuste não é sempre feito com sucesso.
O mote deste ano do Dia Mundial da Obesidade é ‘Everybody needs to act’, uma mensagem muito significativa, aponta o responsável.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL