A comissão parlamentar norte-americana sobre o assalto ao Capitólio conduziu sete audiências públicas até agora, produzindo provas de tentativas de adulterar o resultado das eleições, implicando Donald Trump, e de planeamento do ataque a 06 de janeiro de 2021.
As audiências, desde 09 de junho, foram lideradas à vez por vários membros do painel bipartidário, com o testemunho sob juramento de ex-aliados de Donald Trump, altos funcionários de estados como a Geórgia e o Arizona, ex-funcionários da Casa Branca e até um dos participantes no ataque.
O ‘puzzle’ que a comissão está a montar baseia-se em mais de mil entrevistas, algumas das quais serão partilhadas com o Departamento de Justiça para efeitos da sua investigação criminal.
Cada audiência centrou-se numa parte diferente do processo que culminou na invasão do Capitólio a 06 de janeiro, tecendo uma teia que a comissão acredita ter um elemento central: Donald Trump sabia que as alegações de fraude eleitoral eram falsas e tentou permanecer no poder a todo o custo, incitando os seus apoiantes a pararem o processo de transferência pacífica de poder quando o resto falhou.
Ignorância intencional dos factos
Um dos aspetos reiterados em todas as audiências foi a frequência com que conselheiros e membros da administração informaram Donald Trump que não havia provas da fraude eleitoral que ele alegava – e que Joe Biden seria confirmado como presidente.
O ex-procurador-geral Bill Barr disse a Trump que as alegações eram disparatadas, depois de ter declarado publicamente, no início de dezembro de 2020, que não havia provas de fraude capazes de mudar o resultado das eleições.
Em vídeo, a filha do ex-presidente Ivanka Trump disse que aceitara a conclusão de Bill Barr. O secretário do Trabalho Eugene Scalia aconselhou Trump a conceder a derrota depois dos votos do colégio eleitoral a 14 de dezembro.
No entanto, o ex-presidente continuou a insistir na teoria da fraude, apoiado nas alegações de pessoas próximas, mas externas à administração, como Rudy Giuliani, Sidney Powell e Michael Flynn.
Foi com eles que Trump se reuniu na Sala Oval a 18 de dezembro para tentar pôr em marcha um plano que incluía a captura das máquinas de votação e a nomeação de Powell como procuradora especial para investigar a fraude.
O advogado da Casa Branca, Pat Cipollone, disse em testemunho gravado que esta reunião acabou em gritos e que nem Powell nem Giuliani responderam quando ele pediu provas da alegada fraude. Outros advogados presentes descreveram teorias “malucas”, incluindo o envolvimento de termostatos na suposta manipulação de votos.
Pressões para adulterar resultados
Com os processos sobre alegada fraude a serem rejeitados em tribunal, Trump e os seus aliados exerceram pressão sobre vários altos responsáveis para que os resultados fossem adulterados.
O secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, testemunhou que Trump lhe telefonou a pedir para “encontrar” 11.780 votos de forma a virar os resultados a seu favor. O presidente da Câmara dos Representantes do Arizona, Rusty Bowers, testemunhou que Trump lhe telefonou a pedir que rejeitasse os ‘grandes eleitores’ que iam confirmar a vitória de Biden no Congresso.
Seguiram-se pressões sobre o Departamento de Justiça, com vários ex-responsáveis a testemunharem sobre como Trump os pressionou para que declarassem a eleição “corrupta”. O ex-presidente ponderou substituir o procurador-geral por um dos seus aliados, Jeffrey Clark, que estava disposto a dar seguimento às alegações.
O alvo final foi Mike Pence, pressionado para rejeitar ou adiar a certificação de Biden a 06 de janeiro, algo que o vice-presidente recusou.
A invasão do Capitólio
Quando as campanhas de pressão falharam e a reunião de 18 de dezembro na Sala Oval terminou aos gritos, Trump publicou um ‘tweet’ pedindo aos seus apoiantes para agirem. “Grande protesto em D.C. a 06 de janeiro. Apareçam, vai ser selvagem”, publicou o presidente na madrugada de 19 de dezembro.
A reação dos seus apoiantes e de grupos de extrema-direita como os Oath Keepers e Proud Boys foi imediata, com uma mobilização em massa para irem a Washington. A comissão ilustrou a ligação entre o ‘tweet’ e o planeamento da insurreição com uma compilação de vídeos prometendo violência e sangue, incluindo contra polícias.
Um dos manifestantes que acabaria a invadir o Capitólio, Stephen Ayres, testemunhou que o fez como resposta ao pedido de Donald Trump no comício da manhã de 06 de janeiro. O presidente pediu aos manifestantes que marchassem até ao Capitólio, mesmo sabendo que muitos estavam armados.
Isso foi revelado pela ex-assessora da Casa Branca Cassidy Hutchinson, segundo a qual Trump estava furioso porque os detetores de metais impediram muitos dos seus apoiantes de entrar no espaço do comício: estavam armados.
Hutchinson testemunhou que Trump se envolveu num confronto com os agentes do Serviço Secreto que o levaram de volta à Casa Branca após o comício. O presidente queria ir até ao Capitólio com os manifestantes e ter-se-á lançado ao volante do carro presidencial e ao pescoço do condutor.
A comissão demonstrou também que a marcha até ao Capitólio, que resultaria em grande violência e várias mortes, foi planeada – e não espontânea, como tinha sido alegado após o ataque.
O rascunho de um ‘tweet’ obtido através do Arquivo Nacional mostra que já havia a intenção de enviar os manifestantes até ao edifício, onde Mike Pence se preparava para confirmar a vitória de Biden. Também mensagens de texto enviadas por uma das organizadoras do comício, Kylie Kremer, falavam desse plano e de um “segundo palco” secreto montado ao pé do Supremo Tribunal.
Na noite de 6 de janeiro, o ex-gestor da campanha de Trump Brad Parscale trocou mensagens com a antiga porta-voz da campanha, Katrina Pierson, culpando a retórica de Trump pela violência e dizendo que o presidente incentivou uma guerra civil.
Pressões sobre testemunhas
Em duas ocasiões, a comissão denunciou tentativas de pressionar ou intimidar testemunhas, que não foram identificadas. Num dos casos, isto foi feito através de mensagens de texto, apelando à lealdade da testemunha na véspera da deposição. No segundo caso, denunciado na sétima audiência, Donald Trump telefonou à testemunha, que em vez de atender alertou o seu advogado.
O que se segue
A oitava audiência deverá acontecer a 21 de julho, quinta-feira, em horário nobre. A vice-presidente da comissão, a republicana Liz Cheney, disse que a sessão vai debruçar-se sobre o que Trump fez – e não fez – enquanto o Capitólio estava a ser invadido. A comissão apresentará uma cronologia “minuto a minuto” do ataque e da resposta da Casa Branca. Será um momento de “profundo acerto de contas” para a América, indicou o congressista Jamie Raskin.
Após as audiências públicas, a comissão publicará um relatório final, o que poderá acontecer antes das eleições intercalares de 08 de novembro.