Sem surpresas, Liz Truss foi esta segunda-feira confirmada como a escolhida pelos conservadores para a posição de liderança do partido – o que automaticamente também a torna a mais que provável primeira-ministra do Reino Unido, a menos que a rainha não a aceite. Na sua juventude, Truss fez um discurso, agora famoso, contra todo o privilégio inexplicável da monarquia, mas é pouco provável que Isabel II esteja a planear vingar-se. Na terça-feira, a monarca recebe Truss na sua propriedade em Balmoral, na Escócia, e partir daí começam os verdadeiros desafios.
De um universo de cerca de 180 mil membros, segundo a página do parlamento britânico, 81,326 votam em Liz Truss, 60,399 no seu oponente, Rishi Sunak, ex-ministro das Finanças que ficou visto na campanha como alguém demasiado contido nos cortes fiscais que os conservadores exigem – para ontem. Com uma participação de 80,6%, Truss garantiu 57,4% de apoio e Sunak 42,6%, um resultado que está longe de poder ser classificado como esmagador. A percentagem conseguida por Truss é a mais baixa entre todos os líderes conservadores escolhidos por membros.
Truss assumiu-se, durante toda a campanha, como a “verdadeira conservadora”, uma mulher sem medo de ir contra o “politicamente correto”, uma “amante da liberdade” ao estilo norte-americano, a encarnação da conservadora com mais sucesso da história do partido: Margaret Thatcher. Porém, ainda antes de ter sido conhecido o resultado desta votação, já tinham sido publicados artigos na imprensa britânica a avisar Truss contra a tentação de inundar as posições ministeriais de conservadores conotados com a era de Boris Johnson, como ela mesma é. Truss não abandonou a sua posição como ministra dos Negócios Estrangeiros quando o Governo de Johnson começou a ruir como cubos de açúcar ao sol – e usou a lealdade como trunfo, uma qualidade muito apreciada entre o eleitorado conservador.
“Os tories mais antigos no partido, estão a avisar Liz Truss que, se não fizer um esforço para incluir no seu governo figuras importantes de todo o partido – incluindo críticos de Boris Johnson, levará um partido conservador profundamente dividido à derrota inevitável nas próximas eleições”, lê-se numa notícia do “Guardian”. Isto porque a campanha não vai ficar na História pelos atos de cordialidade trocados entre os dois candidatos, e as eminências do partido temem que ela esteja prestes a escolher pessoas demasiado divisórias, como John Redwood e Iain Duncan Smith, inflamando a tensão com a ala moderada e queimado algumas pontes para o norte e centro do país, um pouco mais à esquerda.
Na noite de sábado, um ex-ministro do gabinete conservador e crítico de Johnson disse ao diário britânico que haveria consequências enormes e “explosivas” se aliados de Truss, e antigos aliados do ex-chefe de Governo, fossem nomeados para cargos de chefia e tentassem usar sua influência para descartar um inquérito parlamentar que está a tentar provar se Johnson mentiu ou não ao parlamento, sabendo que o estava a fazer.
DIFICULDADES NO CAMINHO
A questão principal entre os conservadores já não é o legado de Boris Johnson ou ser as lutas fraticidas poderão vir a contribuir para uma erosão de apoio ao partido – o calendário mental do partido já saltou para janeiro de 2025, o limite para a realização das próximas eleições gerais. A pergunta mais importante que paira sobre Truss é saber se ela consegue segurar a ‘parede vermelha’ que tendencialmente está confortável com mais intervenção do Estado na economia, com mais ajudas sociais, o total contrário das políticas tatcherianas que a nova líder defende, focadas na contenção da despesa e num Estado mínimo. Que ela é a melhor para segurar os votos dos conservadores parece não haver dúvida entre os analistas. Ter vencido entre os membros, logicamente, não significa que consiga também conquistar os conservadores fora da bolha, mas tem algumas vantagens, que vários comentadores passaram as últimas semanas a elencar.
Para Mathew Goodwin, autor, analista e professor especializado em Política Interna do Reino Unido, o Brexit foi a chave do sucesso do Johnson e será ainda o trunfo de Truss, antes de se desvanecer no tempo. “Apesar de ter sido uma liberal-democrata e uma ex-apoiante do Reino Unido como membro da UE, transformou-se de tal forma que hoje é vista como a verdadeira apoiante do Brexit nesta corrida. Como a maioria dos eleitores conservadores é pró-Brexit, é ela quem terá mais mais capacidade de herdar os votos de Johnson de 2019”, comenta ao Expresso.
