A polémica instalou-se esta quarta-feira durante a audição da ministra da Cosão Territorial no Parlamento. A primeira parte da audição tinha tema único – “o estado do ordenamento do território” -, mas a segunda parte era aquilo a que se chama uma audição regimental sobre a política do Ministério. Ou seja, cabia tudo. O tema dominante, contudo, foi a notícia avançada esta manhã pelo jornal Observador, que dá conta de que duas empresas do marido de Ana Abrunhosa receberam fundos comunitários da área por si tutelada.
Tanto o Chega como a Iniciativa Liberal questionaram a ministra sobre o caso logo na primeira parte da audição (a tal de tema único) e a ministra recusou responder, alegando já ter dado todas as explicações necessárias. “Para mostrar que segue as regras da transparência só existem duas soluções no fim do dia de hoje: ou as empresas do seu marido devolvem o dinheiro que receberam ou a senhora demite-se”, disse o deputado da IL Carlos Guimarães Pinto na primeira intervenção, sugerindo a demissão da ministra.
Em sua defesa, uma vez que a ministra recusaria responder, quem falou foi a deputada do PS Isabel Guerreiro que alegou que aquele tema estava fora do âmbito dos trabalhos da comissão e sugeriu, por isso, que as intervenções dos deputados da IL e do Chega sobre esse mesmo assunto deveriam ser eliminadas dos registos da audição.
“Não posso vir aqui falar sobre o café ou o chá que podemos ter tomado ontem à tarde. Estou impedida. O senhor deputado não pode fazer a intervenção que faz, fora do contexto, e continuar a falar como se nada fosse, porque não está na ordem de trabalhos. Não posso falar sobre o concerto que fui ver neste verão porque não está na ordem de trabalhos. E por esse facto acho que deve ser retirada a gravação e deve ser retirada esta parte da ata, não deve ficar a constar [na ata]”, defendeu a deputada.
Para a IL, contudo, tratou-se de uma clara fuga ao escrutínio público. “Agora mesmo na audição à Ministra da Coesão Territorial uma deputada do PS pediu para que a gravação da minha intervenção sobre os fundos atribuídos ao marido da ministra fosse apagada. Incrível. Inacreditável em democracia”, reagiu Guimarães Pinto no Twitter.
MINISTRA REJEITA APAGAR GRAVAÇÕES E EMOCIONA-SE. “É COM A NOSSA ALMOFADA QUE FAZEMOS CONTAS”
Numa primeira abordagem, a presidente da comissão, a social-democrata Isaura Morais, explicou que a eliminação dos registos pedida pelo PS seria tratada numa reunião de mesa e coordenadores. Mas, mais à frente, seria a própria ministra a recusar apagar o que quer que seja. “Se depender da minha opinião, nada do que disse será apagado, não há necessidade disso. O senhor deputado exerceu a sua opinião como eu tenho a minha. Estamos em democracia, temos as nossas ideias e no fim do dia é com a nossa almofada que fazemos contas”, disse, fazendo depois um compasso de espera para travar a voz embargada: “Sou uma chorona”, admitiu, acrescentando que sabe que há críticas feitas com “amizade” e não apenas por “malícia”.
É que Carlos Guimarães Pinto tinha voltado a insistir na pergunta quando arrancou a segunda parte da audição – a tal que não tinha ordem de trabalhos delimitada – e tinha sublinhado que, apesar de o assunto ser delicado, tinha simpatia pela ministra. Elogiaria, de resto, a “dignidade” da ministra ao ter rejeitado a sugestão da deputada de apagar os registos das perguntas incómodas.
“A situação até pode ser completamente legal, mas o conflito moral é evidente”, tinha começado por dizer Carlos Guimarães Pinto, insistindo de seguida na pergunta: “Existe ou não um conflito ético?”. “É que se se tratasse de uma contratação pública, o seu marido não podia receber fundos públicos do Estado, agora não é uma contratação, é um subsídio, mas o mecanismo é o mesmo”, disse, acrescentando ainda que a ministra “tem conhecimento privilegiado sobre a aplicação dos fundos”. Logo, há conflito.
Ana Abrunhosa, uma vez mais, limitou-se a dizer que não iria responder à questão, o que motivou uma intervenção da presidente da Mesa Isaura Morais: “Estamos no âmbito de uma audição regimental e estamos a repetir-nos num assunto que a senhora ministra já disse que não iria responder”.
EMPRESAS DE MARIDO A RECEBEREM FUNDOS? “É UMA CHATICE”
Mas Carlos Guimarães Pinto iria até ao fim: “Existe um profundo conflito ético. Eu sei que é uma chatice que alguém possa não estar em situaçao de igualdade por estar casado com uma ministra – é uma chatice, é mesmo, mas se achar que é demasiado chato para si, a opção é deixar o cargo”. No final, Guimarães Pinto agradeceu a postura da ministra em relação à não eliminação da gravação, mas reiterou que só há dois caminhos: ou a devolução dos dinheiros ou a demissão da ministra.
Em causa está a notícia avançada pelo Observador que dá conta de que duas empresas do marido de Ana Abrunhosa receberam fundos comunitários da área por si tutelada. O deputado liberal questionou esta manhã a governante sobre a “questão ética” subjacente ao facto de só uma das empresas detidas pelo cônjuge, a Thermalvet, ter recebido 133 mil euros da União Europeia (UE) e pediu que devolvesse o dinheiro ou se demitisse.
Segundo o Observador, a Thermalvet, detida a 40% pelo marido de Ana Abrunhosa, recebeu 133 mil euros. Esta empresa foi fundada em outubro de 2020, 15 dias antes do arranque do projeto.
Já a Xiapu, empresa que conta com uma participação indireta do conjugue da ministra, recebeu 66.015 euros no quadro do programa Compete 2020.
A ministra da Coesão, que tutela as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) – responsáveis pela gestão dos fundos comunitários – alega que pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República (PGR), que não conclui a existência de conflitos de interesses, nem ilegalidades. Contudo, a PGR alerta também no parecer para a “obscuridade da lei”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL