O timing foi escolhido e “pensado”, admite. Paulo Rangel deu este sábado uma entrevista de vida ao programa “Alta Definição” onde falou pela primeira vez, publicamente, sobre a sua homossexualidade. Não o teria feito antes de 2019, ano em que a sua mãe faleceu, admite. Não por ser segredo, mas porque “também temos de compreender e proteger os outros, os que amamos, e saber que eles podem ter dificuldade em compreender algumas coisas”.
“Ainda agora, nesta tentativa de campanha negra, veio a questão da orientação sexual, se isso é um problema ou não. Sinceramente, não é problema nenhum. É uma coisa que nunca escondi, nem sei o que move as pessoas nisso. Naturalmente, sempre vivi discretamente porque é a vida privada, não é nenhum segredo, mas também não é coisa para se pôr nos jornais ou nas televisões, é só isso”, disse, referindo-se a uma manchete do jornal “Tal&Qual” e a um vídeo antigo que começou a circular nas redes sociais que mostrava o eurodeputado embriagado nas ruas de Bruxelas — que diz ter sido divulgado de forma “intencional”.
Questionado sobre se a partida da mãe o tornou mais livre, o eurodeputado do PSD e putativo candidato à liderança do partido admitiu que sim, no aspeto da exposição pública. “A preocupação dela era que eu fosse exposto, e isso para ela, sendo católica, era uma coisa difícil”, disse a Daniel Oliveira, admitindo que não falou da orientação sexual antes para proteger a família. “Temos de proteger um pouco as nossas famílias, os nossos amigos, porque essas pessoas não têm de ser objeto de escrutínio, não escolheram isso”, acrescentou.
O facto de ser católico, por sua vez, “não foi um problema”. “Sempre me dediquei muito a estudar Teologia e sei que Deus gosta de nós como somos, portanto a conciliação do cristianismo com essa condição não é um problema. É fácil de integrar”, disse, admitindo que o problema da aceitação individual foi outro: o ambiente social e educacional em que vivia. “A aceitação não é um processo fácil, mas mais por causa do ambiente em que cresci, e uma pessoa no início não percebe bem”.
Nunca falou com os pais sobre o assunto, não percebeu cedo que era homossexual (“mas se fizer um flashback estava lá”), havia “dúvidas”, alguma “ignorânica” e “recusa”. “Os anos 80 e 90 foram mais de não falar do que de falar, depois aparece o ‘Don’t ask, don’t tell’ do Bill Clinton e essa é um pouco a minha geração”, disse, referindo-se à política não discriminatória dos homossexuais nas forças armadas norte-americanas.
Não acha que a orientação sexual de um político ou de uma personalidade com funções cívicas ou institucionais tenha “relevo” na sociedade, mas acredita que ainda é usada como “arma de arremesso”. “É fruto da nossa cultura, esse é um processo a fazer”.
A CAMPANHA NEGRA “INTENCIONAL” E O FUTURO NO PSD
Sobre o vídeo que recentemente começou a circular nas redes sociais, em que o eurodeputado surgia a andar nas ruas de Bruxelas depois de um jantar com alguns excessos, não tem dúvidas de que a divulgação das imagens — que já tinham “cinco ou seis anos” — foi “intencional”, com o objetivo de “enfraquecimento político”, embora diga que não tem ideia de quem o pôs a circular.
Perante o comentário de Daniel Oliveira, que disse que “não estava a fazer nada de mal” no vídeo (não estava a conduzir alcoolizado nem a tratar mal ninguém), Paulo Rangel acrescentou “sim, mas também não é uma coisa de bem”. E explicou: “Sou uma pessoa que tem joie de vivre, gosto de celebrar. Foi um incidente, mas não foi o único da minha vida”.
Falando abertamente e com naturalidade não só sobre a sua orientação sexual, como também sobre a morte dos pais, a obesidade (que é um problema que consta na família paterna) e sobre um período difícil por que passou e que só resolveu com ajuda médica, o facto de Paulo Rangel ter aceitado dar a entrevista pode ser visto, no meio político, como mais um sinal de que está interessado em candidatar-se à liderança do PSD no pós-autárquicas. Mas sobre isso, pouco disse: “O futuro o dirá”.
“Sou uma pessoa que tem muitos sonhos mas que faz poucos planos”, começou por dizer quando foi questionado sobre esse tema, acrescentando depois que “agora há autárquicas, é preciso é concentrarmo-nos”. O resto virá depois.
Diz que não é a ideia de “glória” que o motiva, até porque a glória é “efémera” (“ninguém sabe quem foram os primeiros-ministros da Primeira República, e nós aqui não vamos ficar para a história), mas sim a ideia de serviço público. “O que importa é a pessoa saber se, num dado momento, está em condições de fazer um serviço público e se dedicar 100% a ele”, “o que importa é estarmos ao lado das pessoas”, disse ainda. Ou seja, o que o move é uma coisa “muito mais modesta” do que a glória. “Ou, se quiser, que a palavra modesta pode não se aplicar muito bem a mim, uma coisa muito mais humilde”.
Não diz que sim, porque não é tempo, nem que não. Mas na última pergunta da entrevista, “o que dizem os seus olhos?”, deixa uma pista sobre os planos futuros daquele que é recorrentemente apontado como candidato à liderança do PSD: “O meu sonho acaba tarde”.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso