“Mente sã, corpo são”. Uma expressão quase clichê, mas que ganha cada vez mais veracidade e importância nos tempos que correm. A 10 de outubro assinala-se o Dia Mundial da Saúde Mental, com o objetivo de sensibilizar o público para a importância deste tema, uma vez que a saúde mental é a “base do nosso bem-estar” e “da nossa vida”.
As citações acima foram ditas por Elizabethe Noronha, psicóloga clínica na Associação de Saúde Mental do Algarve (ASMAL), uma instituição de solidariedade social com sede em Loulé, criada em 1991, que funciona como um centro de recursos especializados para a doença mental e presta auxílio na promoção de qualidade de vida do seu público.
O público-alvo é diversificado, passando por pessoas com problemas de saúde mental, com deficiências e incapacidades, população desfavorecida ou em risco e ainda famílias. “A saúde mental é transversal a todas as fases da nossa vida” e acaba por descrever o nosso bem-estar psicológico e social, influenciado o dia a dia e a disposição com que cada um de nós encara a vida e os problemas. Falar de saúde mental é falar “da nossa própria expressão” e da relação permanente entre esta e a saúde física. Ambas estão relacionadas – como dá a entender a expressão que inicia este artigo – e é igualmente importante dar atenção ao corpo e à mante para atingirmos o equilíbrio.
Elizabethe Noronha explica que é fundamental estarmos bem psicologicamente, uma vez que a saúde mental funciona como a “base” de tudo. Infelizmente, ainda hoje existe alguma dificuldade “na compreensão de um estado de sofrimento”, uma vez que as doenças físicas são observáveis de uma forma mais imediata e “o que acontece na saúde mental, é que conseguimos de alguma forma disfarçar um sofrimento psicológico que existe”. A dificuldade na deteção desta patologia acaba por “condicionar a sensibilidade das pessoas que estão à nossa volta” e ainda “da própria pessoa que está em sofrimento emocional”, tornando o diagnóstico mais complicado.
É importante passar a mensagem de que a saúde física e mental estão ao mesmo nível e o que sentimos psicologicamente não deve ser reduzido e desconsiderado, tal como explica a psicóloga clínica. Ou seja, se estivermos com dores em alguma parte do corpo, devemos procurar um profissional de saúde. O mesmo acontece quando se trata do nosso bem estar. O estigma de “quem procura um psicólogo são os ‘malucos’” deve ser abolido e devem ser assumidos com naturalidade quaisquer sinais de que precisamos de ajuda ao nível mental.
Saúde mental em tempos de pandemia
A pandemia do novo coronavírus, que surgiu em Portugal em março, acabou por trazer para a mesa um debate mais alargado da importância da saúde mental. “Falar sobre a saúde mental vai permitir que as pessoas se sintam mais à vontade”, reflete Elizabethe Noronha. A verda- de é que “tendo a pandemia afetado todos, isto torna as pessoas mais empáticas para o que o outro sente. Estamos todos a vivenciar a mesma experiência”. Nos media, vários jornais, televisões e rádios abordaram a temática, no sentido de informar a população para a sua importância. Numa altura em que os apelos abrandam, é preciso reforçar a mensagem e a covid-19 veio, sem dúvida, alterar o sentido da nossa vida, trazendo-lhe um conjunto de “incertezas”, refere a psicóloga clínica.
Durante o confinamento, alastrou-se a grande parte da população um sentimento de “ansiedade”, que nos fez “ter sensações físicas de aper- to no peito e até falta de ar”, uma vez que nos encontrávamos rodeados de incertezas, medo e até pela liberdade, que foi de certo modo condicionada para abrandar o contágio da SARS-CoV-2. Naquela altura “muitas pessoas experienciaram estes sentimentos pela primeira vez”. Também os conflitos familiares, matrimoniais (onde aparece a violência doméstica) e problemas relacionados com distúrbios alimentares, foram “apurados” nesta fase. Viver 24 horas com o problema e não poder distanciar-se, fazer alguma atividade que antes se poderia fazer, acabou por afetar a saúde mental de todos.
ASMAL terá unidade sócio-ocupacional para adolescentes
“Foi um período muito curto para mudanças tão significativas”, explica Elizabethe Noronha. Até ao momento, continua a ser uma exigência muito grande para todos nós viver com a pandemia: passámos por três estados de emergência, vivemos confinados durante mais de dois meses, começámos a utilizar máscaras em espaços fechados e a proceder à desinfeção constante das mãos e uma série de outras normas que vieram ‘trocar’ o sentido de tudo o que tínhamos até agora como ‘normal’. Esta “sensação de incerteza que põe [também] em causa questões como a continuidade no emprego ou na escola”, ajudou à revelação do “quadro de ansiedade de todos nós”. “Todas estas emoções podem levar-nos a momentos de crise de choro e ansiedade, a roçar talvez um estado de pânico”, uma vez que estava em causa a nossa “sobrevivência”, conclui Elizabethe Noronha.
Todas estas questões vieram ao de cima com a pandemia do novo coronavírus. A ASMAL terá uma unidade que visa desenvolver programas de reabilitação psicossocial para adolescentes com perturbação mental ou perturbação do desenvolvimento e estruturação da personalidade. O programa será desenhado de acordo com a situação específica do paciente, em articulação com os serviços de Saúde Mental da Infância e Adolescência e com as escolas. Elizabethe Noronha explica que “há uma prevalência significativa de problemas de saúde mental na adolescência” e, por isso, se torna importante dar uma resposta “que promova o apoio e os cuidados a jovens com problemas de saúde mental”. É muito importante o trabalho na promoção do bem-estar e “vale a pena referir que somos todos nós que precisamos apostar nas ações de prevenção e promoção da “saúde mental”.
“Capacitar pessoas” é assim muito importante, começando na juventude. A pressão de ter boas notas, escolher uma área de estudo, escolher um emprego ou debater-se com questões de aparência, acaba por tornar emergente uma ação que consiga articular e desenvolver o bem-estar mental. Cuidar de nós e da nossa saúde, começa assim na mente. Sem medo de pedir ajuda.