O desafio imediato de Truss é ajudar os britânicos com a subida relâmpago do custo de vida. Alguns deputados têm dito aos jornais que nada menos é esperado da nova líder do que um “pacote absolutamente maciço” de apoio, é a frase usada pelo “Guardian”. Potencial contradição número 1: Truss opõem-se a “doações públicas” e prometeu que não aumentaria as ajudas sociais, onerando o Estado.
Apesar desta vitória, uma sondagem do semanário “Observer” do fim de semana mostra que ela foi perdendo apoio entre os conservadores, à medida que a campanha se ia desenrolando. Entre aqueles que votaram nos conservadores em 2019, apenas 5% consideram que Truss tem capacidade para “entregar trabalho feito” quando, em julho, essa percentagem era de 26%. No início da campanha, 13% consideravam-na uma “líder forte”, nesta sondagem esse número está nos graus negativos: -4%. É precisamente por isto, e também porque a sua distância para Rishi Sunak não é assim tão ampla, que Truss vai mesmo ter de pensar em como unir o partido.
PARTIDOS REAGEM – E BORIS JOHNSON TAMBÉM
Boris Johnson já retribuiu as belas palavras que Truss lhe dedicou no discurso (“és admirado de Kiev até Carlisle” vai ficar nos livros). No Twitter, Johnson parabenizou Truss por uma “vitória decisiva” e garantiu que a ainda ministra dos Negócios Estrangeiros “tem o plano certo para enfrentar a crise do custo de vida, unir o [nosso] partido e continuar o grande trabalho de equilibrar o país. Agora é a hora de todos os conservadores garantirem que apoiam a 100%”.
Rishi Sunak demorou a reagir à derrota, mas acabou por fazê-lo, de forma sóbria, também no Twitter: “Obrigado a todos os que votaram em mim nesta campanha. Disse sempre que os Conservadores são uma família. Agora o que é certo é unirmo-nos à volta da nova primeira-ministra, Liz Truss, enquanto ela lidera o país nestes tempos difíceis”.
A própria Truss também já reagiu. E também no Twitter. Agradeceu a “confiança” dos Conservadores e promete ser “arrojada” para “enfrentar os tempos difíceis” que se vivem.
Keir Starmer, líder dos trabalhistas, o maior partido da oposição, aproveitou para pressionar Truss a explicar os seus planos económicos, uma área onde ela já se atrapalhou antes. A nova primeira-ministra está “longe das pessoas e da classe trabalhadora”, disse Starmer em comunicado. “É preciso um consenso político e ela precisa responder à pergunta: ‘como é que vai pagar as contas?’ Os trabalhistas deixaram claro que é preciso um imposto extraordinário sobre as empresas de petróleo e gás, e Truss precisa mostrar que (…) pode reverter os fracassos de 12 anos de governos conservadores”. Também sem qualquer surpresa, os nacionalistas escoceses do SNP começaram logo o dia a vaticinar uma tragédia. “Truss vai ser ainda pior que Boris Johnson”, disse o partido em comunicado. Mas a líder do SNP e primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, optou pela moderação dizendo apenas que está à procura de uma “boa relação de trabalho”.
Pelos liberais democratas falou o líder Ed Davey, que pediu uma eleição geral. “Sob Liz Truss, esperamos apenas mais do mesmo: mais crises e mais caos, como com Boris Johnson. Da emergência do custo de vida à crise do SNS, os conservadores mostraram que não se importam com as pessoas e que não têm um plano de ação”.
O Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte solicitou uma reunião com Truss, dizendo que quer “substituir o protocolo da Irlanda do Norte”, um outro grande desafio da nova primeira-ministra. Este documento, assinado com Bruxelas, fixa as regras para o comércio entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido já que tudo o que passar do Reino Unido para a Irlanda do Norte pode também passar para a Irlanda (que é parte do mercado único da UE, algo que já não é o caso com os restantes partes integrantes do Reino Unido). Westminster os unionistas queixam-se da disrupção que este protocolo provoca nas trocas comerciais mas Bruxelas garante que não há muito que possa fazer, uma vez que precisa de assegurar que o que passa para o mercado único, através da Irlanda, tem os padrões de qualidade que os consumidores europeus se habituaram a exigir.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL