O Presidente da República defendeu hoje que o plano de recuperação do país com recurso a financiamento europeu deve ter “amplo apoio político”, para ter continuidade, e advertiu para o preço de eventuais crises orçamentais.
“Há matérias relativamente às quais, porque ultrapassam mandatos presidenciais e mandatos governamentais – e não apenas um, mas dois ou três – tem de haver uma continuidade que supõe um consenso político e social duradouro”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
O chefe de Estado falava no encerramento de uma iniciativa da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) de apresentação do documento “Ambição Agro 2020-30”, em que decidiu comparecer presencialmente, em vez de discursar por videoconferência, como estava previsto.
A meio da sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se ao plano de recuperação da crise provocada pela pandemia de covid-19 como “um projeto global que exige consenso político e social”.
O Presidente da República realçou que está em causa um processo com recurso a “vários tipos de financiamento europeu e nacional” e que representa “um esforço muito longo”, que “não se pode confundir com o momento do arranque”.
No seu entender, “há parceiros económicos e sociais que percebem a necessidade do mais vasto consenso social” e impõe-se “a mesma predisposição em termos de consenso político”.
“Isso significa a incompatibilidade entre este processo, desde logo no seu arranque, e crises orçamentais que radicalizem não só o discurso, mas também enfraqueçam condições iniciais de execução daquilo que se quer virado para o médio longo prazo”, acrescentou.
Marcelo Rebelo de Sousa especificou que “há duas maneiras de provocar crises orçamentais”, sendo uma delas “inviabilizando orçamentos”, e a outra “a multiplicação de iniciativas legislativas aprovadas que significam o esvaziamento do quadro orçamental vigente no ano em que tal ocorre”, ou seja, “que questionem de forma direta ou indireta a viabilidade do Orçamento”.
Ambas têm “um preço elevado” num momento como o atual, advertiu o chefe de Estado. “É bom que se tenha a noção do preço envolvido”, reforçou.
O Presidente da República disse que “este é um dado que não tem a ver com um Governo ser um ou ser outro e a oposição ser uma ou ser outra”, contrapondo: “Aplica-se a qualquer Governo com qualquer oposição. Quem for Governo ao longo de dez anos defrontar-se-á com esta questão”.
Ressalvando que “a democracia supõe o pluralismo” e “implica alternativas”, Marcelo Rebelo de Sousa apelou: “Conviria que se não somasse aos ciclos eleitorais miniciclos orçamentais de desfecho imponderável e imprevisível”.
“Muito pode a economia, mas pouco pode se o funcionamento dos sistemas políticos for disfuncional. Como se passa, aliás, em vários países europeus. Pode ser o plano mais brilhante, a visão mais excecional, mais acabada, se entretanto existir uma situação crítica em termos dos protagonistas políticos – não digo sociais – isso significa obviamente uma limitação enorme concretização do plano almejado”, argumentou.
O Presidente da República enquadrou a estratégia de recuperação do país como algo que “não é de uma personalidade, não é de um partido, não é de um Governo, não é de uma classe social, não é de uma corporação, não é de um setor económico, social ou outro”.
“Deve ser assumido como de todos os portugueses e com o mais amplo apoio político, traduzindo esse consenso nacional”, insistiu.
No fim do seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa observou que “mais vale prevenir do que remediar” e que as suas palavras foram para “prevenir acerca de crises evitáveis” e “gestos insensatos” bem como “conjunturalismos sem visão de médio longo prazo”.
“Para que depois não seja tarde de mais e não demos connosco a descobrir que as sociedades não corresponderam, as democracias fraquejaram e que se perdeu uma oportunidade única que não podemos perder. E que não perderemos”, concluiu.