O parlamento ‘chumbou’ hoje a proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) com os votos contra do PSD, BE, PCP, CDS-PP, PEV, Chega e IL.
Na votação na generalidade, no plenário da Assembleia da República, o PS foi o único partido a votar a favor da proposta orçamental, que mereceu as abstenções do PAN e das duas deputadas não-inscritas, Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.
No total, o OE2022 contou com 117 votos contra, 108 a favor e cinco abstenções. “O resultado foi a rejeição desta proposta do Governo”, afirmou o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, no final da votação.
Orçamento de Costa chumba e o país entra em crise política
Em 47 anos de democracia, nunca um Orçamento do Estado tinha sido chumbado no Parlamento.
Não houve golpe de magia e confirmou-se aquilo que Bloco de Esquerda e o PCP anunciaram nos últimos dias.
Os dois partidos votaram contra o Orçamento e deixaram o PS sozinho, pela primeira vez, desde que chegou ao Governo em 2015.
O chumbo da proposta do Orçamento do Estado para 2022 precipita a realização de eleições legislativas antecipadas, como tinha avisado o Presidente da República. Cabe agora a Marcelo Rebelo de Sousa a dissolução do Parlamento e a marcação de novas eleições legislativas.
O primeiro-ministro, António Costa, afirmou , na terça-feira, que não se demite. O primeiro-ministro garantiu que, mesmo com o Orçamento do Estado chumbado, continuará chefe de Governo.
À saída da Assembleia da República, António Costa disse aos jornalistas que “o Governo sai desta votação de consciência tranquila. Nunca voltaremos as costas às nossas responsabilidades. Os portugueses podem contar com o Governo para assegurar a governação do país. A partir de agora, cabe ao Presidente avaliar esta decisão e tomar as decisões que entenda. O Governo nenhum comentário terá a fazer às decisões do Presidente. Governar por duodécimos se for essa a decisão, ir a eleições se for essa a decisão”.
PR recebe hoje Ferro e Costa, ouve partidos no sábado e Conselho de Estado na quarta-feira
O Presidente da República vai receber hoje o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e o primeiro-ministro, António Costa, e ouvirá os partidos no sábado e o Conselho de Estado na quarta-feira.
Estas reuniões foram hoje divulgadas através de uma nota no sítio oficial da Presidência da República na Internet logo após o chumbo do Orçamento do Estado para 2022 na generalidade.
Marcelo Rebelo de Sousa tinha avisado que perante um chumbo do Orçamento iria iniciar “logo, logo, logo a seguir o processo” de dissolução do parlamento e de convocação de eleições legislativas antecipadas.
Nos termos da Constituição, para dissolver a Assembleia da República, o Presidente da República tem de ouvir os partidos nela representados e o Conselho de Estado.
“O Presidente da República, que esta noite reúne com o presidente da Assembleia da República e com o primeiro-ministro, vai receber no próximo sábado, 30 de outubro, nos termos constitucionais, os partidos políticos com representação parlamentar, bem como vai convocar uma reunião especial do Conselho de Estado para o dia 03 de novembro, também nos termos constitucionais”, lê-se na nota hoje divulgada.
Costa espera ter “maioria reforçada e duradoura”
O primeiro-ministro afirmou esperar que o chumbo da proposta de Orçamento do Governo represente uma “vitória de Pirro” dos partidos de direita e que na próxima sessão legislativa tenha “uma maioria reforçada e duradoura” o parlamento.
Esta alusão ao cenário de eleições legislativas antecipadas por foi feita por António Costa a meio do seu discurso que encerrou o debate parlamentar da proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2022 – diploma que minutos depois foi reprovado com os votos do PSD, Bloco de Esquerda, PCP, CDS-PP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal.
“Uns acham que sou otimista, mas sou sobretudo confiante no meu país e nos portugueses. Confio por isso que esta vitória da direita seja uma vitória de Pirro”, começou por dizer o líder do executivo.
Depois de nova referência à “frustração dos 2,74 milhões de eleitores” de esquerda nas eleições legislativas de 2019, António Costa levantou a bancada do PS com a seguinte frase: “Espero que tudo isto se possa converter numa maioria reforçada, estável e duradoura numa próxima sessão legislativa”.
“Tenho pena que não se pretenda tirar todo o potencial desta solução governativa e se considere prematuramente fechado a ideia de que há caminho para andar”, lamentou depois, numa crítica ao voto contra do Bloco de Esquerda, PCP e PEV.
Costa salienta que manterá Governo mesmo em regime de duodécimos
O primeiro-ministro salientou hoje que, na sequência do chumbo do Orçamento para 2022, no parlamento, o seu Governo se manterá em funções mesmo em regime de duodécimos, alegando que não vira as costas à adversidade.
Esta posição foi transmitida por António Costa na parte final do discurso que proferiu no encerramento do debate parlamentar do Orçamento, momentos antes de o diploma do Governo ser rejeitado na generalidade.
Na sua intervenção, antes da votação, o líder do executivo colocou o cenário do chumbo da proposta de Orçamento, dizendo que então “cá estará o Governo para garantir condições de governabilidade, mesmo em duodécimos”.
“Nunca viramos as costas à adversidade”, declarou, pronunciando-se depois sobre a intenção já comunicada pelo Presidente da República de dissolver a Assembleia da República.
Se houver eleições legislativas antecipadas, António Costa frisou que lá estará “para prestar contas e mobilizar os portugueses para criar as condições de governabilidade que hoje deixarão de existir”.
“Para conduzirmos Portugal para um futuro de progresso, de modernidade e de justiça que os portugueses merecem. Pedindo de novo emprestadas ao Jorge Palma as suas palavras, enquanto houver vento e mar a gente não vai parar. Nós não vamos parar”, salientou.
Ferro Rodrigues informa partidos de conferência de líderes na quinta-feira às 10:30
O presidente da Assembleia da República informou hoje, após o ‘chumbo’ do Orçamento do Estado, que haverá uma conferência de líderes na quinta-feira às 10:30 para reorganizar os trabalhos parlamentares.
“Informo todos os grupos parlamentares que amanhã, às 10:30, reunirá a conferência de líderes para procedermos de acordo com este resultado e programarmos os trabalhos da Assembleia da República”, informou Ferro Rodrigues.
Na votação na generalidade, no plenário da Assembleia da República, o PS foi o único partido a votar a favor da proposta orçamental, que mereceu as abstenções do PAN e das duas deputadas não-inscritas, Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.
Segundo orçamento chumbado desde o 25 de Abril, mas o primeiro a originar eleições
Foi a segunda vez que um Orçamento de Estado chumbou no parlamento em 47 anos de democracia, mas a primeira em que a rejeição dará, como já antecipou o Presidente da República, origem à dissolução da Assembleia da República.
Desde o 25 de Abril de 1974, os presidentes da República usaram várias vezes o seu máximo poder – que ficou conhecido como “bomba atómica” – para dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas, mas nunca o motivo foi a rejeição do Orçamento de Estado.
O primeiro e único chumbo de um orçamento no Portugal democrático ocorreu em 1978, quando Portugal estava sob resgate do Fundo Monetário Internacional e a cumprir um programa de austeridade, situação que se viria a repetir em 1983 e 2011. E o motivo da rejeição no parlamento foi o corte do subsídio de Natal.
O primeiro-ministro era o social-democrata Carlos Mota Pinto, que liderava um Governo de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes, e o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças era Manuel Jacinto Nunes, a quem coube a tarefa de elaborar o Orçamento do Estado para 1979.
Em entrevista à agência Lusa, em 2011, numa altura em que Portugal voltou a negociar um programa de austeridade com a troika, Jacinto Nunes disse que o executivo teve então grande liberdade para escolher o caminho para pôr na ordem as finanças públicas.
“Foi feito de forma bastante independente do FMI, mas nós tínhamos a consciência de que tínhamos de fazer um orçamento bastante restritivo. Tínhamos um enquadramento geral feito pelo FMI, mas não tivemos contactos com o Fundo para receber quaisquer sugestões. Mas as medidas de restrição que o orçamento envolvia foram fundamentalmente da nossa iniciativa”, afirmou.
Jacinto Nunes recordou “havia bastante contestação”, tanto “na rua como na política”. “Era um Governo sem apoio partidário, nenhum partido nos apoiava diretamente”, sublinhou, lembrando-se de estar nos Passos Perdidos da Assembleia da República a tentar convencer Francisco Sá Carneiro, então líder do PSD, a levar o partido aprovar o orçamento.
Após o chumbo do orçamento ainda pensou em demitir-se, mas receou que tal passasse a mensagem de que tinha ambições políticas. Como não era o caso, foi fazer um segundo orçamento, que o parlamento aprovou com alterações, agora sem os cortes no subsídio de Natal e com outras mudanças. O Governo demitiu-se a seguir.
O OE de então propunha, entre outras medidas, uma descida dos salários reais, ou seja, aumentos abaixo dos cerca de 25 por cento de inflação que o Governo previa para 1979, bem como, e esta era a medida mais polémica, o pagamento de metade dos subsídios de Natal em títulos de dívida pública. E tal foi a controvérsia que o parlamento chumbou o OE.
Apesar de ser a primeira vez que o chumbo de um orçamento dá origem à dissolução da Assembleia da República e a eleições, não é a primeira vez que a rejeição de um documento económico provoca legislativas antecipadas.
O chumbo do PEC IV, o Programa de Estabilidade e Crescimento que o governo então liderado por José Sócrates deveria apresentar à Comissão Europeia já com medidas de austeridade para enfrentar a crise económica e assim garantir mais apoios financeiros, foi rejeitado no parlamento através da aprovação de cinco resoluções – PSD, CDS-PP, BE, PCP e PEV – expressamente com essa finalidade.
“A Assembleia da República rejeita o PEC (2011-2014), apresentado pelo Governo, porque este contribui para empobrecer quem trabalha, quem está desempregado e quem está reformado, porque não responde às prioridades nacionais na consolidação orçamental nem protege as políticas sociais para os mais desfavorecidos, e ainda porque desiste da criação de estímulos anti-recessivos e da prioridade da criação de emprego”, referia o projeto do BE.
Sócrates, que já havia assegurado que nunca iria para uma cimeira europeia sem se poder “comprometer com um programa de medidas de médio prazo”, demitiu-se logo após o chumbo, levando o então Presidente Cavaco Silva a dissolver a AR e convocar legislativas antecipadas, que viriam a ser ganhas pela aliança PSD/CDS-PP de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas formada expressamente para concorrer a esse sufrágio (Portugal à Frente – PAF). Meses depois era aprovado o programa de resgate com o FMI, União Europeia e Banco Central Europeu.
Mas se a história nunca se repete da mesma maneira, volta a ser a questão económica a estar na origem do uso da “bomba atómica” e das eleições antecipadas. Apesar de alguns avanços nas negociações com o PCP e da rutura previsível com o BE, comunistas e bloquistas anunciaram o voto contra a proposta orçamental para 2022.
Numa altura em que Portugal inicia a distribuição das dezenas de milhões de euros da denominada “bazuca” do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), o primeiro-ministro, António Costa, manteve-se em funções, mas o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa já anunciou que será rápido na dissolução para tentar ultrapassar a crise política o mais depressa possível.