Um médico português submeteu à Assembleia da República uma petição em que pede mudanças drásticas no combate à pandemia da covid-19, manifestando-se contra o “confinamento extremista” e defendendo o uso de medicamentos, mesmo sem “evidência científica indiscutível” de eficácia.
Na petição com 245 subscritores e atualmente em análise pela comissão parlamentar de saúde, o internista António Ferreira, do Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto, insurge-se contra o “confinamento extremista” levado a cabo por países como Portugal, que, “para além de não servir para nada em termos da pandemia, levou a uma catástrofe económica”.
“Confinar agressivamente serviu para muito pouco ou nada no que toca à evolução e à mortalidade da pandemia”, argumenta António Ferreira, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que indica que os países que tiveram confinamentos totais “apresentam, em termos gerais, um número de casos por milhão de habitantes idêntico aos que não confinaram”.
Apoiando-se num artigo científico que está em pré-publicação e que subscreveu com mais 33 investigadores, António Ferreira defende que deve ser adotado um modelo semelhante ao que aconteceu com a epidemia do VIH.
Para lidar com o vírus da imunodeficiência humana, para o qual não existe vacina, tal como o Sars-Cov2, associam-se a medidas que não têm nada a ver com medicamentos com “tratamento farmacológico iniciado ainda antes da existência de evidência científica indiscutível, baseando-se, apenas, na prova pré-clínica ou em dados de estudos limitados”.
Essa abordagem “salvou muitas vidas” e é “uma estratégia similar” que defende que se aplique à covid-19, com “o tratamento precoce domiciliar dos infetados e a quimioprofilaxia alargada”, quer agora quer quando exista uma vacina.
No artigo que ainda não foi sujeito a revisão, os autores notam que “não existe prevenção ou tratamento para doentes não internados com sintomas ligeiros a moderados, que constituem 80 por cento da população infetada e o modo principal de transmissão do SARS-Cov-2.”
Notam ainda que muitos dos estudos clínicos feitos com medicamentos como a hidroxicoloroquina ou o remdesivir se centraram em pacientes hospitalizados, mas que “as lições aprendidas em pacientes hospitalizados muito doentes não se aplicam necessariamente” às primeiras fases da infeção.
“Agentes antivirais, como o remdesivir ou o favipiravir, plasma de convalescentes e anticorpos monoclonais serão provavelmente os mais eficazes nas primeiras fases de atuação do vírus, antes da hospitalização”.
Quanto aos políticos, António Ferreira interpela-os para que “deixem de se esconder apenas atrás da visão em túnel da saúde pública, acrescentem à visão meramente sanitária uma abordagem sistémica e política, arrisquem em favor daqueles que representam”.
Ataca ainda a Organização Mundial de Saúde, que considera “responsável pela morte evitável de milhares ou dezenas de milhar de doentes de covid-19 em todo o mundo ao recomendar, contra a experiência acumulada” dos médicos que tratam infeções virais, “que não se usasse corticoesteróides no tratamento”, preferindo a aposta na “aplicação rígida e extremada de estratégias atávicas ‘medievais’ de combate às epidemias”, como “estados de emergência e outros que tais”.