Não foi preciso esperar muitos dias após o regresso às aulas para perceber que o dia-a-dia dos delegados de saúde pública que acompanham as escolas não melhorou com as novas regras de gestão da epidemia, agora assentes na testagem e não no isolamento preventivo de turmas inteiras, sempre que seja identificado um caso positivo em contexto escolar.
Até à semana passada, as escolas estavam a enviar às unidades de saúde pública da sua área as listas de alunos e professores que tivessem tido contacto com alguém que testasse positivo, para que estes fossem depois rastreados e recebessem as prescrições de testes de despiste para o SARS-CoV-2.
A recente atualização da norma da Direção-Geral da Saúde relativa à gestão de contactos de risco passou a determinar que só têm de se isolar as pessoas que residam ou trabalham em lares e os coabitantes. E mesmo estes ficam ‘livres’ se já tiverem recebido a dose de reforço da vacina ou estiverem no período de recuperação de infeção. Em contrapartida, é recomendado fazer-se um teste até ao 3º dia após o contacto, com autovigilância para o aparecimento de sintomas.
“Ao terceiro, quarto dia de aulas, com o avolumar de casos que iam aparecendo, começou-se a perceber que era impossível às equipas de saúde pública chegar a todas as crianças que contactassem com um caso positivo”, conta o presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges.
Coincidência ou não, a verdade é que já esta segunda-feira, a diretora-geral da Saúde enviou uma orientação aos delegados de saúde regionais sobre a abordagem de casos e contactos em contexto escolar e de creches. Nessa informação, lembra-se que o paradigma de controlo de epidemia após o aparecimento da variante Ómicron mudou e que assenta agora na “responsabilização dos indivíduos e dos contextos”. E é nessa ótica que as equipas de saúde pública devem ter uma intervenção de “apoio à escola, se pertinente, e não como intervenção de autoridade de saúde”, lê-se na mesma nota.
A escola decide
Por outras palavras, se surgir um caso positivo em contexto escolar, não têm de ser os profissionais de saúde a telefonar para alunos, professores e funcionários e a emitir prescrição para teste, mas deverão ser as escolas e as famílias a fazer essa gestão. Sobre quem tem de ficar ou não em isolamento, a norma é clara – os casos positivos e os coabitantes.
No que respeita especificamente à testagem, a DGS lembra que, por lei, não pode ser obrigatória, mas que deve ser “fortemente incentivada”. Caso testem positivo, ou não tendo feito o teste apresentem sintomas de covid-19, as pessoas serão “sempre retiradas da escola”.
E sobre a forma como funcionará uma turma com poucos ou muitos casos, será a direção a avaliar. “É a escola que decide as condições de ensino que pode ter em cada momento (presencial, misto, à distância) de acordo com o número de alunos e pessoal docente e não docente, presente ou ausente por isolamento”, informa a DGS.
Para Gustavo Tato Borges, esta é uma orientação coerente com a nova forma de gerir a epidemia que foi definida pelas autoridades de saúde e pelo Governo, assente numa responsabilidade maior de cada cidadão e das organizações. Se por um lado comporta riscos, porque o controlo passa a depender da articulação entre escolas e encarregados de educação, por outro libertará os médicos de saúde pública para outras tarefas de acompanhamento de que mais precisa e não para o rastreio de contactos, admite.
David Sousa, vice-presidente da Associação Nacional de Dirigentes de Agrupamentos Escolas Pública, também não se opõe a esta aposta no “testar para ficar”, por oposição ao isolamento de grupos inteiros. “É mais racional e menos prejudicial para os alunos”, considera. No seu agrupamento (Frei Gonçalo de Azevedo, em Cascais) logo na primeira semana do 2º período surgiram vários casos positivos entre estudantes, professores e funcionários. Mas a escola tem-se socorrido das plataformas onde são disponibilizados os materiais de estudo e até de aulas transmitidas online em alguns casos para manter os alunos a seguir a matéria, sem mais interrupções.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL