O coordenador do plano de vacinação contra a covid-19 considerou que “daria um péssimo político” e que se sente “perfeitamente realizado enquanto militar”, assim respondendo à sugestão de uma candidatura à Presidência da República.
“Não sinto necessidade de dar [o meu contributo] enquanto político, primeiro porque não estou preparado para isso, acho que daria um péssimo político e também acho que devemos separar o que é militar do que é político, porque são campos de atuação completamente diferentes”, afirmou o vice-almirante Gouveia e Melo à Lusa, numa entrevista de balanço sobre o processo de vacinação.
Além do mais, disse, não se sente “inclinado para isso”.
“Já diversas vezes me perguntaram e eu tenho a certeza absoluta que há dentro do quadro democrático e da sociedade civil pessoas muito mais capazes para desempenhar esse papel”, sublinhou.
Para o vice-almirante, que exerce a coordenação daquele processo desde fevereiro, os militares são mais vocacionados para a ação e são menos negociadores.
“A política é uma arte de negociação permanente, nós [militares] somos menos negociadores, na nossa maneira de estar a rapidez da ação não exige de nós grandes capacidades de negociação, exige grandes capacidades de decisão e de decisão sob stresse”.
Para Gouveia e Melo, essa é uma das razões pela qual daria “um péssimo político”: “Falta-nos essa capacidade de negociar de forma muito aberta com todos os setores da sociedade e todos os interesses da sociedade e isso é uma coisa que os militares não estão habituados a fazer”.
“Temos preparações diferentes, são maneiras de estar diferentes e não devemos misturar isso. Se no passado houve essas misturas, ou houve necessidade dessas misturas, isso é o passado”, sublinhou.
E destacou: “Acho que não há necessidade de nenhum militar vir para a política, nós temos uma classe política muito desenvolvida e estruturada, a democracia está estruturada e terá os seus caminhos e encontrará sempre as suas soluções”.
O vice-almirante e coordenador da task-force para a vacinação, Gouveia e Melo. Foto D.R. TIAGO PETINGA
Reconhecendo que ao longo destes últimos meses foi obrigado a negociar muitas vezes, “porque teve de se adaptar”, Gouveia e Melo sublinha, no entanto, que “são militares” as características que ajudaram neste processo.
“São características de autoridade para ter planos executados em tempo, para conseguir objetivos mesuráveis em tempo, para conseguir um ritmo elevado e rápido. Isso obriga alguma autoridade, a impor coisas muitas vezes”, afirmou.
Para o vice-almirante, a emergência da pandemia facilitou esse tipo de decisões, mas – ressalvou – “num processo diferente, no processo democrático, esse autoritarismo era imediatamente negativo e teria consequências negativas”.
E resumiu: “Portanto, eu acho que os militares devem fazer o que sabem fazer, que é ser militar e os políticos fazem o que sabem fazer, que é ser políticos (…) nós vivemos numa democracia estável, não devemos confundir as coisas”.
Segundo Gouveia e Melo, poder-se-ia equacionar a situação ao contrário e por um civil a tomar conta de uma campanha militar: “Eu acharia que eventualmente era capaz de não ser a melhor opção e vice-versa, a forma como nós somos educados tem importância”.
O vice-almirante e coordenador da task-force para a vacinação, Gouveia e Melo, na sala de operações da sede em Carcavelos, Oeiras. Foto D.R. TIAGO PETINGA
“VOU DESPIR ESTE CAMUFLADO QUANDO SENTIR QUE GANHÁMOS A GUERRA”
O vice-almirante Gouveia e Melo, coordenador do processo de vacinação contra a covid-19, prometeu abandonar o camuflado quando a “guerra” for ganha e manifestou-se contra a “sobrevacinação” de populações já vacinadas.
“Vou despir este camuflado quando sentir que de alguma forma ganhámos a guerra, ou pelo menos não a conseguimos fazer melhor. Em princípio será quando se atingir os 85% das segundas doses”, disse o coordenador da “task-force” à Lusa, numa entrevista a propósito do balanço sobre o processo de vacinação.
Esse marco deverá ser alcançado por estes dias, segundo disse, mas, até lá, não quer dar “sinal de descanso”, sublinhou.
“Enquanto não tivermos todos com a segunda dose – todos os 84% ou 85% da população – há um trabalho a fazer, que é retirar espaço de manobra ao vírus”, acrescentou, referindo que essa tarefa compete ao Estado — que tem de dar as condições para que tal aconteça — e aos portugueses, acorrendo ao processo de vacinação.
Gouveia e Melo considerou, no entanto, que não faz sentido “sobrevacinar” populações já vacinadas, deixando outras à mercê do vírus, nomeadamente noutras zonas do globo.
“Isso não me parece ético e não parece uma boa estratégia”, destacou. “Há um princípio ético e moral, nós não devemos proteger-nos em detrimento de outras pessoas, que precisam também de proteção”, esclareceu, justificando que “devemos ser solidários, a solidariedade não é só com o irmão, ou com a mãe ou com a família, é dentro do Estado e, depois do Estado, para outros estados e na comunidade internacional”.
Por outro lado, o vice-almirante assinalou o “aspeto prático”: “Não é uma boa estratégia deixar zonas muito desprotegidas, onde o vírus se vai mutar naturalmente (…) e não é combatido”.
“Se [o vírus] se mutar mais rapidamente, mais tarde ou mais cedo, face à globalização, viremos a sofrer de uma reinfeção de uma estirpe já mutada muito mais resistente é muito mais difícil de combater”, afirmou.
O vice-almirante e coordenador da task-force para a vacinação, Gouveia e Melo. Foto D.R. TIAGO PETINGA
TERMINADA A TAREFA DA VACINAÇÃO, O VICE-ALMIRANTE TENCIONA TIRAR “TRÊS DIAS PARA DESCANSAR” E REGRESSAR ÀS FUNÇÕES QUE DESEMPENHAVA
Do ponto de vista pessoal, terminada a tarefa da vacinação, o vice-almirante disse tencionar tirar “três dias para descansar depois disto, só para desligar o ritmo” e regressar às funções que desempenhava.
Anteriormente, Gouveia e Melo era adjunto para o Planeamento e Coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas, cargo pelo qual recebeu uma medalha do Presidente da República, a 19 de agosto passado.
“Tratou-se de um reconhecimento, ao fim e ao cabo, da função militar”, disse. “A medalha que eu recebi, em termos de ‘timing’, pode ter parecido que era uma medalha que tinha a ver com o processo de vacinação, mas o que me foi explicado (…) é que era um processo que tinha a ver com as funções que eu desempenhei nas Forças Armadas”, contou o vice-almirante.
Questionado se mereceria uma outra pelo processo de vacinação, “uma medalha civil”, como se lhe referiu, Gouveia e Melo respondeu que não precisa “de mais medalhas nenhumas”.
“Já não preciso de nada, eu vou na rua e as pessoas agradecem, a generalidade das pessoas tem uma atitude muito generosa para comigo e ao fim e ao cabo eu também represento um grupo de militares e de enfermeiros (…) essa medalha é para todos nós”, afirmou.
Sobre o papel das Forças Armadas neste processo, o vice-almirante considerou que “as FA são o que o povo quer que elas sejam” e que há mecanismos democráticos para que o faça sentir.
“A população portuguesa tirará certamente as ilações que quiser tirar deste processo, tem os mecanismos democráticos para fazer sentir, o próprio poder político tem os mecanismos adequados para fazer sentido se o papel [das FA] é reforçado ou não é reforçado”, explicitou.
“Eu acho que nós fomos chamados a fazer uma função diferente, não sei se a fizemos bem ou mal, parece-me que a fizemos bem, mas não sou eu que me vou julgar, é a população, é o poder político”, disse.
E concluiu: “Nós, Forças Armadas, faremos o que for necessário, porque na base das Forças Armadas uma das missões é ajudar a nossa população, portanto (…) é uma coisa natural”.
Foto D.R. TIAGO PETINGA